Faltou
apenas o chargista. O plenário do STF, se desenhada sua decisão, mandou o
deputado Daniel Silveira para a cadeia de modo cesáreo, virando os
polegares para baixo. Ninguém esperava, é claro, que o voto do relator
pela manutenção da prisão fosse de gravar no mármore das mais nobres
cortes. Mas tampouco se esperava o que veio: um amontoado de motivos por
falta de razões de Direito.
Não aprovo os modos do parlamentar a quem jamais vi. Congressista
boquirroto, contudo, não deixa de ser congressista.
Deputado malcriado,
desaforado, preserva suas prerrogativas.
Ministros do STF, boquirrotos e
desaforados, não deixam de ser ministros.
O caminho natural dos
excessos de parlamentares é a Comissão de Ética; dos ministros, é o
Senado Federal.
Para uma Corte tão liberal em soltar presos condenados
por crimes reais contra a nação, a prisão do referido parlamentar soa
como vendeta.
Embora
tendo tido o privilégio de desfrutar, nos últimos anos de sua vida, da
amizade e consideração do ex-ministro Jarbas Passarinho, discordo de meu
saudoso amigo em relação ao AI-5. Talvez tenha, eu, uma visão parecida
com a do deputado em relação a 1964. Mas em que sentido estes temas
podem entrar numa decisão sobre prisão preventiva, exceto para revelar
preconceitos ideológicos do juiz de acusação (existe essa figura no
Direito brasileiro?). [respondendo com o óbvio: no Direito brasileiro, existe;
o inquérito das fake news, mais conhecido como inquérito do fim do mundo, é um exemplo incontestável: O Poder Judiciário atua sem ser provocado, instaura inquérito, investiga, solicita e decreta prisão, acusa, julga em primeira instância e condena, confirma em última instância a condenação o veredito que proferiu na segunda. O adjetivo cesáreo foi uma escolha completa e perfeita do articulista.] Como justificar que até mesmo a perspectiva desde a
qual o deputado vê fatos da nossa história tenham entrado no voto do
ministro relator? Parece que quem expressa tal visão do AI-5 e dos
acontecimentos de 1964 não pode, mesmo, andar solto no país comandado
pelo STF. Quero dizer: no país do STF formado ao tempo da hegemonia
esquerdista. Se
um professor pode criar narrativas históricas por interesses políticos e
ideológicos em nome do direito de opinião e das prerrogativas da
cátedra, muito maiores e mais legítimas são as prerrogativas
constitucionais dos membros do Congresso Nacional.
O
ex-deputado Roberto Jefferson, mensaleiro no primeiro mandato de Lula,
levou apenas três minutos para demolir a tese da suposta “prisão em
flagrante”, por mandado, no recinto do lar, em horário noturno, tendo o
vídeo postado no YouTube como elemento sempre atual do crime praticado.
Deputado só pode ser preso em flagrante por crime inafiançável. A tese
então, unanimemente acolhida pela Corte, como bem apontou Roberto
Jefferson, foi a do “flagrante perenemente possível” para autor de
qualquer texto, fala ou imagem que, sendo objeto de publicação, exiba
conteúdo considerado criminoso.
A
decisão unânime de ontem tem a mesma elasticidade daquela, anterior, que
transformou o território nacional em “sede ou dependência do STF” para
justificar a criação do chamado Inquérito do Fim do Mundo. Conforme foi
então decidido, crimes contra ministros, embora cometidos desde o leito
do rio Purus, de dentro d’água, numa canoa, são entendidos como
ocorrências na sede ou dependências do Tribunal. Aplicam-se, então, a
tais crimes, os procedimentos que o sentir do mundo jurídico brasileiro
repele. Assim, de elasticidade em elasticidade, de jeitinho em jeitinho, de
engenhoca em engenhoca, os críticos dos regimes de exceção vão criando
seu próprio regime de exceção. [é a prática reiterada da expedição de decisões absurdas, fora da curva do campo jurídico, que nos leva a advertir com frequência nossos dois leitores do risco que corremos.
O Supremo Tribunal Federal, por qualquer um dos seus ministros, entende que pode adotar tal medida, adota e em reunião de minutos - em modo Cesário, obrigado Puggina - o plenário confirma.
Muitas vezes usa como supedâneo à decisão colegiada que referenda a monocrática, decisão proferida por instância inferior - investigação aberta pela Segunda Turma da corte para apurar o uso de
algemas na transferência do ex-governador do RJ Sérgio Cabral.
Como corrigir eventual prática decorrente de lapso da Suprema Corte?
O
que complica é que no Brasil quem julga o que está certo - até seus
próprios atos - é o Supremo. O Supremo Tribunal Federal é necessário
para ser a instância máxima de todo o Poder Judiciário - exceto quando o
ato questionado é um praticado pelo STF.
O Supremo Tribunal Federal da República Federativa do Brasil - STF, julga seus próprios atos.
A Constituição Federal tem o remédio para evitar tal supremacia suprema.
Também em épocas passadas, quando a coisa encrencava se socorriam do Papa.
Só
que o Supremo é o menos interessado em corrigir, ou facilitar a
correção, desse absurdo. A melhor prova disso é que o ministro Fux, às
vésperas de ser empossado presidente, questionado sobre o artigo 142 da
Constituição Federal, apresentou uma interpretação - oficiosa, é claro -
favorecendo a manutenção do atual estado de coisas e nada mais se falou. Com tal situação o receio é que cada decisão fora da curva jurídica, arbitrária, estimule que uma, mais ofensiva à democracia, ao estado democrático de direito' (condições sempre decantadas quando servem de base para decisões punindo o inimigo) e surja a pergunta: a quem recorrer do decidido pelo supremo arbítrio?
Se até erros do tipo “prisão em
flagrante”, por mandado, o plenário do STF corrobora.]
Percival Puggina (76), membro da
Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto,
empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais
(Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de
Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e
Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE.
Integrante do grupo Pensar+.
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