Rafael Moraes Moura
Ministros do STF fizeram jogo combinado para deixar caso Francischini na 2ª Turma
Na madrugada da última terça-feira (7), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça paralisou, com um pedido de vista, o julgamento online que decidiria o destino do deputado Fernando Francischini (União Brasil-PR), cassado pelo TSE por disseminar fake news contra as urnas eletrônicas. [o comentário do parlamentar foi proferido 22 minutos antes do encerramento das eleições 2018 - teve o condão de influir no resultado?]
O deputado José Gomes acerta com o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira,
sua filiação ao Progressistas - Redes sociais/ Divulgação
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Os ministros estavam prontos para analisar no plenário virtual um mandado de segurança contra a decisão do ministro Kassio Nunes Marques que devolvera o mandato ao deputado. A decisão havia chocado o tribunal e acirrado novamente a crise entre o presidente Jair Bolsonaro, aliado de Francischini, e a cúpula do Judiciário.
A estratégia, relatada à equipe da coluna por quatro fontes envolvidas nas discussões, foi colocada em prática depois de uma série de conversas reservadas entre os ministros ao longo da última segunda-feira (6). E embora representasse uma derrota para ele, até mesmo Nunes Marques participou das negociações.
O principal objetivo dos seis ministros envolvidos na articulação – além de Mendonça e Nunes Marques, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Luiz Fux estiveram envolvidos, em maior ou menor grau – era evitar algumas armadilhas que a controvérsia colocou no caminho da Corte.
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A primeira era que, para derrubar a decisão de Nunes Marques, o plenário acabasse desrespeitando a jurisprudência do tribunal que estabeleceu que o STF não deve admitir mandado de segurança contra a decisão individual de um ministro. “Foi uma forma de reduzir danos e evitar um precedente perigoso para o tribunal”, relatou um dos ministros que participaram do arranjo de bastidores.
Um dos receios era o de que, após o caso Francischini, fosse aberta uma brecha para que todas as decisões individuais de ministros da Corte fossem contestadas em mandados de segurança.
Com a suspensão do julgamento virtual, Mendonça abriu caminho para que a cassação fosse avaliada na Segunda Turma, respeitando o rito processual previsto para esses casos. Tensão no Judiciário: Antes de Kassio salvar bolsonaristas, outros ministros já haviam derrubado cassações do TSE
Assim, além de evitar que o plenário desrespeitasse a jurisprudência do próprio Supremo, a manobra ainda poupou Kassio Nunes de uma derrota humilhante. No plenário, tudo caminhava para que o aliado de Bolsonaro fosse derrotado por 9 votos a 1. Desde o início da polêmica, Nunes Marques queria manter a análise do tema na Segunda Turma. Na Segunda Turma, o que se discutiu foi a confirmação ou não da liminar de Nunes Marques, e não um mandado de segurança de um dos políticos prejudicados contra a decisão do ministro. Kassio perdeu, mas de 3 a 2.
Outro integrante da Corte que acompanhou a costura de perto, afirmou: “Evitamos um desgaste de todos os ministros que teriam que conhecer de um mandado de segurança contra um colega. E que no futuro poderiam ser alvos de MS também”.
Há um "entendimento consolidado" no STF no sentido de não aceitar a impetração de mandado de segurança contra ato de seus ministros, exceto nas hipóteses de teratologia, ilegalidade ou abuso flagrante, aponta o professor de direito constitucional Roberto Dias, da Fundação Getulio Vargas. [ao que entendemos um mandado de segurança contra o 'inquérito do fim do mundo', se impetrado tempestivamente, seria amparado pelas três hipóteses.] “Uma mudança casuística desse entendimento não seria o melhor caminho a seguir, pois geraria um risco desnecessário à estabilidade dos precedentes da Corte”, afirma Dias.
No julgamento do plenário virtual, que acabou interrompido, a relatora do mandado de segurança, ministra Cármen Lúcia, deu um voto em que reconhecia a “excepcionalidade” do caso, admitindo o cabimento da ação contra ato de ministro do STF. Alexandre de Moraes e Edson Fachin também depositaram seus votos nesse sentido na plataforma online. Não à toa, os três ficaram de fora das articulações que tiraram o caso do plenário.
Contudo, se escapou de uma armadilha ao deixar o caso de Francischini na Segunda Turma e não analisar o mandado de segurança do suplente, o STF não conseguiu evitar um efeito colateral do julgamento.
A cassação de Francischini foi a primeira na história do TSE de um parlamentar por difundir fake news, um precedente considerado perigoso por aliados do presidente da República. Nem mesmo Francischini apostava numa vitória no STF, mas o julgamento serviu para dar ainda mais munição ao atual ocupante do Palácio do Planalto. “Esse deputado não espalhou 'fake news' porque o que ele falou na 'live' eu também falei para todo mundo: que estava tendo fraudes nas eleições de 2018", disse o presidente.
Diante da agressividade de Bolsonaro, um integrante da Corte indagava, na noite de ontem: “E agora, vão cassar Bolsonaro também?”[agora? ou no mandato a se iniciar em 1º janeiro 2023? ou, quem sabe, no que se iniciará em 1º janeiro 2027?]
Malu Gaspar, colunista - O Globo
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