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sábado, 15 de outubro de 2022

Cheque em Branco? - Carlos Alberto Sardenberg

 Coluna publicada em O Globo / Economia / Política
 
Há diversas maneiras de solapar a democracia. A mais tosca é o golpe militar. Um exército liderado por generais, mas também por políticos civis, simplesmente fecha as instituições.
Isso está fora de moda. Mesmo em 64, aqui, o regime tornou-se militar, mas sempre buscando ares de legalidade.
         
O primeiro presidente general, quer dizer, marechal, Castello Branco, foi eleito no Congresso Nacional, inclusive com o voto de muitos parlamentares que viriam a ser cassados. Juscelino Kubitschek, por exemplo.
Os demais presidentes também foram eleitos no Congresso, depois que os generais escolhiam um colega. A oposição permitida, o MDB, até apresentava candidatos, como a anti-candidatura de Ulysses Guimarães ou a candidatura de fato do general Euler Bentes.
 
Quando a oposição parecia crescer, era simples: o regime fechava o Congresso por um período, cassava parlamentares e juízes, censurava a imprensa e, pronto, logo voltava à rotina controlada. [Comentário: todas as punições aplicadas eram por violações aos ditames da legislação vigente - ninguém era punido sem o ato punitivo elencar as razões, incluindo as violações às leis.]
         
Hoje em dia, há modelo mais sofisticado. O exemplo perfeito está na Rússia de Vladimir Putin. Olha-se pelo alto e parece [se percebe que as normas democráticas são seguidas, respeitadas.] uma democracia: o presidente é eleito pelo voto direto da população, tem mandato fixo, o parlamento aprova as leis, os tribunais julgam, jornais circulam, rádios e tevês estão no ar.
 
Houve, é verdade, casos extremos. Adversários do regime que aparecem mortos, mas vejam a situação do mais popular líder oposicionista, Alexei Navalny. Ele sofreu um atentado, envenenado num voo da Sibéria para Moscou, mas foi salvo num hospital alemão.
Voltou para a Rússia e  aí foi preso, com mandato judicial e tudo, sob duas acusações: violação da liberdade condicional e fraude
Foi julgado num tribunal, que ouviu seu advogado, e condenado a nove anos de prisão.
 
Outro exemplo, o magnata do petróleo Mikhail Khodorkovski, que enriqueceu na era Putin, mas violou duas regras estabelecidas pelo presidente: não abrir meio de comunicação independente; não fundar partido político liberal.
Foi preso e condenado por fraudes contra o imposto de renda, em julgamento aberto e com direito a defesa.
 
Qual o truque? Controlar as instituições republicanas por dentro. Um passo essencial é controlar os tribunais, afastando juízes independentes e nomeando os amigos do rei. A ditadura brasileira fez isso: aumentou o número de juízes do STF, nomeou sua turma e depois ainda cassou “os outros”.
Repararam? Sim, o presidente Bolsonaro cogita exatamente disso: aumentar o número de ministros da Supremo para nomear os novos e fazer a maioria.
 
Só ele? Não. Em 2013, a então deputada Luiza Erundina, com apoio de advogados ligados ao PT, apresentou proposta de emenda constitucional que transforma o STF em Corte Constitucional e amplia o número de ministros de 11 para 15.
Outra forma de solapar a democracia é controlar/intimidar a imprensa. Na Venezuela, Chávez e Maduro não renovaram o direito de transmissão de emissoras independentes. É o que deseja fazer Bolsonaro. [nos parece - pensamos que o articulista se refere à renovação da concessão da TV Globo; dia 5, ao que sabemos, venceu a concessão e a emissora pediu sua renovação. O processo está sob exame e certamente até o final deste ano o presidente Bolsonaro, tomará  a decisão que lhe compete.] 
 
O PT, no governo, propôs controle social da mídia, ideia abandonada depois de reação da sociedade civil. Mas Lula já tentou expulsar o jornalista Larry Rohter, do NY Times. [entre outros comentários o jornalista destacou o estado permanente de porre que o petista vivia.] Mais, como ex-presidente, pediu publicamente a demissão de uma economista do Santander que, em análise técnica, disse que a perspectiva de reeleição de Dilma derrubava a economia. Prefeituras ligadas ao PT ameaçaram fechar contas no banco.
 
O Santander demitiu a economista, cujas previsões se realizaram inteiramente.
Eleitores de centro dizem que Lula e o PT estão em outra e que Bolsonaro é ameaça imediata de solapar a democracia.
Verdade. A prova é a tentativa do presidente de usar a PF e o Cade para ameaçar os institutos de pesquisa. [ameaçar??? quem não deve, não teme; se os institutos foram socorridos pelo TSE - sempre decide pró Lula -  o correto seria investigar e seria comprovado, nas eleições 2022,  o que foi provado em 2018 = as pesquisas mentem.] 

         Mas incomoda a resistência de Lula em acertar contas com aquele passado, incluindo a corrupção. Esse acerto e mais a definição de uma política econômica responsável, acho, consolidariam a vantagem do ex-presidente. [vantagem???baseada  em pesquisas realizadas por institutos que se apavoram em terem suas pesquisas 'pesquisadas]?].
Mas preocupa Lula querer ganhar com um cheque em branco.
 

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

NY Times: 'O STF brasileiro está indo longe demais?'

Reportagem descreve exageros em ação contra empresários e destaca poder desmedido do ministro Alexandre de Moraes

Atuação do ministro Alexandre de Moraes é objeto de análise de jornal norte-americano
Atuação do ministro Alexandre de Moraes é objeto de análise de jornal norte-americano | Foto: Agência Brasil

Um artigo do New York Times desta segunda-feira, 26, fez um retrato do desequilíbrio atual de Poderes no Brasil, apontando para a recente expansão de força do Supremo Tribunal Federal (STF) como uma potencial ameaça à democracia brasileira.

O jornal norte-americano apresenta o tema ao seu leitor com o título “Para defender a democracia, a Suprema Corte do Brasil está indo longe demais?”.

A reportagem usa a recente operação contra oito empresários apoiadores do governo para ilustrar a atuação da Suprema Corte brasileira acima de teóricos princípios democráticos. No caso em questão, a Polícia Federal agiu por determinação do ministro Alexandre de Moraes, com base em conteúdo de um grupo privado de mensagens.

“Foi uma demonstração crua de força judicial que coroou uma tendência em formação: a Suprema Corte do Brasil expandiu drasticamente seu poder para combater as posições antidemocráticas de Bolsonaro e seus apoiadores”, descreve a reportagem.  “No processo, de acordo com especialistas em Direito e governo, o tribunal tomou seu próprio rumo repressivo”, acrescentou o jornal.

A reportagem cita a preocupação de juristas a respeito de ilegalidades na atuação do STF, mas diz que o ativismo judicial de Moraes e seus colegas de Corte conta com apoio de “líderes políticos de esquerda e grande parte da imprensa”, contra “a ameaça singular representada por Bolsonaro”.

“Muitos juristas dizem que as demonstrações de força de Moraes, sob a bandeira de salvar a democracia, está ameaçando empurrar o país para uma queda antidemocrática, argumenta o jornal.

O artigo do New York Times se concentra no poder desmedido exercido por Alexandre de Moraes nos últimos anos, resumindo ao leitor do jornal casos como o da prisão do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ).“Em muitos casos, Moraes agiu unilateralmente, encorajado por novos poderes que o tribunal concedeu a si mesmo em 2019 que lhe permitem, de fato, atuar como investigador, promotor e juiz ao mesmo tempo em alguns casos”, descreve o jornal.

Para ilustrar o poder atual do STF ao leitor norte-americano, o jornal argumenta que a Suprema Corte dos EUA avalia “de 100 a 150 casos anualmente”, enquanto a Corte brasileira emitiu mais de 505 mil decisões nos últimos cinco anos.

 

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Que susto, hein? - Carlos Alberto Sardenberg

Coluna publicada em O Globo - Economia 5 de novembro de 2020

Que susto, hein? Quando Donald Trump derrotou Hillary Clinton em 2016, fazendo jogo sujo, fazia sentido supor que isso tivesse acontecido por falta de conhecimento. Os americanos conheciam Trump como apresentador de tevê e, digamos, um milionário metido a besta. Era razoável supor também que boa parte dos eleitores estivesse farta da velha política, ali representada pela figura de um clã. Ok, Bill Clinton havia sido um bom presidente, Hillary tinha uma carreira pessoal de muito sucesso, mas de novo?

Também dava para imaginar que depois de Obama, os americanos estariam decididos a experimentar uma virada à direita, como acontecia em outras partes do mundo. Mas tudo isso se pensou depois da eleição. Porque antes era difícil imaginar que depois de eleger o primeiro presidente negro, com o nome Barack Hussein, os americanos passassem para Trump. Passaram, ganharam o benefício da dúvida. 

Mas passados quatro anos e Trump confirmando todo o jogo sujo que se esperava dele, e sendo agora amplamente conhecido como político – admito que me surpreendi com a competitividade dele. E mais ainda com alguns números apanhados nestes primeiros momentos, com dados do NY Times. Por exemplo: em comparação com 2016, Trump perdeu votos entre homens brancos com e sem diploma universitário. Em compensação, ganhou votos entre latinos de Miami (ok, são cubanos, em geral), mas também entre os mexicanos do Arizona. Os mexicanos, aqueles foram simplesmente xingados por Trump.

De outro lado, Biden foi pior que Hilary entre negros (homens e mulheres) e latinos (também homens e mulheres). Era de se imaginar o contrário depois de tudo que Trump e seu pessoal haviam feito. As primárias mostraram um Partido Democrata bastante dividido num amplo espectro político. Sim, há socialistas na esquerda democrata, embora não haja um programa propriamente claro. Não há ninguém propondo a expropriação dos meios de produção, mas há muita gente contra o “grande capital”. Isso até vem de longe: Al Gore, por exemplo, fez campanha contra o “big pharma” e o “big oil”.

Binden, talvez para atender essa esquerda, criticou o “big oil” e propôs algum tipo de controle de preços ou distribuição social de remédios. Tudo na direção de evoluir o Obamacare, que não pode ser chamado de socialista, talvez nem de social-democrata. Mas isso, em parte do eleitorado americano, deu alguma credibilidade às acusações de Trump de que há uma conspiração socialista e anti-cristã que precisa ser varrida dos EUA e do mundo. 

Aliás, Trump voltou à ideia ontem quando se declarou vencedor e que estava sendo roubado – não se importando nem um pouco em criar uma crise institucional de proporções inimagináveis. Por outro lado, há republicanos do bem, gente que quer reorganizar o país. Aliás, Binden foi senador por muitos anos, presidiu o Senado quando foi o vice de Obama, conhece republicanos. Pode, portanto, ser uma fonte de entendimento na direção do centro. Mas tanto os republicanos quanto os democratas também elegeram os seus radicais. Permanecerão nos seus partidos ou haverá divisões?

De todo modo, para o mundo, a quarta-feira terminou melhor do que começou. Binden agora é o favorito e isso muda para melhor o panorama global. Com Binden, os EUA voltam ao Acordo de Paris, à OMS, à aliança atlântica. Claro que continua a disputa com a China pela hegemonia econômica, militar e tecnológica, mas será uma disputa, digamos, mais inteligente e com muito menos chance de descambar para algum conflito.

Mas que há muita confusão política/ideológica nos EUA e no mundo, disso não há dúvida. E para terminar, uma vitória de Binden deixa Bolsonaro inteiramente isolado nas Américas. E será bem feito. A tal amizade com Trump não trouxe nada de significativamente lucrativo para o Brasil. Mas os bolsonaristas continuam por aí. Vão dizer que Trump foi roubado, assim como Bolsonaro acha que foi roubado numa eleição que ganhou. Aliás, tem uma ironia aí. As nossas urnas eletrônicas saíram-se muito bem, obrigado. [Quanto às urnas eletrônicas o que melhorou o seu conceito foi que o presidente Bolsonaro foi eleito em eleição na qual foram utilizadas - e sabemos que a eleição do capitão não foi aceita pelos inimigos do Brasil = adeptos do 'quanto pior, melhor' + mais 'turma do mecanismo' + inimigos da democracia + corja esquerdista - assim, se ele foi eleito não foi por falta de vontade daqueles inimigos de  fraudar as eleições, e sim por impossibilidade.]

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista 


quinta-feira, 9 de abril de 2020

Falhas de governo - Carlos Alberto Sardenberg

Claro que há diferenças entre governos progressistas e conservadores, mas diante da crise do coronavírus, que não é de direita nem de esquerda, talvez seja melhor separar entre governos bons e ruins.Consideremos dois exemplos: Trump e o socialista Pedro Sanchez, da Espanha.

Há dois dias, o NY Times informou que o conselheiro da Casa Branca para questões de comércio, Peter Navarro, distribuiu um memorando alertando para o risco de uma pandemia. Isso em 29 de janeiro, quando Trump ainda menosprezava os efeitos do “vírus chinês” e considerava os alertas como propaganda do Partido Democrata. Trump garantiu que não leu, nem tomou conhecimento do memorando. Mas disse que não fez diferença porque ele, presidente, agiu por sua própria cabeça. E agiu tarde, como os números americanos provam.

Na Espanha, o primeiro caso de coronavírus apareceu no final de janeiro. Um turista alemão ficou doente e foi tratado na pequena ilha de La Gomera. Curou-se em duas semanas, voltou para casa. E o governo espanhol declarava que o país era território livre do vírus. Logo em seguida, apareceram outros casos. Como eram de turistas italianos, o governo espanhol continuou na mesma tese: a coisa é estrangeira. Em 26 de fevereiro apareceu o primeiro caso local: um homem em Sevilha que não viajara para lugar nenhum. Depois, alguns casos em Valencia, também locais.

Ou seja, o vírus estava circulando pelo país. A situação ainda não era tão grave quanto na Itália, mas qualquer epidemiologista saberia: o contágio se manifestava, exigia resposta rápida. Em 8 de março, o norte da Itália, tomado pela epidemia, foi fechado. Milão, considerado um dos lugares de excelência nos serviços de saúde, entrou em confinamento.
Pois no mesmo dia 8, uma multidão de 120 mil pessoas fazia manifestação em Madrid, pelo Dia Internacional da Mulher, liderada por partidos do governo. Pouco depois estavam doentes três ministros, a mãe e a mulher de Sanchez. Em 14 de março, o isolamento.
Tarde, muito tarde, como indicam os números.

Já na Coreia do Sul, o governo do presidente Moon Jae-In, de centro-esquerda, começou a tomar providências em fevereiro, fechando escolas, por exemplo. Nesse mês, a Coreia tinha mais casos que a Itália. Ontem à tarde, pelos dados da Universidade John Hopkins, a Itália somava 139.422 casos, com 17.669 mortes, letalidade de 12,6%. Na Coreia, 10.384 casos, com 200 vítimas fatais, letalidade inferior a 2%. Nos EUA, a letalidade é de 4%. O governo coreano adotou rapidamente a regra da Organização Mundial de Saúde: testar, testar, testar. E não apenas os doentes ou sintomáticos, como se faz em quase todo o mundo. Por amostras randômicas, foi como se tivessem testado toda a população (como nas pesquisas eleitorais, por exemplo).

Com isso, conseguiam identificar rapidamente onde estavam os focos, logo isolados. A regra é testar e rastrear. Encontrado um infectado, trata-se de seguir as pessoas que estiveram em contato com o doente – pela localização geográfica de celulares, por exemplo, com aplicativos do governo. E colocar todos em quarentena. Para isso, claro, foi preciso dotar o sistema de saúde de testes suficientes, assim como reembolsar as instituições privadas pelos testes feitos.Com isso, verificou-se que, dos infectados, 30% estavam na faixa de 20 a 30 anos. Com praticamente nenhuma morte. Ou seja, nos países que só testam os que têm sintomas, tem muito mais pessoas espalhando o vírus.

Daí a necessidade de isolamento para os países que não têm os testes e os equipamentos em número suficiente. Mas é preciso aproveitar o tempo de isolamento, que atrasa a circulação de vírus, para investir pesadamente naqueles instrumentos de prevenção e tratamento. Finalmente, uma palavra sobre a cloroquina. Mesmo que se venha a provar sua eficiência, isso não elimina a necessidade de isolamento neste momento. Porque se todo mundo sair por aí, numa boa, confiando no remédio, vão faltar leitos e …cloroquina.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista 



Coluna publicada em O Globo - Economia 9 de abril de 2020


quinta-feira, 2 de maio de 2019

O povo não é bobo

O povo não é bobo

Então, ficamos assim: a liberdade de imprensa é absoluta. Não pode, pois, haver qualquer tipo de censura
 
Coluna publicada em O Globo - Economia 2 de maio de 2019
 
Em 1896, o New York Times lançou uma campanha de marketing com o slogan que se tornaria a marca do jornal e, de certo modo, um objetivo perseguido por jornalistas mundo afora: “All the news that`s fit to print”.  A tradução não é simples, mas o espírito, sim. Estampado na primeira página, queria dizer que o leitor ali encontraria “toda notícia pronta para ser impressa”.  Trata-se de uma definição de jornalismo profissional. Uma notícia não é uma informação qualquer, mas uma informação apurada e editada com métodos e regras claras para o público.

Ainda assim, parece pretensioso. Seria o caso de perguntar aos jornalistas do Times: vocês têm certeza de que a notícia está pronta? Que fizeram toda investigação e checagem necessárias?  Lembremos que se tratava de um veículo de enorme prestígio. Até pouco tempo, antes dessa explosão da mídia eletrônica, dizia-se que uma notícia só era verdadeira depois que saísse no velho e bom Times.  O jornal, diga-se, saiu-se muito bem na era eletrônica. No final do ano passado, chegou a 3,3 milhões de assinantes digitais, contra apenas 1 milhão no papel. O jornal on line há muito tempo não é apenas a versão digital do impresso. É mais amplo, traz mais informação diversificada, mais ilustrações e atualizações.

O slogan centenário não aparece com tanta frequência, mas outro dia topei com um que dobra a aposta: “NY Times, a verdade tem uma voz”.  E por que estamos falando disso? Porque aqui no Brasil e em toda parte, muita gente sustenta que a liberdade de imprensa deve ter uma espécie de contrapartida dos veículos: que publiquem apenas a verdade e que sejam de boa qualidade.  É o que garante o Times, a seu respeito, mas, no geral, há um baita problema aí. Quem vai definir onde está a verdade? E quem vai avaliar a qualidade? Pode existir aqui uma ameaça: governos vão querer controlar a imprensa sob o argumento de garantir que seja verdadeira e boa.

Outro dia, o presidente Bolsonaro falou disso: “precisamos de vocês (jornalistas)… que estejam perfeitamente irmanados com a verdade”.
Perfeitamente – não pede pouco.
Não faz muito, os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes justificaram a censura à revista Crusoé dizendo que a publicação veiculava inverdades.  Ora, inverdades na opinião deles que, aliás, depois se demonstrou inteiramente equivocada. Em setembro de 2011, um congresso do PT recomendou o controle social da mídia, assim justificado: “Não se trata de censura à imprensa, mas de garantir uma imprensa de boa qualidade e empresas de comunicação sólidas e eficientes”. Ou seja, haveria um comitê responsável pela verdade e pela qualidade.
Ou seja, censura, sim.

E então, como ficamos?
Nos Princípios Editoriais do Grupo Globo, encontra-se uma boa saída. Em vez de uma infindável discussão sobre, no fundo, quem seria o dono da verdade ou o juiz da qualidade, o texto propõe: “Jornalismo é o conjunto de atividades que, seguindo certas regras e princípios, produz um primeiro conhecimento sobre fatos e pessoas… é aquela atividade que permite um primeiro conhecimento de todos esses fenômenos, os complexos e os simples, com um grau aceitável de fidedignidade e correção, levando-se em conta o momento e as circunstâncias em que ocorrem. É, portanto, uma forma de apreensão da realidade… é o mesmo que dizer que busca a verdade dos fatos, mas traduz com mais humildade o caráter da atividade. E evita confusões”.
Então, ficamos assim: a liberdade de imprensa é absoluta. Não pode, pois, haver qualquer tipo de censura. A imprensa tem que ser de boa qualidade, profissional, mas essa não pode ser controlada por governos.

Resumindo, a lei deve garantir que a imprensa seja livre. A qualidade depende da sociedade, do público. Ofendidos podem recorrer aos tribunais, na forma da lei.
Jornalismo independente deve ter autonomia financeira, viver de assinaturas e venda de publicidade, não de verbas públicas, nem de igrejas ou partidos.  Jornalismo independente não tem programa, tem princípios, pelas liberdades individuais, pela democracia.
O povo não é bobo, sabe onde está a notícia – não inteiramente pronta, mas quase pronta, todos os dias, em cima dos fatos.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista 

 

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

China e Brasil contra o marxismo

Há minorias por aqui, à direita e à esquerda, que gostariam de uma ditadura 

[chamar de ditadura uma opção - quase que obrigatória, por ser a única capaz de funcionar - é um acerto exagero.

Vamos chamar de Governo forte. É amplo e notório que o atual 'estado de coisas' no Brasil exige a adoção de medidas enérgicas e todas de caráter urgente.

Inegável que adotar tais medidas com um Congresso que perde tempo com picuinhas - que, se não for coibido,  pretende entregar o controle da pauta de votações a um Renan Calheiros (aliado do PT, portanto, adepto da teoria do partido perda total = quanto pior, melhor) e com um Poder Judiciário que além de intervir demais na competência dos outros, por várias vezes não tem certeza do que está determinando = INSEGURANÇA JURÍDICA. - é algo impossível.

Só um GOVERNO FORTE poderá implementar medidas que levarão ao Brasil a posição privilegiada entre as nações.]

 
Coluna publicada em O Globo - Economia 17 de janeiro de 2019
 
O que existe de comum entre o governo de Xi Jinping e o de Bolsonaro? O temor e o combate ao marxismo.
Não é brincadeira. Ou melhor, é, mas tem conteúdo.
Comecemos pela China. No ano passado, o Partido Comunista comemorou com grande cerimônia os 200 anos de nascimento de Marx. O ensino do marxismo foi exaltado e reforçado nas escolas.
Também foi exaltado o fantástico crescimento econômico da China, isso vinculado à prática do que chamam por lá de socialismo com características chinesas.  O crescimento é incontestável. Alguns números: em 1978, o PIB chinês era de US$ 150 bilhões; hoje, US$ 12,3 trilhões!
Nesse período, nada menos que 740 milhões de chineses ultrapassaram a linha da pobreza.

E não há nada acontecendo por lá que lembre os sinais da derrocada da União Soviética e dos satélites na Europa. Mas há protestos de sociedades estudantis, grupos que se formam nas universidades. No ano passado, eram mais de 50 grupos, um deles com mais de 5 mil membros, conforme reportagem do NY TimesSão esses jovens que se consideram “marxistas radicais”. Eles acham que o atual regime chinês é coisa de “reformistas radicais”.  Tudo verdade.

A maior parte da China funciona como economia de mercado, com propriedade privada e tal, mas forte controle do Estado e ditadura do PC. Não é bem oficial, mas muitos ideólogos locais chamam isso de “socialismo de mercado”.  Mercado, pode ser, socialismo, jamais – é o que proclamam as sociedades estudantis. Protestam e agem. No ano passado, no melhor estilo leninista, um grupo tentou organizar sindicatos de trabalhadores em fábricas de Huizhou. Os operários não toparam e, mesmo assim, o governo local prendeu os subversivos e suspendeu suas contas de Internet.

A crítica que fazem ao regime é a mesma que se ouve aqui no Ocidente. Ou seja, o capitalismo produz riqueza e desenvolvimento, mas também desigualdade e concentração de renda. Eis os dados da World Wealth and Income Database, citados pelo NYT: em 1995, o 1% mais rico detinha 15% da renda nacional chinesa. Vinte anos depois, esses mais ricos levavam 30% da renda.
O que fazer?
Uma revolução marxista, respondem os estudantes.
Isso surpreendeu o governo que, até aqui, havia lidado com protestos bem diferentes.
Há 20 anos, tropas do presidente Hu Jintao literalmente massacraram os manifestantes que pediam democracia e liberdade na praça chamada de Paz Celestial. Pediam uma espécie de complemento político da economia de mercado, que seria a democracia à ocidental.

Mais recentemente, o governo se acostumou a lidar com outros tipos de manifestações, não políticas, mas ligadas ao dia-a-dia. São protestos, por exemplo, contra a poluição, problemas no transporte urbano, falta de casas etc. – até tolerados.
Agora, comunistas subversivos no país dominado pelo Partido Comunista e que tem o marxismo inscrito na Constituição? [aqui está um fato incontestável: comunismo não presta mesmo - a única coisa aproveitável nele e se souber aproveitar, e a China sabe, é a a característica dura de controle e comando e que permitem a adoção de medidas duras, muitas delas contra o próprio comunismo.]
 
Pensando bem, entretanto, está tudo nos conformes. Se tem um capitalismo avançado no país, é normal que surjam protestos contra a distribuição de renda, contra o aparecimento de cada vez mais milionários e bilionários. Por outro lado, sendo uma ditadura, também é de se esperar que de algum modo surjam movimentos por mais liberdade e cidadania.

Já no Brasil, não tem ditadura. Temos uma democracia, com um regime político cheio de vícios, é verdade, mas com eleições regulares e legítimas. Por outro lado, há minorias por aqui, à direita e à esquerda, que gostariam de uma ditadura, a sua ditadura. No governo Bolsonaro e no seu entorno, tem pessoas achando que está em curso uma tentativa de subversão comunista. [em curso? está tudo preparado um vacilo e os comunistas bagunçarão o Brasil, acabando de vez com o pouco que o PT não conseguiu roubar;
Gleisi Hoffmann e a cúpula do perda total mais o lulopetismo aguardam só um descuido para implantar a política do quando pior, melhor;
felizmente, serão coibidos a tempo e vão ter o mesmo resultado que esperavam  com a prisão de Lula - ruas cheias de militontos protestando. FRACASSARAM.]
 
 Na oposição, tem gente achando que o grupo Bolsonaro trama para trazer de volta o regime militar.  Não vai acontecer nem uma coisa, nem outra, assim como é nula a chance de os jovens chineses conseguirem uma revolução marxista. Mas o bate-boca no Brasil – que se manifesta em diversos assuntos – acaba deixando de lado nossa questão principal: como recuperar a capacidade de crescimento, no capitalismo e com democracia mais eficaz.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista