Henrique Geaquinto Herkenhoff
Há muito tempo as organizações criminosas brasileiras adotam claramente táticas de guerrilha
À primeira vista, quanto mais criminosos presos – ou, de preferência,
mortos – pela polícia, melhor, mas é exatamente o oposto: tanto
criminosos quanto insurgentes têm amigos e parentes; a cada adversário
morto, surgem muitos outros (The Operators, de Michael Hastings, ou sua
versão cinematográfica, War Machine).[que devem ser presos ou, inevitável, abatidos e assim sucessivamente.]
Insurgentes se encontram imersos em uma população com diferentes
posicionamentos: colaboradora, simpatizante, neutra ou tendente a apoiar
as forças legalistas, o establishment. Tanto as forças legalistas
quanto as insurgentes devem se esforçar por angariar o máximo de apoio
e, principalmente não empurrá-la para os braços dos adversários. Essas
pessoas tendem a aceitar como natural a morte de insurgentes em um
combate limpo, especialmente se foi deles a iniciativa, mas reprovam as
que parecerem injustificadas e, principalmente, as de inocentes. [a reprovação a morte de inocentes é algo que se compreende, só que a população precisa ser informada, esclarecida que às autoridades policiais não interessa a morte de inocentes e que muitas vezes os inocentes, vítimas das balas perdidas, foram alvos de bandidos com a intenção de produzir revolta na população, clamor público, contra as operações policiais, a própria polícia e a legalidade, que tanto prejudicam o tráfico e todas as modalidades de crimes.]
Operações desastradas, com muitas vítimas civis, têm efeito oposto ao
desejado. A proporção em que a população apoia à insurreição é um
contrabalanço entre e os custos e riscos dessa adesão e a raiva que
sente pela violência mal calculada. Por isso, as forças regulares devem
empregar principalmente operações “stick”, bastante pontuais, apoiadas
por inteligência prévia, com o mínimo possível de danos colaterais,
combinadas com “operações cenoura”, oferecendo assistência médica,
alimentação e infraestrutura para a população.
Estudos com simulações matemáticas deixam
claro que a oferta de serviços sociais, ainda que escassa, pode ser de
muita valia no apoio a ações “cirúrgicas” contra os insurgentes, mas não
é capaz, por mais generosa que seja, de compensar atuações brutais.
Portanto, embora aparentemente isso contrarie o bom senso, a melhor
maneira de combater facções criminosas não é matar ou prender
aleatoriamente o maior número possível de seus integrantes, mas anular
um pequeno porém matematicamente escolhido grupo cujas ligações (não
necessariamente sua importância na hierarquia) sejam essenciais ao
funcionamento da organização, pois elas se estruturam exatamente como
estudado pela Ciência de Redes. Você pode desarticular uma facção
suprimindo apenas 2% dela, desde que criteriosamente escolhidos, ao passo que abatê-los a esmo só a fará crescer e se fortalecer.[lembrando sempre que toda regra tem exceção. O impacto de quase 20 bandidos mortos - Manaus, recentemente - abala, ainda que por pouco tempo, a moral dos criminosos. ]
Há doutrina militar já bastante consolidada para a contrainsurgência,
contraterrorismo e antiguerrrilha; elas podem e devem ser adaptadas para
o enfrentamento das facções criminosas. A insistência nas ações diretas
pode agradar a uma parcela da população, que se regozija em acompanhar
execuções pela imprensa, mas foram elas as responsáveis por criar esse
clima de guerra civil em grande parte do território brasileiro.
Fausto Macedo/O Estado de S. Paulo - Henrique Geaquinto Herkenhoff, professor, ex-Secretário de
Segurança do Espírito Santo, Desembargador Federal - TRF/3, Procurador Regional da República
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