Bruno Carazza
Bolsonaro beneficiou a si mesmo e ao Congresso
Na última sexta-feira Jair Bolsonaro vetou diversos dispositivos da
reforma eleitoral aprovada pelo Congresso no âmbito da Lei nº 13.877.
Atendendo à pressão das redes sociais, o presidente posicionou-se contra
a possibilidade de aumento do fundo eleitoral, a eliminação de brechas
para a não aplicação da Lei da Ficha Limpa e o retorno da propaganda
partidária “gratuita” em rádio e TV - sem falar na farra que seria a
permissão de adoção de sistemas de contabilidade paralelo à prestação de
contas exigida pelo TSE.
[cabe lembrar que o Brasil vive sob uma ditadura do Congresso e que simplesmente o Poder Executivo só trabalho se o Poder Legislativo concordar;
não concordando, derruba veto presidencial, emite decreto legislativo e o que mais lhe aprouver.
Em complemento, tem o Poder Judiciário que, na maioria das vezes, atende ações contrárias às decisões do presidente da República.
Espremido entre dois Poderes, duas ditaduras oficiosas mas, reais, fica dificil governar.]
Apesar de ter agradado àqueles que temiam que a sanção do projeto tal
qual aprovado pela Câmara e pelo Senado contribuiria para a total
degeneração da política em corrupção, o veto parcial de Bolsonaro merece
ser analisado com bastante cuidado, pois revela uma bem arquitetada
estratégia política. Começamos pelo que não foi vetado. Bolsonaro fez vista grossa para três
dispositivos relacionados ao uso do fundo partidário, uma bolada que
gira em torno de R$ 1 bilhão de dinheiro público distribuída todo ano
aos partidos. De acordo com a nova lei sancionada pelo presidente, os
partidos agora poderão utilizar esses recursos para defender
judicialmente seus membros em processos relacionados à eleição, para
adquirir bens imóveis e móveis (inclusive veículos, jatinhos e
helicópteros) e também no impulsionamento de conteúdo na internet.
Não é difícil perceber que, ao não vetar esses pontos, Bolsonaro colocou
os seus próprios objetivos à frente do interesse público. Para começar,
seu partido, o PSL, defende-se judicialmente de várias acusações de uso
de laranjas nas últimas eleições - e a partir de agora poderá usar o
fundo partidário para pagar seus advogados. Além disso, dada a sua expressiva votação nas últimas eleições, o PSL
será o maior agraciado na distribuição do fundo partidário - e poder
gastar esse dinheiro para adquirir imóveis Brasil afora (e, talvez,
jatinhos e helicópteros para facilitar o transporte) pode ser de grande
valia para expandir os domínios do bolsonarismo nos rincões do país. Por fim, o uso do fundo para o impulsionamento de conteúdo nas redes
sociais dará ainda mais força para a principal estratégia de marketing
de Bolsonaro rumo a 2020 e 2022.
Também faltou tinta na caneta Bic do presidente para vetar a utilização
dos recursos bilionários dos fundos partidário e eleitoral para o
pagamento de consultorias, assessorias contábeis e serviços
advocatícios. Bolsonaro não apenas sacramentou essa imensa brecha para o
caixa dois, como ainda aceitou a proposta dos parlamentares de deixar
essas despesas fora do teto de gastos de campanha e de poderem ser
objeto de contabilidade paralela na prestação de contas junto ao TSE.
Chega a ser chocante admitir uma norma dessa natureza depois de tantos
escândalos de corrupção comprovando o desvio de recursos por meio de
serviços fictícios ou superfaturados. PC Farias já fazia isso com a sua
consultoria EPC na década de 1980 e todos os grandes casos subsequentes
(Anões do Orçamento, Mensalão, Castelo de Areia, Lava Jato) tiveram
fartos exemplos de recursos milionários transitando entre contas de
corruptores e políticos por meio de uma rede subterrânea de serviços de
assessorias e escritórios de advocacia.
Chama mais atenção ainda o silêncio do ministro Sergio Moro nessa
questão. Na mensagem de veto encaminhada ao Congresso, Moro se
posicionou contra apenas dois aspectos: a possibilidade de compra de
passagens aéreas para não filiados ao partido e a alteração na regra de
verificação de inelegibilidade de candidatos. Sobre os dispositivos que
poderiam levar a desvios de recursos nas campanhas, Moro calou-se - logo
ele, que conhece como ninguém o funcionamento do “mecanismo” de
corrupção nas eleições. As principais sugestões de veto acabaram vindo
do Secretário-Geral da Presidência, Jorge Francisco.
A despeito da sanção parcial do presidente sobre o projeto com as novas
regras eleitorais, o jogo não está encerrado. No nosso modelo de freios e
contrapesos, o Congresso tem a palavra final sobre os vetos
presidenciais, podendo derrubá-los se houver maioria absoluta de
deputados e senadores. E aqui reside mais um ponto interessante da
estratégia política bolsonariana. Assim como aconteceu com a lei sobre abuso de autoridade, também na nova
lei eleitoral Bolsonaro foi bastante pressionado por seus apoiadores
para vetar integralmente o projeto - em ambos os casos, havia o risco de
enfraquecimento do combate à corrupção, um assunto caro a boa parte de
seus seguidores. Tivesse o presidente cedido ao clamor popular, caberia
ao Congresso decidir, numa votação única, derrubar ou manter o veto do
projeto em sua inteireza, o que certamente mobilizaria todos os olhares
do país sobre essa decisão.
A opção adotada por Bolsonaro, entretanto, foi vetar apenas um grupo
limitado de dispositivos. Dessa forma, o Congresso não terá que se
posicionar sobre os vetos em conjunto, mas sim ponto a ponto, decidindo
se mantém ou rejeita cada dispositivo sobre o qual o presidente se
manifestou contrariamente. Ao agir dessa forma, Bolsonaro beneficia os parlamentares, pois além de
aliviar a pressão popular sobre sua decisão, podem moldar a versão final
da lei ao seu bel prazer, pois em vez de decidirem no modelo “tudo ou
nada”, têm à sua disposição um cardápio de opções, podendo rejeitar ou
aceitar cada dispositivo isolado do projeto.
Do ponto de vista eleitoral, Bolsonaro também se sai melhor com a opção
do veto parcial, pois reforça junto a seus seguidores o discurso de que
está fazendo o possível para evitar o esvaziamento do combate à
corrupção no Brasil, mas o problema está na velha política do Congresso
que derruba seus vetos. Ao colocar a grande massa bolsonarista contra os
outros Poderes, Bolsonaro não apenas polariza o eleitorado - ele
enfraquece a democracia. Para aqueles que fazem chacota de discursos na ONU, é bom avisar que de bobo Bolsonaro não tem nada.
Bruno Carazza, professor do IBMEC, escritor, mestre em economia e doutor em direito - Valor Econômico
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