A
humanidade ainda não conseguiu inventar um sistema realmente eficaz
através do qual sociedades e governos, em momentos de adversidade comum à
população, possam adotar medidas que representem “sacrifícios para
todos”. Não há nenhum problema com os sacrifícios. Eles vêm sempre. A
questão está no “todos”. Eles nunca são todos.
Sempre, invariavelmente,
os sacrifícios de verdade vão para a maioria, apenas – e justo a maioria
mais pobre, mais vulnerável, menos instruída, menos assistida pela
tecnologia.
É a multidão, imensamente maior que as classes
intelectuais, artísticas e financeiramente bem resolvidas, que mora
longe, trabalha pesado e chacoalha todos os dias na trinca
ônibus-metrô-trem de subúrbio. É esse mundo de gente, mais uma vez, que
está de fato sofrendo com o pretenso “problema para todos” – no caso, a
calamidade social de primeiríssima classe criada com a covid e com as
providências que foram adotadas pelo poder público para gerir a
epidemia. Não é “problema para todos”. É problema para eles.
Tome-se, para ficar só num dos grandes desastres da covid, e talvez o maior de todos: o desemprego.
Já são mais de 14 milhões de brasileiros que estão tendo suas vidas
destruídas pela eliminação da produção e do trabalho nas atividades que
exerciam – seja com carteira assinada, seja por conta própria, seja no
oceano de empreendimentos que foram e estão indo para o diabo porque o
governador, o prefeito e os seus médicos querem fechar tudo. Enquanto os
“cientistas” e as autoridades locais estão dizendo “fique em casa”, e
socando fiscal e polícia em cima do povo, a sociedade se arruína – e
essa ruína cai direto em cima dos que têm menos.
Não são os funcionários públicos, os professores e os vigilantes mais radicais do “distanciamento social”
que estão perdendo o emprego ou a condição de ganhar o sustento através
do trabalho livre. Não são os executivos de empresas bem sucedidas e
bem equipadas para enfrentar o tranco gigante na economia. Não é,
obviamente, a turma do “home office”, do “trabalho
remoto”, etc. etc.
Não são, nem mesmo, os trabalhadores mais
qualificados, ou mais experientes.
Quem está sofrendo é a massa pela
qual ninguém jamais se interessa – os que ganham menos, os que tem menos
preparo profissional, os que podem ser trocados em cinco minutos por um
outro disposto a ganhar salário menor.
São os mais moços, os que sabem
fazer pouco, os que não conhecem ninguém.
São os negros – não os negros
“fashion” da publicidade da televisão, mas os da vida real.
Para
toda essa gente, a elitezinha que vive na câmera asséptica da quarentena
mental só propõe uma coisa: peçam dinheiro ao governo federal. É o
maior espetáculo de hipocrisia que a sociedade brasileira já viveu.
Os
militantes “pela vida” ficam em seus apartamentos. Mas exigem que os
porteiros, os faxineiros e os demais empregados do prédio venham
trabalhar todo o dia, no horário marcado; ou é assim, ou é o olho da
rua.
Para a minoria ficar em casa, dar entrevista e viver na sua bolha, é
preciso que milhões não fiquem em casa.
O resto é conversa de CPI.
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