Claro que há diferenças entre governos progressistas e conservadores,
mas diante da crise do coronavírus, que não é de direita nem de
esquerda, talvez seja melhor separar entre governos bons e ruins.Consideremos dois exemplos: Trump e o socialista Pedro Sanchez, da Espanha.
Há dois dias, o NY Times informou que o conselheiro da Casa Branca
para questões de comércio, Peter Navarro, distribuiu um memorando
alertando para o risco de uma pandemia. Isso em 29 de janeiro, quando
Trump ainda menosprezava os efeitos do “vírus chinês” e considerava os
alertas como propaganda do Partido Democrata. Trump garantiu que não leu, nem tomou conhecimento do memorando. Mas
disse que não fez diferença porque ele, presidente, agiu por sua própria
cabeça. E agiu tarde, como os números americanos provam.
Na Espanha, o primeiro caso de coronavírus apareceu no final de
janeiro. Um turista alemão ficou doente e foi tratado na pequena ilha de
La Gomera. Curou-se em duas semanas, voltou para casa. E o governo
espanhol declarava que o país era território livre do vírus. Logo em seguida, apareceram outros casos. Como eram de turistas
italianos, o governo espanhol continuou na mesma tese: a coisa é
estrangeira. Em 26 de fevereiro apareceu o primeiro caso local: um homem em
Sevilha que não viajara para lugar nenhum. Depois, alguns casos em
Valencia, também locais.
Ou seja, o vírus estava circulando pelo país. A situação ainda não
era tão grave quanto na Itália, mas qualquer epidemiologista saberia: o
contágio se manifestava, exigia resposta rápida. Em 8 de março, o norte da Itália, tomado pela epidemia, foi fechado.
Milão, considerado um dos lugares de excelência nos serviços de saúde,
entrou em confinamento.
Pois no mesmo dia 8, uma multidão de 120 mil pessoas fazia
manifestação em Madrid, pelo Dia Internacional da Mulher, liderada por
partidos do governo. Pouco depois estavam doentes três ministros, a mãe e
a mulher de Sanchez. Em 14 de março, o isolamento.
Tarde, muito tarde, como indicam os números.
Já na Coreia do Sul, o governo do presidente Moon Jae-In, de
centro-esquerda, começou a tomar providências em fevereiro, fechando
escolas, por exemplo. Nesse mês, a Coreia tinha mais casos que a Itália. Ontem à tarde, pelos dados da Universidade John Hopkins, a Itália
somava 139.422 casos, com 17.669 mortes, letalidade de 12,6%. Na Coreia,
10.384 casos, com 200 vítimas fatais, letalidade inferior a 2%. Nos
EUA, a letalidade é de 4%. O governo coreano adotou rapidamente a regra da Organização Mundial
de Saúde: testar, testar, testar. E não apenas os doentes ou
sintomáticos, como se faz em quase todo o mundo. Por amostras
randômicas, foi como se tivessem testado toda a população (como nas
pesquisas eleitorais, por exemplo).
Com isso, conseguiam identificar rapidamente onde estavam os focos,
logo isolados. A regra é testar e rastrear. Encontrado um infectado,
trata-se de seguir as pessoas que estiveram em contato com o doente –
pela localização geográfica de celulares, por exemplo, com aplicativos
do governo. E colocar todos em quarentena. Para isso, claro, foi preciso dotar o sistema de saúde de testes
suficientes, assim como reembolsar as instituições privadas pelos testes
feitos.Com isso, verificou-se que, dos infectados, 30% estavam na faixa de
20 a 30 anos. Com praticamente nenhuma morte. Ou seja, nos países que só
testam os que têm sintomas, tem muito mais pessoas espalhando o vírus.
Daí a necessidade de isolamento para os países que não têm os testes e
os equipamentos em número suficiente. Mas é preciso aproveitar o tempo
de isolamento, que atrasa a circulação de vírus, para investir
pesadamente naqueles instrumentos de prevenção e tratamento. Finalmente, uma palavra sobre a cloroquina. Mesmo que se venha a
provar sua eficiência, isso não elimina a necessidade de isolamento
neste momento. Porque se todo mundo sair por aí, numa boa, confiando no
remédio, vão faltar leitos e …cloroquina.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
Coluna publicada em O Globo - Economia 9 de abril de 2020
Há dois dias, o NY Times informou que o conselheiro da Casa Branca para questões de comércio, Peter Navarro, distribuiu um memorando alertando para o risco de uma pandemia. Isso em 29 de janeiro, quando Trump ainda menosprezava os efeitos do “vírus chinês” e considerava os alertas como propaganda do Partido Democrata. Trump garantiu que não leu, nem tomou conhecimento do memorando. Mas disse que não fez diferença porque ele, presidente, agiu por sua própria cabeça. E agiu tarde, como os números americanos provam.
Na Espanha, o primeiro caso de coronavírus apareceu no final de janeiro. Um turista alemão ficou doente e foi tratado na pequena ilha de La Gomera. Curou-se em duas semanas, voltou para casa. E o governo espanhol declarava que o país era território livre do vírus. Logo em seguida, apareceram outros casos. Como eram de turistas italianos, o governo espanhol continuou na mesma tese: a coisa é estrangeira. Em 26 de fevereiro apareceu o primeiro caso local: um homem em Sevilha que não viajara para lugar nenhum. Depois, alguns casos em Valencia, também locais.
Ou seja, o vírus estava circulando pelo país. A situação ainda não era tão grave quanto na Itália, mas qualquer epidemiologista saberia: o contágio se manifestava, exigia resposta rápida. Em 8 de março, o norte da Itália, tomado pela epidemia, foi fechado. Milão, considerado um dos lugares de excelência nos serviços de saúde, entrou em confinamento.
Pois no mesmo dia 8, uma multidão de 120 mil pessoas fazia manifestação em Madrid, pelo Dia Internacional da Mulher, liderada por partidos do governo. Pouco depois estavam doentes três ministros, a mãe e a mulher de Sanchez. Em 14 de março, o isolamento.
Tarde, muito tarde, como indicam os números.
Já na Coreia do Sul, o governo do presidente Moon Jae-In, de centro-esquerda, começou a tomar providências em fevereiro, fechando escolas, por exemplo. Nesse mês, a Coreia tinha mais casos que a Itália. Ontem à tarde, pelos dados da Universidade John Hopkins, a Itália somava 139.422 casos, com 17.669 mortes, letalidade de 12,6%. Na Coreia, 10.384 casos, com 200 vítimas fatais, letalidade inferior a 2%. Nos EUA, a letalidade é de 4%. O governo coreano adotou rapidamente a regra da Organização Mundial de Saúde: testar, testar, testar. E não apenas os doentes ou sintomáticos, como se faz em quase todo o mundo. Por amostras randômicas, foi como se tivessem testado toda a população (como nas pesquisas eleitorais, por exemplo).
Com isso, conseguiam identificar rapidamente onde estavam os focos, logo isolados. A regra é testar e rastrear. Encontrado um infectado, trata-se de seguir as pessoas que estiveram em contato com o doente – pela localização geográfica de celulares, por exemplo, com aplicativos do governo. E colocar todos em quarentena. Para isso, claro, foi preciso dotar o sistema de saúde de testes suficientes, assim como reembolsar as instituições privadas pelos testes feitos.Com isso, verificou-se que, dos infectados, 30% estavam na faixa de 20 a 30 anos. Com praticamente nenhuma morte. Ou seja, nos países que só testam os que têm sintomas, tem muito mais pessoas espalhando o vírus.
Daí a necessidade de isolamento para os países que não têm os testes e os equipamentos em número suficiente. Mas é preciso aproveitar o tempo de isolamento, que atrasa a circulação de vírus, para investir pesadamente naqueles instrumentos de prevenção e tratamento. Finalmente, uma palavra sobre a cloroquina. Mesmo que se venha a provar sua eficiência, isso não elimina a necessidade de isolamento neste momento. Porque se todo mundo sair por aí, numa boa, confiando no remédio, vão faltar leitos e …cloroquina.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
Coluna publicada em O Globo - Economia 9 de abril de 2020
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