Análise Política
Na teoria, o palco para o desempate [sic] será a eleição. Bolsonaro luta para manter coeso o núcleo ideológico da sua base, com as bandeiras já bem conhecidas. É seu passaporte para o segundo turno. Mas o movimento principal é buscar recursos orçamentários que turbinem programas sociais. Nem que tenha de aumentar impostos. O candidato Jair Bolsonaro era crítico de aumentar impostos e de as pessoas dependerem de governos. Mas na hora do aperto cresce a tentação de engatar o vagão das ideias na locomotiva das necessidades.
E inflação incomodando em ano eleitoral nunca é boa notícia
para quem está no poder e quer continuar. Se o esforço na área social funcionar, será a deixa para
alguma distensão na política. Se o atalho for insuficiente, é provável mais
turbulência lá na frente. Está bastante enganado quem acha que a derrota da PEC
do voto impresso/auditável encerra a disputa sobre a urna eletrônica. [apenas destacando que em momento algum foi considerada a possibilidade de extinção do voto eletrônico, nem da urna eletrônica; o que foi cogitado, e rejeitado com um ênfase incompreensível, por absurda e incabível, foi efetuar o registro do voto, mediante o recurso de acoplar uma impressora a cada urna eletrônica, permitindo o registro do voto sem quebra do sigilo e sem nenhum prejuízo ao processo eleitoral. Apenas colocar uma tranca a mais em uma porta cujo porteiro, no caso o TSE, já diz ser segura. Qual o inconveniente de mais um cadeado.]
Uma tendência da conjuntura é o azeitado rolo compressor
governista na Câmara acabar transferindo as fagulhas da crise para o Senado.
Onde a articulação palaciana é bem menos consistente, como mostra a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19. Em meio à agitação desencadeada com a mobilização pelo voto
impresso, temas como os novos programas sociais e os frequentes arreganhos do
Executivo ajudam a reduzir o impacto comunicacional da CPI, cuja
hora da verdade está chegando. Aguarda-se o relatório para ver se a comissão
tem mesmo garrafas para entregar. Ou se vai fazer barulho mas alcançar apenas
bagrinhos. Ou ex-bagrinhos. [contra o presidente nada tem, nem terão, para entregar por faltar o ato criminoso; contra os bagrões a CPI nada tem a entregar, por não haver, nunca houve, interesse em achar alguma coisa; e, contra os bagrinhos, nada tem a entregar, já que não procuraram, por medo que os bagrinhos abram a boca.]
A incógnita-chave do momento é o que poderia mudar o ânimo popular o suficiente para inverter a tendência das pesquisas. No mundo objetivo, o presidente e o governo têm os instrumentos para tomar providências financeiras que caiam no gosto da massa. No subjetivo, o Planalto ainda tateia por onde resolver a encrenca que criou para si mesmo na pandemia. Pois em épocas de grandes ameaças e riscos, as pessoas costumam preferir os resolvedores de problemas aos que têm mais vocação para criar.
Publicado na revista Veja de 18 de agosto de 2021, edição nº 2.751
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político
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