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domingo, 22 de setembro de 2019

Os novos “cruzados” - Nas entrelinhas

Há que separar os setores tradicionais que sempre defenderam o caráter laico do Estado daqueles que ambicionam uma espécie de nova teocracia”


No contexto da participação do Brasil na cena internacional, cujo ponto crucial será o discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), no próximo dia 24 de setembro, um sinal preocupante foi a participação do governo brasileiro na Cúpula da Demografia, em Budapeste, na qual o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, sugeriu uma espécie de cruzada antiglobalização e em defesa do cristianismo mais conservador. O Brasil foi representado pela ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, que reiterou a disposição de o governo brasileiro liderar um bloco ultra-conservador na ONU. [O Brasil precisa acabar com a valorização sem motivo desse discurso de abertura da assembleia-geral da ONU. 
A ONU é o exemplo mais perfeito de ditadura da minoria.]

Como se sabe, as cruzadas foram movimentos militares que partiram da Europa Ocidental com objetivo de conquistar a Palestina e tomar Jerusalém, que estava sob controle dos turcos muçulmanos. Foram nove cruzadas, um movimento quase permanente, que mobilizou a nobreza, camponeses e desocupados por mais de 200 anos, e se transformou numa alternativa de ascensão política, econômica e social. Ironicamente, ajudaram a acabar com o isolamento das sociedades feudais e fortalecer o comércio entre Oriente e Ocidente, principalmente no mar Mediterrâneo.    Hoje, a expressão tem significado mais político e ideológico do que militar.

Em Portugal, que liderou uma das cruzadas, a morte do jovem rei Dom Sebastião, em 1578, na batalha de Alcácer-Quibir, deu origem ao sebastianismo, um movimento místico-secular que ocorreu durante a segunda metade do séc. XVI. Como não possuía herdeiros, o trono de Portugal ficou sob o manto do poderoso rei Filipe II, da Espanha. Criou-se uma lenda de que o Rei ainda estaria vivo, esperando o momento certo para retomar o trono e afastar o rei estrangeiro. O mito sebastianista nada mais é do que a esperança de chegada de um salvador, mesmo que fosse necessário um verdadeiro milagre, como a ressurreição do rei morto, D. Sebastião, o Desejado.

No Brasil, o sebastianismo popular se manifestou na crença de chegada de um “rei bom” e até hoje está presente em manifestações folclóricas, como a Folia de Reis. Influenciou movimentos populares de Norte a Sul, sendo o mais significativo o de Canudos, no sertão da Bahia, no qual Antonio Conselheiro pregava que D. Sebastião retornaria dos mortos para restaurar a monarquia no Brasil, o que foi motivo para a intervenção do Exército. Foram necessárias quatro campanhas militares para derrotar os jagunços de Canudos. O livro Os Sertões, de Euclides da Cunha, narra em detalhes essa tragédia nacional.

Neopentecostais
O mito sebastianista se manifesta de diferentes formas, mas todas têm como ponto de referência o surgimento de um “salvador da pátria”. Por isso mesmo, serve de caldo de cultura para o nosso velho populismo. Não à toa, o presidente Jair Bolsonaro é chamado de “Mito” por seus seguidores mais apaixonados. A facada que recebeu em plena campanha eleitoral e as quatro cirurgias dela decorrentes reforçam essa ideia no imaginário de seus seguidores. A forte relação de Bolsonaro com as igrejas neopentecostais também alimenta seu carisma, ainda mais por causa do forte engajamento político dessas correntes na política, que ultrapassou a fronteira entre o desejo de reconhecimento e o efetivo exercício do poder.

Há que separar, porém, os setores tradicionais que sempre defenderam o caráter laico do Estado, até por causa dos antigos vínculos entre a Igreja Católica e o Estado, daqueles que ambicionam uma espécie de nova teocracia. Depois do fracasso dos calvinistas franceses, nas invasões do Rio de Janeiro (1555) e Maranhão (1594), o protestantismo chegou ao Brasil no começo do século XIX, com os anglicanos (1816), devido à presença inglesa após a Abertura dos Portos(1808) por Dom João VI. Graças à liberdade religiosa, depois vieram congregacionistas (1855), presbiterianos (1859), metodistas (1867), batistas (1881), episcopais (1889) e luteranos (1900).

Mesmo com a Congregação Cristã do Brasil (1910) e a Assembléia de Deus (1911), somente na década de 1950, o movimento pentecostal brasileiro se fragmentou, com o surgimento das igrejas Evangelho Quadrangular (1954), Igreja do Nazareno (1958) e Cristã de Nova Vida (1960). A cisão desses movimentos deu origem às organizações pentecostais brasileiras: Brasil para Cristo (1955), do missionário Manoel de Mello e Silva; Deus é Amor (1962), de David M Miranda; e Casa da Bênção (1964), de Doriel de Oliveira.

O movimento que dá mais sustentação a Bolsonaro, porém, é formado por igrejas pentecostais que fazem uso intensivo dos meios de comunicação, com ênfase em milagres, curas e prosperidade pessoal: Igreja Universal do Reino de Deus (1977), de Edir Macedo; Igreja da Graça de Deus (1980), de R.R. Soares; a Renascer em Cristo (1986), de Estevam e Sônia Ernandes; Sara Nossa Terra (1992), de Robson Rodovalho; e Poder de Deus (1998), de Valdemiro Santiago.  [em  todas essas igrejas pentecostais, o que mais se observa é a abundância de denominações e que cada igreja é propriedade de alguém - os fiéis podem até não receberem milagres, curas e prosperidade pessoal, mas, os proprietários com certeza recebem e muito, especialmente, prosperidade pessoal em suas finanças.

Os tempos em que havia vínculos sólidos entre a Igreja Católica Apostólica Romana - que não se dividiu, por estar amparada no DECRETO DIVINO: ."E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela.19. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”. Evangelho de São Mateus 16,18-19 - as situações eram mais definidas.]


Hoje, devido à nova legislação eleitoral, se transformaram em poderosas forças políticas, que vão disputar as prefeituras nas próximas eleições municipais, como no Rio de Janeiro, em razão da facilidade de montar chapas de vereadores e levantar recursos financeiros, ao lado do desgaste dos partidos.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB

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