Imprensa sofre bloqueio psicológico e se alia a Renan Calheiros
A mídia passou da oposição a Bolsonaro ao ódio gramatical, como descrito no dicionário, e do ódio a um estado de permanente excitação nervosa
Tudo bem: a “CPI da Covid”, como se autonomeou a aglomeração de aproveitadores formada no bas fond do Senado Federal com a finalidade oficial de “apurar” o que houve de errado na administração da epidemia no Brasil, vai resultar, para qualquer efeito prático, no equivalente a três vezes zero. Como poderia ser diferente? Fez parte da mais legítima natureza dessa gangue política, composta por muito do que existe de pior na política nacional, agir, antes mesmo da sua primeira reunião, exatamente ao contrário do que pretendem ser tais “comissões” — pelo menos segundo o que está dito na lei. Para não tornar a conversa mais demorada do que que é preciso: pode haver uma comissão, formada por parlamentares, mas não há, nunca houve e nem vai haver inquérito nenhum.
Desde o primeiro minuto do que eles chamam de “trabalhos”, a “CPI da Covid” não fez inquérito sobre nada. Não foram investigadas quaisquer suspeitas sérias. Os inquisidores não foram capazes de demonstrar, ao longo dos interrogatórios feitos até agora, aquele mínimo de qualidade técnica que se exige da mais modesta delegacia de polícia do interior na condução de um inquérito. Não houve a procura, o processamento e o exame de fatos. Não houve, por parte dos senadores empenhados na acusação, o mais remoto sucesso, ou esforço, em comprovar alguma coisa, nem mal e mal, de tudo o que estão dizendo — até agora, a sua atividade vem se resumindo a exibir aos gritos uma suspeita e, depois, ficar repetindo os gritos que deram. Não houve, em suma, o menor talento em nada do que se fez. Sobrou apenas uma pasta de latidos sem coerência, sem direção e sem objeto determinado — uma operação amadora, incompetente e mal-intencionada.
Não é mais política, nem é raciocínio. É um tipo de ideia fixa
Os dois são hoje contra o governo — é tudo o que se precisa, no Brasil de 2021, para o sujeito virar herói da mídia. Não houve, desde o começo da história, a mínima menção — não se diga crítica, mas apenas uma menção de caráter informativo, só isso — sobre os processos de corrupção que se amontoam sobre o senador Renan há dez anos, tantos que nem os seus advogados saberiam dizer ao certo quantos são. Nem um pio, também, sobre o homem do Amazonas. Ele e Renan não são contra Bolsonaro? Então: os jornalistas ligam o piloto automático que determina hoje tudo o que escrevem ou falam, e eis aí os dois transformados em estadistas das primeiras páginas e do horário nobre, investigadores destemidos que fazem CPI, ameaçam um ex-ministro de prisão, como se fossem o guarda da esquina, e insultam abertamente um outro que é general do Exército brasileiro. A imprensa reproduz isso tudo como se Renan Calheiros e o outro fossem os políticos mais sérios do mundo.
Na verdade, há um fato que está muito claro em tudo isso. A mídia passou da oposição a Jair Bolsonaro ao ódio gramatical, como descrito no dicionário, e do ódio a um estado de permanente excitação nervosa. Quando aparece uma “CPI” como essa, um número surpreendente de jornalistas coloca para fora, à vista de todos, o que parece ser uma coleção obscura de anseios — o de agente de polícia, em primeiro lugar. Aparentemente, os circuitos mentais da maioria das pessoas que trabalham na imprensa, mesmo as que não tratam de política, não estão funcionando mais de maneira normal.
Assim que os nomes “Jair” e “Bolsonaro” são transmitidos aos seus cérebros, o raciocínio lógico trava no ato — e, aí, pessoas que são perfeitamente capazes de pensar com coerência, trocar ideias de maneira construtiva e entender que há mais de um ponto de vista sobre as coisas, entram numa espécie de bloqueio psicológico e, subitamente, só são capazes de pensar “naquilo”. Não é mais política, nem é raciocínio. É um tipo de ideia fixa. Os analistas teriam um bocado de coisas a dizer sobre isso.
J.R. Guzzo, colunista - Jovem Pan
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