A sociedade, por outro lado, tem direito natural às próprias percepções. Só alguém cuja vida política se conduz às apalpadelas, ou submetida exclusivamente aos próprios interesses, não percebe que há uma carência de funcionalidade em nossas instituições, em nossos poderes de Estado. A insensibilidade quanto a isso, a ignorância dessa realidade por parte das elites dirigentes do país dói. Dói em quem não deveria. Dói nos cidadãos pagadores de todas as contas. Dói mais, sempre, nos mais carentes. Dói em quem arduamente produz e escassamente consome. Dói nas perdas causadas pela instabilidade institucional que marca todos os períodos democráticos de nossa história republicana.
Se algo assim não berra aos ouvidos e não fulge aos olhos de um ou de vários ministros do STF, a ponto de dizerem que o clamor decorrente age contra a democracia, então fica evidente que quem o diz se perdeu no bê-á-bá dos problemas nacionais. E das dificuldades alheias. No conhecimento e no convívio de suas excelências, os seres humanos mais parecidos com povo são os serviçais de suas residências.
Em palestra realizada hoje, neste dia 22 de fevereiro em que escrevo, o ministro Alexandre de Moraes afirmou: “Se é verdade que o Brasil vive o mais longo período de estabilidade democrática de toda a República, a partir da Constituição de 1988, também não é menos verdade que com essas milícias digitais estamos sofrendo o mais pesado, o mais forte, o mais vil ataque às instituições e ao Estado democrático de direito”. Se para o ministro “estabilidade democrática” consiste em haver eleição na periodicidade certa e na sequência prevista, então Cuba é uma referência democrática há 62 anos.
Nossas instituições – exatamente elas, em seu desalinho e concepção irracional – proporcionam uma incessante instabilidade política que se reflete em tudo mais! Saímos de uma crise para outra, de um escândalo para outro. Crises e escândalos, todos, vão ficando para trás. Aquelas, as crises, sem solução porque as causas persistem; estes, os escândalos, escorados na mais reverente impunidade. Nossa bolsa de valores está sempre à beira de um ataque de nervos, à espera de um mal súbito, ambulâncias à porta. O mundo não vê o Brasil como um país de boa governança e estabilidade política e jurídica.
A desditosa combinação de um STF herdado de tempos enfermos e um Congresso Nacional de reduzido padrão moral proporciona partidos políticos em excesso e eleições custosas ao contribuinte. Mandatos são obtidos com verbas públicas de distribuição obscura (para dizer o mínimo), em eleições não auditáveis. Um grupo político hegemônico como o antigo PRI mexicano se instituiu e opera na base de todos os governos há 32 anos e há quem veja azul a grama dessas realidades. Definitivamente, os problemas que perturbam a nação não são os mesmos que afetam a sensibilidade dos ministros do STF. Suas desavenças com alguns jornalistas militantes e as ditas “fake news” são infinitamente menos importantes que as fake analysis cotidianas da grande mídia militante e a ação política exercida por membros do Supremo.
Ninguém está tão longe da solução quanto quem sequer percebe que a democracia em nosso país tem problemas institucionais infinitamente maiores que os que possam ser causados por meia dúzia de jornalistas nas redes sociais. Essa é a mais escancarada manobra diversionista da história do Brasil.
Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, o site de Puggina.org
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
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