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sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Os transformistas do Plano Real - Guilherme Fiuza

Revista Oeste

Como alguém que instituiu a responsabilidade fiscal no país pode apoiar um candidato que promete o fim do teto de gastos? 
 
Luiz Inácio Lula da Silva | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Luiz Inácio Lula da Silva | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock  

— Estou te reconhecendo. Você não é um dos autores do Plano Real?
— Sim, sou.
— Que emoção! Sempre quis te conhecer. Te considero um herói.
— Obrigado.
— Pode tirar uma foto comigo?
— Claro.
— Poxa, nem sei o que dizer. Vamos lá. Se importa se eu te abraçar?
— Fica à vontade.
— Legal. Se puder sorrir um pouquinho te agradeço ahaha.
— Tranquilo.

— O que é isso que você tá fazendo com a mão?
— O “L”.
— O “L”? L de que? De Liberalismo?
— Não. L de Lula.
— De Lula??!! Mas…
— Vai tirar a foto ou vamos ficar conversando?
— Vou tirar, claro. É que eu pensava que você…
— Cuidado pra não fazer nenhum julgamento preconceituoso. Pensa bem antes de falar.
— Longe de mim. Não sou preconceituoso. Mas você não tinha dito que o Lula e o PT eram…
— Eram! Do verbo não são mais.

— Acho que faltei essa aula de gramática. Preferia quando você dava aula de matemática.
— Você é pedagogo?
— Não.
— Então me libera das suas reflexões sobre português e matemática.
— Ok. Tá liberado da foto também.
— Desistiu de tirar?
— Não. Acabou a bateria do meu telefone.
Ué, estou vendo seu telefone ligado.
— Então vou te fazer só mais uma pergunta: como alguém que instituiu a responsabilidade fiscal no país pode apoiar um candidato que promete o fim do teto de gastos?
— Não tem nada a ver uma coisa com a outra.

— Ah, tá. Então eu também posso dizer que o meu telefone está ligado mas a bateria acabou. Não tem nada a ver uma coisa com a outra.
Você está me irritando.
— Você também.
— Ótimo. Se estamos ambos irritados, vou embora para nos salvar dessa conversa irritante.
— Manda um beijo pro Lula. Diz pra ele que valeu a pena aqueles dez anos de bombardeio.
— Que bombardeio?
— Contra o Plano Real. Ele não conseguiu afundar o país naquele momento, mas agora tem o inimigo aos pés dele. Quem espera sempre alcança.
— Para de falar merda.
— Agora já estou te achando mais parecido com o Lula. Só falta dizer que pedalada fiscal é normal e a Dilma sofreu um gópi.

— Cala a boca.
— Você não sabe nada.
— Não mesmo. Também não sei se você agora é um sem-teto ou um sem-vergonha.

Edmar Bacha, Pedro Malan, Arminio Fraga e Pérsio Arida, alguns dos 
economistas que participaram da criação do Plano Real - 
Foto: Reprodução redes sociais

Leia também “A tesoura amiga do TSE”

Guilherme Fiuza, colunista - Revista Oeste 

 

terça-feira, 10 de setembro de 2019

O fim do Bolsa Família - Nas entrelinhas

“Pautado por medidas disruptivas dos programas sociais e decisões ultraconservadoras, o governo Bolsonaro não tem uma marca, exceto o dedo no gatilho no quesito segurança pública”

O ovo de Colombo do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a fusão dos programas de transferência de renda herdados do governo de Fernando Henrique Cardoso, alguns originários do governo Sarney, num único programa: o Bolsa Família. A lógica do programa era a mesma, a focalização do gasto social nos mais pobres, em detrimento das políticas sociais universalistas, estratégia imposta pelo grupo social-liberal da equipe do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan à sua ala desenvolvimentista, porém, a escala foi ampliada.

Do ponto de vista do combate às desigualdades e da redistribuição da renda, o salário mínimo, a indexação das aposentadorias e as aposentadorias rurais tiveram e ainda têm um peso muito maior no combate à pobreza, mas, do ponto de vista da marca de um governo que se pretendia mais popular, o Bolsa Família foi um indiscutível sucesso de marketing político. Em todo o Brasil, mais de 14,1 milhões de famílias são atendidas pelo programa, ou seja, cerca de 56 milhões de pessoas. Vem daí a resiliência dos eleitores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e boa parte da sua capacidade de transferência de votos.

A primeira tentativa do governo Bolsonaro no sentido de capturar esse eleitorado foi manter o Bolsa Família, cujo valor médio hoje é de R$ 186,23, e agradar a seus beneficiados com uma parcela a mais do benefício, a 13ª Bolsa. A mudança, porém, não alterou o DNA do programa, daí a desejo de substituí-lo, a pretexto de incluir no sistema de proteção social oficial milhões de crianças brasileiras em situação de vulnerabilidade que não recebem benefício do governo federal.

A proposta está sendo analisada pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra, com base num estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) intitulado “Uma proposta para a unificação dos benefícios sociais de crianças, jovens e adultos pobres e vulneráveis”, divulgado ontem. A ideia é fundir o Bolsa Família, o Salário-Família, o Abono Salarial e a Dedução por Dependente no Imposto de Renda da Pessoa Física, políticas públicas voltadas à proteção da infância e dos vulneráveis à pobreza no país. Os pesquisadores Sergei Soares, Leticia Bartholo e Rafael Guerreiro Osório, autores do estudo, consideram o sistema de proteção social existente uma colcha de retalhos, construída ao longo dos anos, mas com buracos e sobreposições.

Nova marca
Segundo os dados oficiais, 1,6 milhão de crianças recebem Salário-Família e Bolsa Família, outras 400 mil crianças recebem Salário-Família e dedução no Imposto de Renda. Em contrapartida, de um total de 52 milhões de crianças no Brasil, 17 milhões não têm benefício social. O novo ovo de Colombo, porém, é a manutenção do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. Isso significa mais recursos para os mais pobres? Negativo, a ideia é redistribuir o montante atual, ou seja R$ 52,8 bilhões, mirando principalmente crianças e jovens.

O sistema teria três benefícios: um de R$ 45 reais por criança e jovem com menos de 18 anos de idade, universal e independente da renda
outro, de R$ 90 por criança de até quatro anos, pagos integralmente até a linha de elegibilidade e regressivo à medida que a renda aumentasse; 
e, finalmente, o terceiro, de R$ 44, pagos a todos na condição de extrema pobreza, com ou sem filhos.

Pautado por medidas disruptivas dos programas sociais, decisões ultraconservadoras em relação aos costumes, regressivas quanto ao meio ambiente e até mesmo obscurantistas em matéria de ciência, de educação e de cultura, o governo Bolsonaro não tem uma marca, exceto o dedo no gatilho no quesito segurança pública. Até mesmo a bandeira da ética, que embalou sua campanha e foi incorporada ao governo com a nomeação do ex-juiz Sérgio Moro para o Ministério da Justiça, por causa do caso Queiroz, está sendo esgarçada. Do ponto de vista da política econômica, a reforma da Previdência e a anunciada política de privatizações não são uma bandeira popular. No curto prazo, é difícil reverter o cenário de 11,8 milhões de desempregados, segundo os últimos dados oficiais.

Nada garante que as reformas da Previdência e tributária resolvam esse problema no curto prazo, até porque a inflexão feita na política econômica, depois do fracasso da política nacional-desenvolvimentista do governo Dilma, foi a troca de uma breve política social-liberal no governo Temer pela estratégia ultraliberal. O ministro da Fazenda, Paulo Guedes, fez doutorado na famosa Escola de Chicago e acompanhou de perto a reforma econômica do governo Pinochet, como professor da Faculdade de Economia e Negócios da Universidade do Chile, então sob intervenção, a convite de seu diretor, Jorge Seleme, secretário do Tesouro de Pinochet. Para ele, o mercado resolve.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB

 

sábado, 29 de junho de 2019

Real, moeda brasileira mais durável desde o Estado Novo, completa 25 anos em 1º de julho

Pais do Real apontam fragilidade do atual momento da economia brasileira 

Persio Arida: “O real criou a base do país moderno”

Na segunda-feira, dia 1º de julho, a moeda brasileira, o Real, completa 25 anos em circulação. Será o padrão monetário brasileiro mais duradouro desde o Estado Novo. Não é feito pequeno para um país que teve nove moedas no período. 

O economista Persio Arida, ex-presidente do BNDES e do Banco Central, disse que a maior derrota do Plano Real foi perder a batalha da reforma da Previdência. Se aprovada, ela teria mudado drasticamente a história econômica do país. Já como um programa de estabilização inflacionária, avaliou que foi foi extraordinariamente bem-sucedido.
 
“O real criou as bases econômicas do Brasil moderno”, disse Pérsio Arida. O Real trouxe organização econômica para o país. Baixou de fato a inflação, mas a estabilização não foi suficiente para deslanchar o crescimento. 

Os criadores do Real avaliam agora os desafios da economia brasileira. Para Edmar Bacha, o país “ainda precisa fazer o dever de casa do ajuste fiscal”. Pedro Malan concorda e adverte: “Os gastos sobem em velocidade insustentável.” Gustavo Franco analisa: “Temos medo de confrontar interesses”. Armínio Fraga acredita que a reforma da previdência será parcial. “Uma vez aprovada uma reforma da Previdência que vai gerar um resultado que seria a metade do necessário, e o que é necessário já não era suficiente, vamos ver o que vai ser feito daqui para a frente.”


Leia mais em Época:
O ENTERRO DO DRAGÃO
Nos 25 anos do real, o que falta para o país voltar a se desenvolver


segunda-feira, 17 de junho de 2019

“É uma brasa, Moro!” e outras notas de Carlos Brickmann

Até o presente momento, Moro parece ter vencido politicamente a guerra que o Intercept iniciou [vencerá também na seara jurídica - as acusações da militância que posa de jornalismo, são ilegais na forma como foram obtidas e não possuem sustentação.]



Juridicamente, pode ser que haja irregularidades nas comunicações entre o ministro Sérgio Moro e procurador-chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol. A OAB abriu fogo contra ambos e juristas respeitados os criticam. [A Constituição sustenta Moro e o procurador-chefe da Lava Jato;
quanto à popularidade ao POVÃO interessa que ladrões tipo Lula sejam desmascarados, presos e mofem na cadeia. ] Em termos de comunicação, manda a boa técnica que se publique parte da denúncia e se aguarde a reação. Só então se publica a denúncia completa. Esses fatores podem mudar a situação, mas, até o presente momento, Sérgio Moro parece ter vencido politicamente a guerra que o Intercept iniciou.

Alguns fatos demonstram que Moro, se o atingiram, foi só de raspão.
1 – No Maracanã, dizia Nelson Rodrigues, vaia-se até minuto de silêncio. Lula, no auge da popularidade, foi vaiado no estádio de São Januário. Moro foi ao estádio em Brasília, vestiu a camisa do Flamengo e foi aplaudido.
2 – Numa das mensagens atribuídas a Moro, há a frase “In Fux we trust” (em Fux confiamos). Na sexta de manhã, o ministro Fux tomou um avião em Brasília e foi aplaudido por passageiros. Houve gritos de “In Fux we trust”.
3 – Pesquisa da XP (elaborada para orientar investidores) mostra Moro como o mais popular integrante do Governo. Sua nota oscilou de 6,5 para 6,2, ainda bem acima do segundo, o próprio presidente Bolsonaro.
Quem votou em Bolsonaro por não aceitar nada do que está aí deve estar feliz com as transgressões atribuídas a Moro – justo ele, com cara de bom moço. E foi depois de ver as pesquisas que Bolsonaro lhe deu apoio total.

(...)

Brasil é Brasil
Mas nunca levem uma análise (nem as deste colunista) demasiado a sério. No Brasil, dizia Pedro Malan, até o passado é imprevisível. Imagine o futuro.

Guerra é guerra
A próxima batalha entre o Intercept e Moro pode ser deflagrada ainda hoje, com a publicação de novas mensagens. Mas a seguinte é a da Polícia Federal contra quem forneceu informações ao Intercept. O que se diz é que nada será feito que viole a liberdade de imprensa: quem publicou tinha o direito de fazê-lo. O que se investiga, dizem, é quem obteve ilegalmente as mensagens, e como. Suspeita-se até de um esquema internacional, com o objetivo de desmoralizar as decisões da Justiça e conseguir libertar Lula. De acordo com o jornalista Cláudio Humberto (www.diariodopoder.com.br), pode haver operações de busca e apreensão nos endereços dos responsáveis pelo Intercept. Fala-se em respeitar a liberdade de imprensa, mas sabe-se lá.

(...)

domingo, 10 de março de 2019

Foi possível há 25 anos, há que tentar sempre

É preciso manter viva a esperança, a aposta no diálogo e a busca das convergências possíveis

A virada de fevereiro para março de 2019 marcou o 25.º aniversário de lançamento da URV e, portanto, do real, no qual a URV se converteria quatro meses depois. Nos primeiros 25 anos do real a taxa média anual de inflação brasileira foi de cerca de 7%-7,5% ao ano, alta por padrões internacionais para períodos tão longos (embora hoje estejamos com as expectativas aparentemente ancoradas em taxas bem mais baixas). Esse desempenho deve ser visto à luz do nosso longuíssimo passado de inflação alta, crônica e crescente – até o real.
Com efeito, o Brasil foi o recordista mundial de inflação acumulada no período que se estende do início dos anos 1960 ao início dos 90. O País desconhecia taxas de inflação inferiores a 10% ao ano desde 1950. A média do período 1950-1980 foi da ordem de 25%-30% ao ano. Chegamos a 100% em 1980, a 240% em 1985, a 1.000% em 1988 e a 2.400% em 1993. Esse tipo de aceleração inflacionária por período tão prolongado, sintoma de conflitos distributivos e intenções de gastos em consumo e investimento que excediam de muito a capacidade de resposta da oferta doméstica, mascarava a extensão do desequilíbrio fiscal estrutural ex ante, para usar o terrível jargão dos economistas. Hoje esse desequilíbrio mostra sua face mais visível nas contas públicas, em particular de Estados e municípios, que não contam mais com a inflação crescente para mascarar seus problemas, tampouco têm capacidade de endividamento adicional, não podendo escapar de fazer dificílimas escolhas, inclusive a de apoiar reformas que lhes permitam algum raio de manobra, especialmente nas áreas de pessoal, previdência e gradual retomada dos investimentos, nas quais residem os grandes e fundamentais desafios a enfrentar.
Mais de uma vez neste espaço expressei minha confiança de que o real tenha vindo para ficar, e para sempre, como a definitiva moeda nacional, com seu poder de compra relativamente estável, porque isso era, e é, do interesse de todos os brasileiros. Para tal avançamos em algumas áreas mais: o regime de taxas de câmbio flutuantes está em vigor há mais de 20 anos e o regime de metas de inflação completará seus 20 anos em junho. Esperamos que ambos se consolidem como os regimes cambial e monetário que mais convêm ao País e ao seu futuro, à parte legítimas controvérsias sobre – dados os regimes – a operacionalização das políticas monetária e cambial e sobre os níveis específicos das taxas de câmbio e de juros. A consolidação desses dois regimes depende de avanços na área fiscal. A propósito, antes de comentário final sobre a difícil situação neste crucial ano de 2019, quero aproveitar a oportunidade destes 25 anos da URV/real para chamar a atenção para algo que não mereceria ficar relegado aos escaninhos da memória de uns poucos, porque é relevante para o Brasil de hoje – e seu futuro.
Como é sabido, FHC assumiu o Ministério da Fazenda em fins de maio de 1993, como o quarto ocupante do cargo antes que o governo Itamar Franco alcançasse seu oitavo mês. Em 13 de junho daquele ano, cerca de três semanas depois, foi dado a público o então chamado Plano de Ação Imediata, que colocava a questão do que chamava o descalabro das finanças públicas brasileiras no seu contexto mais amplo, resumido em cinco pontos, que reproduzo textualmente.
“1) O Brasil só consolidará sua democracia e reafirmará sua unidade como nação soberana se superar as carências agudas e os desequilíbrios sociais que infernizam o dia a dia da população. 
2) A dívida social só será resgatada se houver ao mesmo tempo a retomada do crescimento autossustentado da economia. 
3) A economia brasileira só voltará a crescer de forma duradoura se o país derrotar a superinflação que paralisa os investimentos e desorganiza a atividade produtiva. 
4) A superinflação só será definitivamente afastada do horizonte quando o governo acertar a desordem de suas contas, tanto na esfera da União como dos estados e municípios. 
5) E as contas públicas só serão acertadas se as forças políticas decidirem caminhar com firmeza nessa direção, deixando de lado interesses menores.”

Este quinto e último ponto detém surpreendente atualidade, relevância e urgência, e deve continuar a ser visto em conjunto com os pontos 1 e 2. Como há 25 anos, é imperiosa a necessidade de governos equacionarem a situação de suas contas, tanto na esfera da União como dos Estados e municípios. Se em 1993 era fundamental um ataque determinado à inflação de mais de 2.000%, o fim da hiperinflação não era um fim em si mesmo. Como dizia o ex-ministro Ricupero, era apenas o começo do início do princípio: a agenda para o Brasil pós-derrota da hiperinflação se confundia com a agenda muito mais ampla do desenvolvimento econômico social e institucional do País – livre da droga da inflação, seu zumbido e sua poeira que mascaravam e, portanto, nos impediam de descortinar os verdadeiros problemas do País. Que continuam a assombrar-nos, para muitos como indecifráveis esfinges e quimeras.
Não é preciso, como sugeriu Camus, “imaginar Sísifo feliz”, mas é preciso, sim, mostrar que nem todas as quimeras são indecifráveis e nem todas as esfinges necessariamente nos devorarão. Já o fizemos no passado, apesar de todos os riscos e incertezas. É preciso manter viva a chama da esperança, a aposta no diálogo e a busca das convergências possíveis. Que sempre existem, apesar das aparências em contrário e do desassossego com certas disfuncionalidades destes primeiros 70 dias do governo e 40 dias do novo Congresso. Há que apostar no poder da persistência e no “realismo esperançoso” de Ariano Suassuna, para evitar a simplória dicotomia entre apenas duas posições polares: “otimistas e pessimistas”. Ou talvez pior para uma democracia pluralista: o “nós contra eles” substituindo o “eles contra nós”. O Brasil é maior que isso – e os brasileiros merecem algo melhor.
 
 
 

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Editorial do Estadão: A encruzilhada nacional



Saber como se chegou à situação atual é o primeiro passo para evitar que charlatães triunfem



Eleições podem ser ensejo para a multiplicação de ilusões com o objetivo de seduzir o eleitor. Não se trata necessariamente de apelar para mentiras ou fraudes, embora isso também aconteça; o que tem marcado as campanhas é o reducionismo marqueteiro, que transforma grandes temas em slogans de fácil digestão. Ganha mais votos aquele cuja lábia convence o eleitor de que é capaz de trazer a felicidade pelo menor custo. O atual momento brasileiro, no entanto, mais do que qualquer outro da história recente, exige que o eleitor saiba exatamente o que lhe estará reservado no futuro próximo caso não sejam tomadas imediatamente medidas de austeridade para tirar o Brasil da beira do abismo. 

E isso, infelizmente, não está acontecendo ─ há, pelo contrário, um “enorme grau de incompreensão” da população sobre o “curso absolutamente insustentável” em que o País se encontra, como alertou recentemente o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. Tendo sido um dos principais responsáveis pela implantação do Plano Real, Malan tem autoridade para falar sobre o quão duro é um processo de estabilização de uma economia em frangalhos. Esse processo demanda, antes de tudo, a colaboração consciente do conjunto da sociedade. O Plano Real funcionou porque, ao contrário dos planos anteriores, não foi implantado de cima para baixo. Na prática, o Real foi uma espécie de convite para que os cidadãos imaginassem a economia sem inflação, com o restabelecimento do valor das coisas, sem a variação diária de preços. A população, aos poucos, aderiu, porque se sentiu como parte da solução. Mas o plano não foi bem-sucedido apenas por isso. Como preço a pagar pela sonhada estabilidade, os brasileiros foram chamados a apoiar uma dura série de medidas, que incluíram a renegociação das dívidas dos Estados, a venda de estatais, a reestruturação do sistema bancário e o ajuste fiscal. Com a notória exceção do PT, o Real foi amplamente aceito – o que significa que, se bem explicadas e transparentes, as reformas necessárias para reequilibrar as contas nacionais podem, sim, como sugere Malan, receber apoio dos eleitores.

Para que isso aconteça, contudo, é necessário preservar a memória recente do País, impedindo que a mistificação prevaleça sobre a realidade dos fatos. Por isso é muito oportuno que respeitados protagonistas desse passado, como o ex-ministro Malan, venham a público para ajudar a combater as desonestas tentativas de desmoralizar todo o hercúleo trabalho que resultou no fim da chaga da inflação e na estabilização da economia, condições sem as quais a festejada “justiça social” dos governos lulopetistas não teria sido possível.

O recém-lançado livro Uma Certa Ideia de Brasil: Entre Passado e Futuro, que reúne artigos de Malan publicados no Estado entre 2003 e 2018, tendo como eixo, portanto, a desastrosa passagem do PT pela Presidência, presta-se a essa imperiosa tarefa de denunciar o logro da propaganda petista que trata o eleitor como passivo freguês do mercador de ilusões Lula da Silva ─ e de convidar os brasileiros a ter “consciência social do passado”.  Para Malan, o próximo presidente tem de ter “consciência do que foram os últimos 15 anos, porque (governar com essa herança) será o maior desafio de sua vida dada a situação do País”. Como lembrou o ex-ministro, a campanha eleitoral é a parte menos penosa dessa experiência, porque “disputar a eleição e eventualmente ganhá-la é uma coisa”, mas “governar um país da complexidade do Brasil é algo muito mais complicado” ─ especialmente quando o eleitor não é advertido previamente de que terá de fazer muitos sacrifícios.

“Estamos num ponto de inflexão, numa encruzilhada que é das mais importantes que tivemos na nossa história recente”, disse Malan ao Estado, dando adequado tom grave ao atual momento. Há quem acredite ser legítimo brincar com fogo, prometendo magicamente fazer o Brasil ser “feliz de novo”, e há quem considere desnecessárias ou não tão urgentes as reformas que se impõem. Como enfatiza o ex-ministro, saber como se chegou à situação atual é o primeiro e indispensável passo para evitar que esses charlatães triunfem neste momento tão crítico para o País.