O Globo
A disputa de poder entre o Supremo e o MP
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF),
criando uma interpretação jurídica que equipara os réus que fizeram
delação premiada a “auxiliares de acusação”, é mais uma etapa da disputa
de espaço político entre ministros de tribunais superiores e o
Ministério Público, que teve na escolha do novo Procurador-Geral da
República Augusto Aras uma indicação importante.
O rabo não pode abanar o cachorro, gosta de dizer o ministro Gilmar Mendes em relação à Lava-Jato. Para muitos, a Operação baseada em Curitiba virou, ou tenta virar, uma instituição que se pretende intocável. Como tudo nessa vida é politica, especialmente no Brasil de hoje, desmontar a Lava-Jato ajuda até mesmo o Palácio do Planalto a conviver melhor com o Legislativo, onde está grande parte dos alvos de investigações e processos sobre corrupção.
Em troca, o presidente Bolsonaro protege seu filho Flávio das investigações sobre supostas ilegalidades quando era deputado no Rio, e tenta garantir a aprovação do outro filho, Eduardo, para embaixador em Washington. Há percalços, no entanto. Para quem se elegeu muito em cima da pauta anticorrupção, fica cada vez mais difícil convencer boa parte de seu eleitorado de que seus compromissos nessa área estão mantidos.
A relação de morde e assopra com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, é parte desse paradoxo. Figura mais popular do governo justamente por sua atuação na Lava-Jato, Moro voltou a ser um sustentáculo para Bolsonaro, que vem caindo de popularidade.
Citou-o no discurso da ONU como um ícone do combate à corrupção no Brasil, o que demonstra que o prestigio de Moro está intocado no exterior, mesmo depois das revelações [sic] de suas conversas com os procuradores de Curitiba. O governo começou também uma campanha a favor do pacote anticrime que está encontrando reações no Legislativo. Essa mesma disputa de poder aconteceu na Itália devido à operação Mãos Limpas, espelho para o então juiz Sérgio Moro e os procuradores de Curitiba.
Assim como cá, lá também houve uma intensa campanha de desmoralização dos procuradores e tentativas diversas, que acabaram dando certo, de coibir o alcance da ação do Ministério Público. O caso do ex-Procurador-Geral da República Rodrigo Janot, que confessou ter tentado assassinar o ministro Gilmar Mendes, do STF, é inacreditável. Um sincericídio que terá graves repercussões para sua própria vida futura, é também retroativamente grave, pois coloca em dúvida sua saúde mental e pode desmoralizar os atos de sua gestão à frente da PGR. Confessou um crime, tentativa de assassinato, e já começa a ser investigado. Para piorar a situação, há a desconfiança de que falou sobre isso, anos depois, para fazer propaganda sensacionalista do livro que está lançando, intitulado “Nada menos que tudo”.
O ministro Gilmar Mendes foi subindo de tom durante o dia, sobretudo através de declarações nas redes sociais, e definiu a situação utilizando-se de um paralelo: “Para quem se propõe a matar um juiz, assassinatos de reputação não são nada”, voltando a acusar Janot de ter usado o Ministério Público para fins políticos. Uma luta de poder, para neutralizar o Ministério Público e a Lava-Jato, que vem sendo turbinada por casos como o de Janot, ou as conversas reveladas pelo site Intercept Brasil entre os procuradores de Curitiba e o ministro Sérgio Moro.
Os diálogos não contém nenhuma ilegalidade, nada que demonstre que as condenações se basearam em provas criadas, provas forjadas. Não há uma indicação de que o ex-presidente Lula não cometeu os crimes pelos quais foi condenado. Estamos diante de uma questão moral, mais do que jurídica.
Ao verem reveladas partes de conversas em situações privadas, os investigadores se fragilizam para defender suas posições, embora tecnicamente não haja nada de errado. Além do mais, prova ilícita só pode ser usada a favor do réu. No caso das interceptações das conversas pelo Telegram, não há nenhuma prova de que ele foi prejudicado, nada a favor dele, só a questão moral. Considero muito difícil anular um julgamento por uma questão moral, que não interferiu no resultado. Se imaginarmos uma gravação durante meses nos telefones de políticos, ministros, jornalistas, advogados, empresários, quem pode garantir que não haverá comentário politicamente incorreto, ou que possa ser considerado indevido?
Merval Pereira, jornalista - O Globo
O rabo não pode abanar o cachorro, gosta de dizer o ministro Gilmar Mendes em relação à Lava-Jato. Para muitos, a Operação baseada em Curitiba virou, ou tenta virar, uma instituição que se pretende intocável. Como tudo nessa vida é politica, especialmente no Brasil de hoje, desmontar a Lava-Jato ajuda até mesmo o Palácio do Planalto a conviver melhor com o Legislativo, onde está grande parte dos alvos de investigações e processos sobre corrupção.
Em troca, o presidente Bolsonaro protege seu filho Flávio das investigações sobre supostas ilegalidades quando era deputado no Rio, e tenta garantir a aprovação do outro filho, Eduardo, para embaixador em Washington. Há percalços, no entanto. Para quem se elegeu muito em cima da pauta anticorrupção, fica cada vez mais difícil convencer boa parte de seu eleitorado de que seus compromissos nessa área estão mantidos.
A relação de morde e assopra com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, é parte desse paradoxo. Figura mais popular do governo justamente por sua atuação na Lava-Jato, Moro voltou a ser um sustentáculo para Bolsonaro, que vem caindo de popularidade.
Citou-o no discurso da ONU como um ícone do combate à corrupção no Brasil, o que demonstra que o prestigio de Moro está intocado no exterior, mesmo depois das revelações [sic] de suas conversas com os procuradores de Curitiba. O governo começou também uma campanha a favor do pacote anticrime que está encontrando reações no Legislativo. Essa mesma disputa de poder aconteceu na Itália devido à operação Mãos Limpas, espelho para o então juiz Sérgio Moro e os procuradores de Curitiba.
Assim como cá, lá também houve uma intensa campanha de desmoralização dos procuradores e tentativas diversas, que acabaram dando certo, de coibir o alcance da ação do Ministério Público. O caso do ex-Procurador-Geral da República Rodrigo Janot, que confessou ter tentado assassinar o ministro Gilmar Mendes, do STF, é inacreditável. Um sincericídio que terá graves repercussões para sua própria vida futura, é também retroativamente grave, pois coloca em dúvida sua saúde mental e pode desmoralizar os atos de sua gestão à frente da PGR. Confessou um crime, tentativa de assassinato, e já começa a ser investigado. Para piorar a situação, há a desconfiança de que falou sobre isso, anos depois, para fazer propaganda sensacionalista do livro que está lançando, intitulado “Nada menos que tudo”.
O ministro Gilmar Mendes foi subindo de tom durante o dia, sobretudo através de declarações nas redes sociais, e definiu a situação utilizando-se de um paralelo: “Para quem se propõe a matar um juiz, assassinatos de reputação não são nada”, voltando a acusar Janot de ter usado o Ministério Público para fins políticos. Uma luta de poder, para neutralizar o Ministério Público e a Lava-Jato, que vem sendo turbinada por casos como o de Janot, ou as conversas reveladas pelo site Intercept Brasil entre os procuradores de Curitiba e o ministro Sérgio Moro.
Os diálogos não contém nenhuma ilegalidade, nada que demonstre que as condenações se basearam em provas criadas, provas forjadas. Não há uma indicação de que o ex-presidente Lula não cometeu os crimes pelos quais foi condenado. Estamos diante de uma questão moral, mais do que jurídica.
Ao verem reveladas partes de conversas em situações privadas, os investigadores se fragilizam para defender suas posições, embora tecnicamente não haja nada de errado. Além do mais, prova ilícita só pode ser usada a favor do réu. No caso das interceptações das conversas pelo Telegram, não há nenhuma prova de que ele foi prejudicado, nada a favor dele, só a questão moral. Considero muito difícil anular um julgamento por uma questão moral, que não interferiu no resultado. Se imaginarmos uma gravação durante meses nos telefones de políticos, ministros, jornalistas, advogados, empresários, quem pode garantir que não haverá comentário politicamente incorreto, ou que possa ser considerado indevido?
Merval Pereira, jornalista - O Globo
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