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sexta-feira, 5 de junho de 2020

O ‘terrorismo’ que convém - Editorial - O Estado de S. Paulo

Trump e Bolsonaro usam o “terrorismo” como muleta para a imaturidade democrática

[Eles ganham eleições;
Trump teve dificuldades devido o coronavírus mas começa a ser recuperar e vai ganhar em novembro/20; e,
Bolsonaro além da pandemia tem que enfrentar inimigos que tentam impedi-lo de governar, mas vai se recuperar e ganha em 2020.]
As manifestações contra o racismo decorrentes do horrível assassinato de George Floyd extravasaram as fronteiras de Minneapolis e ganharam as ruas de algumas das principais cidades dos EUA, sobretudo da capital, Washington, e da Europa. A despeito da emergência sanitária, milhares de jovens têm se reunido todos os dias para clamar por justiça na punição do assassino, o policial Derek Chauvin, e pelo fim da rotineira violência policial praticada contra os negros, que sofrem tão somente pela cor da pele. Nos corações e mentes desses jovens, é como se a letalidade potencial do novo coronavírus fosse menos ameaçadora que o velho racismo estrutural que há muito tempo macula a história do país que arquitetou os pilares da democracia moderna. “Ninguém aqui esquece o receio de contrair a covid-19”, disse um dos manifestantes, “mas certas coisas precisam mudar.”
 [Imagem Inserida por Blog Prontidão Total - Transcrito do Alerta Total]
Em questão de dias, manifestações que estavam restritas aos EUA irromperam em cidades da Holanda, da França e do Reino Unido, principalmente, e lá despertaram tensões locais adormecidas, muitas delas decorrentes de processos de colonização que resultaram numa massa de cidadãos alijados da distribuição dos ganhos advindos do desenvolvimento econômico e social nesses países. Em Paris, por exemplo, os manifestantes foram às ruas cobrar explicações sobre a morte de um jovem negro e pobre ocorrida há mais de quatro anos dentro de uma delegacia de polícia. Em Londres, milhares de pessoas ocuparam o Hyde Park e vocalizaram a dor e a revolta por casos que quase sempre têm o mesmo desfecho que o de George Floyd no Reino Unido. Em Berlim, manifestantes pintaram o retrato de Floyd num pedaço remanescente do Muro. O Brasil não ficou à margem desse movimento por um mundo mais justo. Há poucos dias, também houve uma manifestação contra o racismo em Curitiba. Embora não fosse a tônica da manifestação havida na Avenida Paulista, em São Paulo, no fim de semana passado, também houve lá protestos contra a violência racial, que foram desfigurados por radicais.

É fundamental registrar que a maioria dessas manifestações ocorre de forma absolutamente tranquila, em que pesem registros de choques episódicos entre a polícia e os manifestantes nos EUA, na França, no Reino Unido e no Brasil. Ao analisar as manifestações, Karen Donfried, presidente do The German Marshall Fund of the United States (GMF), fundo de cooperação transatlântica inspirado no Plano Marshall, classificou o racismo como uma segunda “pandemia” que o mundo civilizado precisa urgentemente enfrentar. Em nenhum momento de sua reflexão, Donfried classificou os atos de protesto como “terrorismo”, o que só mostra quão absurdos são os presidentes Donald Trump e seu ventríloquo brasileiro, o presidente Jair Bolsonaro, as únicas lideranças políticas a ameaçar usar força militar contra as manifestações de rua por sua suposta natureza “terrorista”. Não se pode dizer que o GMF, corolário da ação americana pela consolidação da democracia liberal na Europa Ocidental, seja “comunista” ou “esquerdista”.

[para tristeza de muitos Donald Trump e Jair Bolsonaro serão reeleitos;
Trump começa a volta ao surf na recuperação econômica dos Estados Unidos e Bolsonaro, demorará um pouco - seus inimigos são teimosos e o gênio explosivo do presidente retarda um pouco para que sejam derrotados - mas as eleições no Brasil serão em 2022.]

Não por acaso, Donald Trump e Jair Bolsonaro são os únicos presidentes que classificam os manifestantes como “terroristas” porque a nenhum dos dois interessa o crescimento dessas manifestações, que não só podem, como irão, mais cedo ou mais tarde, revelar críticas às suas administrações. No Brasil, aliás, isto já está ocorrendo. Aqui, o racismo ainda é uma pauta lateral nos protestos, direcionados em grande medida contra os diuturnos ataques de Bolsonaro contra a democracia e as instituições republicanas. Se povoadas por “terroristas”, portanto, justificar-se-ia, na visão da cúpula bolsonarista, o emprego das Forças Armadas para coibir tais manifestações, o que é um completo absurdo. Eventuais crimes praticados nestes atos são de competência das polícias estaduais, não das Forças Armadas.

No fundo, tanto nos EUA como no Brasil, o que se observa é um flagrante desprezo de seus presidentes pelo escrutínio público e institucional, incapazes que são de liderar e fazer política no ambiente democrático, ou seja, sujeitos às limitações do sistema de freios e contrapesos. 

Editorial - O Estado de S. Paulo





quarta-feira, 8 de abril de 2020

Hamburgo, 1892 - No século 19, negacionismo dos notáveis de Hamburgo durou pouco, até elite ser vítima da doença - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo

O andar de cima sabia mais, e assim a cólera matou 10.000 pessoas na última epidemia do bacilo na Europa


No século 19, negacionismo dos notáveis de Hamburgo durou pouco, até elite ser vítima da doença     

Há os conservadores e há os atrasados, mas os comerciantes e banqueiros de Hamburgo achavam que eram conservadores iluminados, mas eram também atrasados. Em agosto de 1892, a cidade era administrada pela plutocracia local. Tinha o maior porto da Alemanha e macaqueava os ingleses. Morreu gente nos bairros pobres, mas não podia ser cólera, pois essa peste já teria sido controlada na Europa. 

A cidade tinha lindos prédios, mas não havia começado a obra para tratar sua água. Em 1871 seus notáveis haviam recusado a obrigatoriedade da vacina contra a varíola, porque ofenderia o direito das pessoas. (33 anos depois, Rui Barbosa usou o mesmo argumento, estimulando a rebelião de alguns militares e a maior revolta popular do Rio de Janeiro.) Tudo em nome dos princípios do liberalismo político e econômico que administrava a cidade.

Os plutocratas de Hamburgo acreditavam que a cólera disseminava-se por miasmas do ambiente, mais perigosos nos bairros de gente pobre e suja. Nove anos antes, o médico Robert Koch havia demonstrado que a cólera era transmitida por um bacilo e circulava com a água. Como eles acreditavam nos vapores, recusaram-se até a endossar a obrigatoriedade de fervê-la. (Em 1904, quando Oswaldo Cruz fumegava as casas do Rio para matar o mosquito da febre amarela, vários médicos ilustres insistiam na teoria do miasma.)

Até o verão de 1892 os plutocratas de Hamburgo entendiam que tudo dependia da higiene individual. O negacionismo dos notáveis durou pouco, até que começou a morrer gente no andar de cima. A imprensa havia evitado o assunto e a imediata instituição de uma quarentena foi descartada, pois prejudicaria os negócios. Quando as ruas estavam tomadas por cadáveres, o governo de Berlim mandou Robert Koch a Hamburgo e ele contou: “Senhores, eu esqueci que estava na Europa”. Oito anos antes, Nápoles, velha cidade insalubre com seu porto, havia derrubado a cólera com uma quarentena.

Uma médica americana que estava em Hamburgo escreveria: “Treze epidemias leves não haviam conseguido mostrar aos governantes da cidade que deveriam botar a casa em ordem.” A história dessa epidemia, com dez mil mortos, foi contada pelo historiador inglês Richard Evans (“Death in Hamburg: Society and Politics in the Cholera Years, 1830–1910.” De 1988, infelizmente só existe em papel.)

Sir Richard evitou atribuir o desastre a um mero interesse econômico. Ele foi mais fundo, mostrando que as opiniões dos médicos não são autônomas, mas têm raízes e funções sociais. Os donos das teorias do miasma eram médicos, como o doutor Osmar Terra. Aos 72 anos, numa entrevista ao repórter Isaac Chotiner, Evans rebarbou a teoria segundo a qual ditaduras e democracias lidam com epidemias de maneiras diferentes.

“[Epidemias] exigem grandes intervenções dos governos. Seja qual for a sua forma, seja qual for o tipo do Estado ou o partido que está no poder. De certa maneira, é a epidemia quem dá as cartas.”  Hoje, na praça em frente à Bolsa e à prefeitura de Hamburgo, um monumento lembra os mortos da epidemia de cólera. Ele foi esculpido em 1896. Oito anos depois, no Brasil, ainda se falava em miasma. O presidente Rodrigues Alves e o médico Oswaldo Cruz tiveram que enfrentar uma revolta contra a vacina obrigatória. Grande presidente, esse Rodrigues Alves.

Folha de S. Paulo - O Globo - Elio Gaspari, jornalista


domingo, 15 de março de 2020

SOBRE ÉTICA LULA LEU ARISTÓTELES EM GREGO, DE CABEÇA PARA BAIXO - Percival Puggina

É chocante para a população de um país que convive com tantas dificuldades postas interna e externamente à ascensão social e econômica de seus cidadãos, ver tantos gastos com prerrogativas e privilégios concedidos a uma parcela de sua elite política. Raros serão os usufrutuários que tenham, de algum modo, contribuído para agregar à renda nacional o valor necessário para sustentá-los em jatinhos, helicópteros, voos em primeira classe e luxuosas hospedagens. Em outras palavras: só podem dispor disso se por nossa conta.

Em 22 de julho de 2005, discursando a petroleiros (1), o ex-presidente Lula disse: "Neste país de 180 milhões de brasileiros, pode ter igual, mas não tem nem mulher nem homem que tenha coragem de me dar lição de ética, de moral e de honestidade". Esse depoimento do ex-presidente me voltou à cabeça quando fiquei sabendo de sua nova agenda europeia na qual receberia homenagem em Paris e iria à Suíça para reunião com o Conselho Mundial de Igrejas e dali a Berlim para um ato em favor da democracia. Sempre à nossa custa, claro, falando bem de si mesmo e mentindo sobre o Brasil e sobre sua situação perante a justiça brasileira. Acompanhado de quatro assessores, também pagos por nós.

Não sei se existe algum brasileiro disposto a topar o desafio e discutir ética com Lula. Afinal, o ex-presidente, a despeito de todos os processos que contra ele rolam no judiciário nacional, já deixou bem claro em ocasiões anteriores a frouxidão de seus conceitos sobre ética. Divagando sobre eles, Lula se imagina cravando picaretas, cunhas e cordas nas escarpas da vida até o cume da moralidade nacional... É possível que o leitor destas linhas não conheça, ou não lembre mais dos conceitos do ex-presidente sobre si mesmo a esse respeito. Parece que o líder petista leu Ética a Nicômaco, de Aristóteles, em grego e de cabeça para baixo:
“Sou filho de pai e mãe analfabetos, minha mãe não era capaz de fazer o "o" com um copo. E o único legado que deixaram, não apenas para mim, mas para a família, era que andar de cabeça erguida é a coisa mais importante que pode acontecer com um homem e uma mulher. Conquistei o direito de andar de cabeça erguida nesse país e não vai ser a elite brasileira que vai ‘fazer eu’ baixar minha cabeça".

Pronto! Eis aí, entre erros gramaticais, o certificado de garantia da própria idoneidade que nos fornece o esclarecido ex-chefe de Estado. A mãe não sabia fazer o "o" com um copo e, junto com o marido, o ensinou a andar de cabeça erguida.
É altamente improvável que os leitores destas linhas tenham recebido tais lições de seus pais. Analfabetos ou não, em português correto ou não, possivelmente lhes terão passado preceitos assim: 
a) deves buscar o bem e evitar o mal; 
b) não faz aos outros o que não gostarias que te fosse feito; 
c) exerce tua liberdade com responsabilidade; 
d) não justifica teus erros com os erros alheios; 
 e) diz sempre a verdade; f) evita as más companhias. Correto?
Se você, leitor, checar essa lista, enquadrará o ex-presidente como infrator de todos esses princípios. Mas isso não o impede de jactar-se mundo afora. Realmente não dá para discutir ética com esse homem imaculado, que já se proclamou sem pecados, santificado por um fio de prumo. Talvez seja por essa empinação toda, de tanto olhar para cima, que seu governo, levando o país junto, se tenha estatelado no chão da moralidade.

* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Dresden, 75 anos: o holocausto alemão de que não é bom falar - Munidialista - VEJA



Por Vilma Gryzinski

O bombardeio incendiário da cidade foi feito pelo “lado do bem” durante a II Guerra, mas as questões morais continuam as mesmas: vale tudo na guerra?

 
Bombardeio de Dresden, em 1945
Bombardeio de Dresden, em 1945 Ullstein Bild/Getty Images [bombardeio com bombas incendiárias e explosivos efetuado pelas forças aliadas - Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia e outros- contra a população civil.]

No dia 14 de fevereiro de 1945,  já havia uns 30 mil alemães incinerados vivos em Dresden. Ou 50 mil? Até hoje não se sabe o número certo. Outros tantos ainda iam morrer no dia seguinte. De 13 a 15 daquele mês, a cidade histórica seria literalmente derrubada pelas bombas e os incêndios subsequentes. Foram 2.400 toneladas de explosivos e 1.200 de bombas incendiárias. A perversidade monstruosa,inclusive a libertação dos campos de extermínio, da barbárie nazista, com a intransponível contradição de ter sido cometida por uma país altissimamente civilizado e culto, as feridas são inevitavelmente reabertas.  Mais difícil e moralmente complicado é tratar do que talvez tenha sido a mais brutal ação das forças aliadas cometida na Europa. Dresden é uma chaga na consciência dos que não aceitam respostas fáceis.
E como é fácil encontrar argumentos, se não fáceis, dignos de consideração: o inimigo era o nazismo, a Alemanha tinha iniciado a hedionda “guerra total”, sem diferenciar entre combatentes e civis. 

Stálin exigia os bombardeios, já que o desembarque aliado pela França ainda estava apenas nos planos, para “amaciar” os alemães diante do inexorável avanço do Exército Vermelho, que culminaria com a queda de Berlim, em 2 de maio daquele ano. Isso tinha sido decidido apenas semanas antes, na conferência de Ialta, entre Franklin Roosevelt, Winston Churchill e o próprio Stálin.
Apenas cinco anos antes, era a Alemanha a agressora de civis inocentes. Faltava só a Inglaterra para ter o domínio total da Europa. Chegou perto disso. 
Entre setembro de 1940 e maio de 1941, fábricas, indústrias, instalações militares e alvos que deveriam ser preservados, incluindo o Parlamento e patrimônios culturais como a catedral de Coventry, foram bombardeados.

Cerca de 40 mil pessoas morreram na Blitz. Por causa disso, prevaleceu a versão de que Churchill autorizou o bombardeio de Dresden – primeiro foram os ingleses, depois os americanos – como uma espécie de vingança. É uma explicação simplista para os horrores da guerra. Resumidamente, segundo o historiador Chris Harmon, Chuchill não era muito inclinado ao bombardeio em massa de áreas civis, mas começou a entender sua tétrica necessidade depois de ver como os ataques aéreos alemães devastaram Varsóvia e Roterdã”.
Harmon escreveu um livro sobre o tema, intitulado Nós Somos Feras?.

As feras estavam soltas, dentro do complicado quadro acima resumido, na Operação Trovoada. Os heróicos pilotos da Royal Air Force, os mocinhos, os ases do lado bom da força, fizeram o que se esperava deles.
Uma das descrições mais torturantes foi feita por um inglês, um prisioneiro de guerra chamado Victor Gregg.  Em 13 de fevereiro, em sua cela num campo de trabalhos forçados ao lado de Dresden, ele viu “o dia virar noite. Os traçadores e depois as bombas de fósforo começaram a cair. Uma parede da prisão desmoronou, Gregg tentou fugir. 

Os sobreviventes estavam fazendo a mesma coisa. A cidade estava coalhada de corpos humanos, muitos “encolhidos” para menos de 1 metro pelo calor. Abaixo de 3 anos, as crianças haviam simplesmente evaporado. Era como uma Hiroshima sem a parte nuclear.
Ao todo, 6,5 quilômetros quadrados da área central da linda cidade alemã foram destruídos, prédios com estruturas de madeira simplesmente desmoronando. As pessoas eram incineradas vivas.  Em muitos abrigos antiaéreos transformados em câmaras de morte, o calor infernal deixou apenas ossos, trapos de roupas e camadas líquidas de gordura derretida de corpos humanos.  Convocado, sob ameaça de arma, a entrar para uma equipe de resgate alemã, Victor Gregg continuou a ver cenas dantescas. “O horror gravado a fogo na minha memória, impossível de ser apagado. Até hoje me desperta à noite”, relatou Gregg – 100 anos completados em outubro.

Os alemães não votaram em Hitler, apoiaram em grande maioria a guerra, ignoraram o genocídio dos judeus, celebraram o domínio torturante sobre tantos países europeus? Não mereciam isso tudo? Não foram eles que provocaram isso para si mesmos?  É dever moral de todos nós, mesmo 75 anos, responder.
Curiosamente, em especial na Inglaterra, políticos da direita tradicional argumentam até hoje em favor do bombardeio de Dresden.  Vencer o nazismo era tão mais importante do que tudo, mais até que as considerações morais básicas, que nenhum recurso podia ser evitado (Dresden, evidentemente, não foi a única cidade alemã reduzida a ruínas).

Na Alemanha, a direita mais à direita chama Dresden de Holocausto alemão.
É uma expressão pesada, até ofensiva aos judeus que defendem o caráter único, sem parâmetros, do genocídio industrial conduzido pelos nazistas. Em hebraico, Shoá.
As pilhas e mais pilhas de corpos deformados levados para a incineração depois do grande fogo que caiu do céu em fevereiro de 1945 evocam, quase insanamente, as vítimas dos campos de extermínio.  Talvez o que aconteceu em Dresden possa ser chamado apenas de holocausto, com minúscula. 
Mas aconteceu e não pode ser ignorado, mesmo que isso provoque constrangimento e questionamentos morais. Nem 75 anos depois.

Blog Mundialista - Vilma Gryzinski, jornalista - VEJA

 

domingo, 16 de fevereiro de 2020

Encosta abaixo - Nas entrelinhas

“Não sei se Buarque se inspirou em Tony Judt, mas, com certeza, a esquerda brasileira tem as mesmas dificuldades de Eric Hobsbawm para fazer autocrítica. Persiste nos próprios erros”


Autor da grande trilogia Era das revoluções (1789-1948), A era do capital (1848-1875) e A era dos impérios (1875-1914) —, Eric John Hobsbawm fez a cabeça da esquerda brasileira sobre o mundo atual, com A era dos extremos: o breve século XX. O historiador nasceu em Alexandria, Egito, quando o país se encontrava sob domínio britânico, passou a infância entre Viena e Berlim e migrou para Londres aos 14 anos. Quando jovem, ingressou no Partido Comunista britânico; durante a II Guerra Mundial, cavou trincheiras no litoral do Canal da Mancha e fez parte da inteligência do Exército britânico.

Após a guerra, Hobsbawm voltou para Cambridge, onde se tornou um expoente da historiografia mundial, ao lado de Christopher Hill, Rodney Hilton e Edward Palmer Thompson. Sua Era dos extremos é o livro mais lido sobre a história recente da humanidade, e Tempos interessantes, de 2002, recebeu o Prêmio Balzan para a História da Europa. Membro da Academia Britânica e da Academia Americana de Artes e Ciência, lecionou na Universidade de Londres e na New School for Social Research, de Nova Iorque. Morreu em Londres, em 2012.

Nascido em 1948, o londrino Tony Judt era neto de russos e rabinos lituanos. Aos 15 , aderiu ao sionismo e quis emigrar para Israel, contra a vontade dos pais. Em 1966, foi passar o verão num kibbutz machanaim e acabou servindo como motorista e tradutor no Exército de Israel, na Guerra dos Seis Dias. No fim da guerra, porém, voltou para Inglaterra. Judt graduou-se em história na Universidade de Cambridge (1969), mas realizou suas primeiras pesquisas em Paris, na École Normale Supérieure, onde completou seu Ph.D., em 1972.

Em outubro de 2003, publicou um artigo na New York Review of Books, no qual recriminou Israel por se tornar um Estado étnico “beligerante, intolerante, orientado pela fé [fé na proteção dos Estados Unidos aos seus ator arbitrários, agredindo civis desarmados - basta os Estados Unidos retirarem proteção e o Estado judei  acaba.] e defendeu a transformação do Estado judeu num estado binacional, que deveria incluir toda a atual área de Israel, mais a Faixa de Gaza, Jerusalém Oriental e a Cisjordânia. Nesse novo Estado, segundo sua proposta, haveria direitos iguais para todos os judeus e árabes residentes em Israel e nos territórios palestinos. Seu artigo causou um terremoto na comunidade judaica e lhe valeu a expulsão do conselho editorial da revista.

Judt lecionou na Universidade de Nova York, na cadeira de Estudos Europeus. Seu livro Pós-guerra — uma história da Europa desde 1945 é monumental. Em março de 2008, foi diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica (ELA). Um ano depois, estava tetraplégico; faleceu em 2010, depois de um calvário no qual escreveu três livros: O mal ronda a Terra, O chalé da memória e Pensando o século XX, baseado em conversações com Timothy Snyder. Judt fez parte do que chamou de “geração Hobsbawm”, homens e mulheres que começaram a se ocupar do estudo do passado em algum momento da “longa década de 1960” (entre 1959 e 1975), cujo interesse “foi marcado de forma indelével pelos escritos de Eric Hobsbawm, por mais que eles agora discordem de muitas de suas conclusões”.

Autocrítica
No ensaio Encosta abaixo até o final (Quando os fatos mudam, editora Objetiva, publicado no New York Review of Books, em maio de 1995, como uma resenha de A era dos extremos: O breve século XX, 1914-1991, de Eric Hobsbawm), Judt criticou duramente o seu mestre: “Ainda que escreva sem nenhuma ilusão a propósito da antiga União Soviética, ele se mostra relutante em admitir que ela não tinha aspectos que a redimissem (inclusive o de desempenhar o papel de manter ou impor a estabilidade no mapa da Europa)”. Judt também critica Hobsbawm por justificar o terror stalinista e as coletivizações forçadas com o esforço de guerra.


Segundo Judt, era difícil para Hobsbawm fazer autocrítica da própria fé: “Contudo, há duas ou três mudanças cruciais que tiveram lugar no mundo — a morte do comunismo, por exemplo, ou a relacionada perda de fé na história e nas funções terapêuticas do Estado a respeito da qual o autor nem sempre se mostra satisfeito. Isso é uma pena, já que forma e, às vezes, deforma seu relato de maneiras que podem diminuir seu impacto sobre aqueles que mais precisam lê-lo e aprender com ele. E senti falta, em sua versão do século XX, do olhar impiedosamente crítico que fez dele um guia tão indispensável para o século XIX”.

Em janeiro de 2018, [sic] o ex-senador Cristovam Buarque foi convidado a uma palestra em Oxford para falar sobre por que Bolsonaro venceu. Agora, voltou à universidade britânica para lançar a versão em inglês do pequeno livro Onde erramos: de Itamar a Temer, publicado como e-book pela Tema Editorial, no qual o ex-governador de Brasília e ex-reitor da UnB faz uma polêmica autocrítica a partir daquela palestra. Não sei se Buarque se inspirou em Tony Judt, mas, com certeza, a esquerda brasileira tem as mesmas dificuldades de Eric Hobsbawm para fazer autocrítica. Persiste nos próprios erros.


Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense 


sábado, 18 de janeiro de 2020

Discurso de Goebbels, ópera de Wagner e cruz medieval: os símbolos do vídeo que derrubou Roberto Alvim - GaúchaZHZero Hora

 Fala que evocava ministro nazista em vídeo com cenografia típica da propaganda autoritária levou à demissão do secretário

O agora demitido secretário nacional da Cultura, Roberto Alvim, provocou polêmica ao anunciar em uma live as diretrizes do Prêmio Nacional das Artes, em um cenário e com uma ambientação que remetiam diretamente à retórica e à propaganda nazista, com direito a frases iguais às pronunciadas pelo ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels.
Diretor de teatro de carreira consolidada, Alvim afirmou em entrevista ao programa Timeline, de GaúchaZH, que foi tudo uma coincidência retórica. Ainda assim, as coincidências são muitas. Este texto enumera as possíveis simbologias contidas no vídeo:
 A semiótica autoritária de Roberto Alvim
- Ópera de Lohengrin que toca ao fundo foi composta por Richard Wagner (1813-1883), ídolo do nazismo e de Hitler.
- Foto de Bolsonaro remete à imagem de um "grande líder" ao fundo.
- Discurso olho no olho, piscando pouco e quase ausência de gestos são truques para falar sem parecer retórica.
- Fala de Alvim remete ao discurso de Goebbels que apontava para nova direção da arte nazista.
- Possível referência à cruz das Missões Jesuíticas ou à Cruz de Caravaca, supostamente formada por pedaços da cruz de Cristo.
Cenário simples, com mesa, bandeira e parede de compensado busca vender o governo como impessoal e eficiente.
 
O discurso
A fala do ex-secretário Roberto Alvim, como já foi amplamente esmiuçado na polêmica que se seguiu à divulgação, tem semelhanças inegáveis, quase palavra a palavra, com um discurso proferido pelo ministro da cultura e da propaganda alemã Joseph Goebbels, em 8 de maio de 1933.
O pronunciamento de Goebbels foi dirigido a administradores de cinema e diretores de teatro no hotel Kaiserhof, em Berlim. Embora comece dizendo que não tem intenção de "restringir a criatividade dos artistas", Goebbels logo se estende em ferozes críticas ao Expressionismo, movimento que apresentava uma visão mais subjetiva e emocional e que ele considerava arte degenerada. A fala que Alvim, ele próprio diretor de teatro, parafraseou, aponta para a nova direção da arte alemã pretendida pelos nazistas, que Goebbels chega a nomear "o Novo Objetivismo".
 Lohengrin, pintura de August von Heckel (1886)

A música
O fundo sonoro do pronunciamento de Alvim é o prelúdio de Lohengrin, ópera romântica em três atos composta pelo artista alemão Richard Wagner (1813-1883). Wagner, obviamente, não era nazista, mas seus preceitos de uma "arte total" enraizada na grandeza mitológica do passado alemão logo foram apropriados pelos nazistas em sua ideologia de retorno a uma Alemanha gloriosa do passado.
Lohengrin tira sua inspiração da literatura medieval alemã e tem como personagem título um filho de Percival, o lendário cavaleiro e rei que teria sido companheiro de aventuras do Rei Arthur e encontrado o Santo Graal. Não apenas a obra de Wagner como um todo era reverenciada pelos nazistas como o compositor era o preferido do próprio Hitler. Em seu livro Minha Luta, a "Bíblia" do partido nazista, Hitler situa seu "despertar estético" justamente na audição de Lohengrin.

 Cruz em São Miguel

A cruz
Em cima da escrivaninha do ex-secretário de Cultura, encontra-se uma cruz de dois braços transversais. O adorno pode ser tanto uma referência à cruz missioneira, fartamente documentada na iconografia das Missões Jesuíticas no Brasil, quanto ao modelo que a inspirou, a Cruz de Caravaca, uma relíquia cristã que, de acordo com a tradição, teria aparecido por milagre na cidade de Caravaca, na Espanha, em 1232, quando a região ainda estava sob domínio muçulmano.
Supostamente, a cruz de Caravaca apareceu nas mãos de um sacerdote prisioneiro que recebera a ordem de rezar uma missa para um sultão curioso pelas práticas dos cristãos. A relíquia conteria pedaços da madeira da cruz de Cristo. Como muitos dos jesuítas que se lançaram ao trabalho missioneiro no Novo Mundo eram espanhóis, a cruz de Caravaca veio a inspirar a cruz missioneira, inclusive a que está em São Miguel (foto). Uma história que Alvim, católico devoto, certamente conhece. O "segundo braço" da cruz, menor e na parte superior, é uma versão estilizada da tabuleta presente na cruz de Jesus Cristo, identificando-o como "Rei dos Judeus". [a cruz em questão tem todos os componentes para ser uma CRUZ ORTODOXA;
nenhuma das fotos exibidas na matéria mostra a cruz por inteiro, o que impede de que se veja o terceiro travessão, na parte inferior,  destinado a suportar os pés do condenado.
A cruz usada como símbolo dos partido nazista, é a CRUZ GAMADA, conhecida então como CRUZ SUÁSTICA - proibida no Brasil, que não proíbe a foice e o martelo,  símbolos do comunismo.]

O cenário
A composição do cenário, com a mesa, a foto de um "grande líder" ao fundo (no caso, o presidente Bolsonaro), a bandeira ao lado e o fundo com uma parede simples de compensado são elementos clássicos dos regimes que tentam vender a estrutura de governo como impessoal e eficiente. A encenação é completada pela forma como Alvim, apresenta seu discurso, olhando o tempo todo diretamente para a câmera, como a falar para o espectador olho no olho (o ministro quase não pisca o vídeo inteiro). Há uma grandiloquência calculada também na impostação da voz.
A quase ausência de gestos físicos também é um conhecido truque retórico para quem quer falar sem parecer um retórico. Exatamente como já havia prescrito o romano Quintiliano (35-95) em seu livro A Instituição da Oratória, ou Sobre a Formação do Orador, no qual sugeria que grandes oradores imitassem a técnica dos atores, mas com cuidado: "Nem todos os gestos e movimentos devem ser adotados. Ainda que o orador deva, dentro de certos limites, desempenhar ambos, deverá, no entanto, afastar-se do ator cômico, sobretudo evitando os gestos exagerados. Porque, se nisso está a arte daquele que fala, a primeira recomendação é aparentar não tê-la". 

GauchaZH - Transcrição em 18 janeiro 2020