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sexta-feira, 1 de setembro de 2023

O comunismo que "não existe" em Cuba, Venezuela e Coreia do Norte - Paulo Henrique Araujo

 A nova tendência dos agrupamentos marxistas brasileiros é negar a existência do comunismo e as suas ramificações em diversos países.

Segundo estes, a Venezuela não é socialista, Fidel Castro jamais foi comunista, a Coreia do Norte é vítima de desinformação ocidental, a China utiliza o comunismo como um agregador puramente histórico (COMO ASSIM?), a Rússia é um bastião histórico de luta pelas tradições espirituais e do cristianismo.

A verdade estratégica por trás disto é relativamente fácil de identificar: sendo o comunismo-socialismo uma doutrina baseada na sua maior parte na FILOSOFIA marxista que se adaptam as necessidades culturais e temporais de cada nação, criando assim fragmentações diversas e tensões internas no que compõe a totalidade da máquina revolucionária.

Um bom e atual exemplo disto é a dicotomia de superfície que existe entre os "comunistas clássicos" (herdeiros das diretrizes e profundidades das três primeiras internacionais e posteriormente do pacto de Varsóvia), contra os "socialistas frankfurtianos", que utilizam a já famigerada Revolução Sexual, que explodiu em paixão revolucionária no maio de 1968 em Paris (que hoje está sendo lavada e até mesmo auxiliada pelos conservadores que a descobriu como "cultura Woke").

Este processo encontra terreno fértil no Brasil, pois o despertar político eleitoral acabou de completar uma década, mas este foi baseado quase que unicamente pela inconformidade econômica e pela aparente corrupção executada pelas diversas células revolucionárias - Note que, mesmo quando citado os mais diversos problemas e crimes do Foro de São Paulo, somente aqueles de cunho monetário, ou seja, corrupção, são os que geram verdadeira indignação – espalhadas em todos o continente.

Uma sociedade, como a brasileira, que foi vítima da hegemonia marxista nas suas mais diversas vertentes, está pronta para ser subvertida com os gatilhos certos e as simplificações mais basilares, planificando o terreno para a implementação de uma nova hegemonia revolucionária, afinal, ao contrário do que a "direita" crê como um fato absoluto, quando a "esquerda" se divide ela não perde força, mas aumenta o seu raio de atuação nos mais diversos campos de ação, criando diversos satélites que irão difundir e aprofundar suas doutrinas e a fé revolucionária.

Transformar regimes ditatoriais, autocracias e democracias de fachadas, alimentadas em seu âmago pela Filosofia Marxista, em vítimas inocentes obrigadas a adotar este caminho para sobreviver é a "nova onda do verão". Talvez o caro leitor pode pensar neste momento: "Mas isto não chega no povão", ledo engano... pois o papel da classe intelectual, principalmente a revolucionária, é estabelecer as diretrizes do debate, subverter ao máximo os suscetíveis às suas ideais e influenciar o debate público através dos intelectuais orgânicos gramscianos nas redes sociais, canais de YouTube, mídia de médio porte, universidades e afins. Nos últimos dois anos esta estratégia tem dado muito certo e avançado para a destruição por dentro dos movimentos de combate contra-revolucionários, colhendo frutos principalmente no Brasil, Estados Unidos e França, onde viciados em "verdades ocultas da NOM", acreditam nas mais diversas histórias, meias verdades, simplificações e enquadramentos políticos, diplomáticos e históricos.

Não existe caminho fácil, não existe conhecimento profundo adquirido em thread do twitter, não existe formação em vídeo de 15 minutos no YouTube que irá lhe proteger de tais influências. Somente um programa de estudos sérios, abstinência de opinião sobre assuntos que não domina, acompanhados de muita oração é que lhe darão o suporte mínimo para compreender e enfrentar tudo isso.

Idem vele et idem nolle.

Conservadores e liberais

Reproduzido do perfil do autor no Twitter.

 

terça-feira, 20 de junho de 2023

‘O Supremo navega na inconstitucionalidade’ - Revista Oeste

Ruth de Moraes - Silvio Navarro

O senador Hamilton Mourão afirma que Cortes superiores promovem insegurança jurídica no país e avalia que Jair Bolsonaro pode liderar a oposição, mesmo inelegível

 

Senador Hamilton Mourão | Foto: Isac Nóbrega/PR

Depois de quatro anos na Vice-Presidência da República, o senador gaúcho Hamilton Mourão (Republicanos), 69 anos, parece ter uma visão muito clara do que acontece hoje na Praça dos Três Poderes: o governo Lula é ultrapassado e não tem nenhum plano para o país, o Congresso Nacional só tem olhos para as emendas de deputados e senadores, e, enquanto isso, o Judiciário ocupa os espaços. Mais espaço do que deveria.
“Qualquer professor universitário de Direito Constitucional tem de fazer um malabarismo para explicar aos alunos o que está acontecendo no Brasil”, afirma.

Ao contrário de muitos parlamentares conservadores eleitos no ano passado, Mourão não aposta no sucesso da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro
Ele afirma que o governo conseguiu maioria numérica e vai dar as cartas até o final. Tampouco acha que a narrativa de tentativa golpe de Estado para em pé. “Alguém realmente leva a sério que aquele grupo iria dar um golpe de Estado sem bombas, tiros e prisões?”, diz. [e com o hipotético 'favorecido' pelo golpe fora do Brasil e sem vontade de voltar de forma imediata = para assumir.]

Mourão conversou com a reportagem de Oeste em seu gabinete, em Brasília. Confira os principais trechos da entrevista.
 
Como o senhor vê o papel dos Poderes da República atualmente? 
O Judiciário está legislando e governando em consonância com o Executivo?

Isso não é de hoje. A questão da harmonia e do equilíbrio entre os Poderes vem se esgarçando desde os antigos governos do PT. O esgarçamento é a invasão das competências de um Poder pelos outros. Especificamente, o Executivo está espremido por ações do Judiciário e do Legislativo. Notamos isso principalmente na questão orçamentária. Sou crítico da ação do Congresso Nacional em indicar onde deve ser gasta determinada verba. 
O governo foi perdendo o poder, e o Congresso se apossou dele. O Executivo deveria preparar a peça orçamentária com base nas políticas públicas e remetê-la ao Congresso. A Casa analisaria e colocaria as prioridades de acordo com a sociedade. Por fim, o Executivo executa. Mas isso não está acontecendo. 
Todas as brigas que ocorrem estão centradas na execução orçamentária.
E o Judiciário tem interferido constantemente em decisões do Legislativo.

O Judiciário resolveu fazer uma legislação propositiva e legislar. Isso gera uma insegurança jurídica muito grande. Temos uma total inversão do processo legal. A Suprema Corte tem inquéritos onde o relator é investigador, acusador e vítima. É um absurdo. Essa situação precisa ser solucionada com um acerto entre os três Poderes para que cada um volte a atuar em suas áreas. 

Qual é a sua avaliação sobre a relação do atual governo com o Congresso?

Esse governo tem uma dicotomia política, pois assumiu sem nenhum plano de gestão. Parece que eles nem esperavam ganhar a eleição. Não havia um planejamento. O governo também é velho, porque o presidente está olhando 20 anos para o passado
Ele não tem o costume de ler ou de estudar. Além disso, é uma gestão raivosa, pois passou um período na cadeia. O presidente chamou alguns partidos para compor a Esplanada, mas as legendas não obedecem. Vejo uma articulação muito fraca do governo.
 
A CPMI do 8 de janeiro começou com uma forte blindagem do governo e de alguns nomes. O senhor acha que a comissão pode contribuir para elucidar tudo o que aconteceu naquele dia em Brasília?

O grupo que queria instalar inicialmente a CPMI, a oposição, não conseguiu assumir o controle da comissão
Então ela se tornou uma guerra de narrativas. 
É claro que o governo vai pautar apenas o que lhe interessa.                      O 8 de janeiro foi uma grande baderna, promovida por um grupo pequeno que depredou o patrimônio público. 
Houve uma análise de risco errada por parte do governo. 
A segurança não se preparou para bloquear a Esplanada, e deu nisso. Agora, outra coisa é tentar emplacar que foi uma tentativa de golpe de Estado. Isso é uma “forçação” de barra absurda. Ou alguém acha sério que aquele grupo iria dar um golpe de Estado sem bombas, tiros e prisões?

Menos de seis meses depois de assumir o governo, o presidente Lula recebeu o ditador Nicolás Maduro em solo brasileiro. O senhor foi vice-presidente da República num governo que rompeu relações diplomáticas com a Venezuela. Fez um duro discurso sobre isso na tribuna do Senado.

Um dos erros do governo Jair Bolsonaro foi ter rompido relações com a Venezuela. Era importante ter deixado um encarregado de negócios ou alguns militares em Caracas. Agora, ficar batendo palma para o Maduro e dizer que o que acontece na Venezuela é uma narrativa é inversão dos valores.

“A indicação de Cristiano Zanin feriu os princípios da impessoalidade. Além disso, não acho que ele possua um notório saber jurídico, que a Constituição prevê como sendo uma qualificação de um ministro do Supremo”
 
Não foi só essa a mudança nas relações exteriores. Houve manifestação do presidente a favor da Rússia na guerra contra a Ucrânia, críticas ao dólar como moeda corrente internacional, a questão no Oriente Médio a favor da Palestina contra Israel. 
Qual é o estrago na diplomacia?

Isso ocorre porque temos dois chanceleres: o Celso Amorim, que é o chanceler de fato, e o Mauro Vieira, que é o chanceler de direito. 
O Mauro Vieira, quando veio ao Congresso Nacional em audiência pública, falou da diplomacia presidencial, que está sendo um desastre neste governo. 
O Lula fala de determinados assuntos de que não tem conhecimento nenhum e depois não entende a repercussão das suas declarações. 
Ele foi falar em combater o desmatamento num encontro com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden; depois foi à China para falar mal dos Estados Unidos…  
Falou mal da União Europeia e agora recebeu a Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, no Brasil. 
Ele não entende o que é o G20 (grupo formado por ministros das finanças e presidentes de bancos centrais das maiores economias do mundo). 
 
O advogado Cristiano Zanin deve ser sabatinado na próxima semana pelo Senado para assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Como a oposição pretende agir nessa sabatina?

Pelos corredores, podemos ver que o pessoal já se rendeu. Para mim, o Zanin é um excelente advogado, com uma excelente reputação, mas não considero a escolha dele boa. 
A indicação feriu os princípios da impessoalidade. Além disso, não acho que ele possua um notório saber jurídico, que a Constituição prevê como sendo uma qualificação de um ministro do Supremo. 
Zanin vai ser aprovado facilmente, com mais de 50 votos. 
Ainda não me encontrei com ele, mas vou para um almoço da bancada do Republicanos e devo vê-lo por lá.

Ainda sobre o Judiciário, o ministro Dias Toffoli afirmou que o país tem um Poder Moderador — ainda que isso estivesse previsto na extinta Constituição Imperial de 1824. 
Na prática, o que está em curso no Brasil?

A Suprema Corte está navegando na inconstitucionalidade.  
Os princípios do juiz natural, da segregação de funções na investigação e no processo penal estão sendo feridos
Qualquer professor universitário de Direito Constitucional tem de fazer um malabarismo para explicar aos alunos o que está acontecendo no Brasil. Quem pode distensionar isso é o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os próprios ministros do Supremo ou os senadores.
 
O senhor acredita que o ex-presidente Jair Bolsonaro pode se tornar inelegível no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na próxima semana?

Podem até deixá-lo inelegível,
mas aí ele pode recorrer da decisão anos depois e conseguir a liberdade para se eleger. Igual fizeram com o atual presidente. Condenaram o Lula e, depois, o “lavaram” para que ele pudesse concorrer à Presidência da República. 
 
Muitos políticos e analistas afirmam que, mesmo inelegível, Bolsonaro poderá seguir como líder da oposição no Brasil. O senhor está de acordo?

Atualmente, Bolsonaro está em uma situação difícil, na defensiva. Ele não está se pronunciando politicamente, nem mesmo pelas redes sociais. Ele precisa vencer esses processos dele e, ainda que se torne inelegível, ele pode, como presidente de honra do PL, percorrer o Brasil, mobilizar os apoiadores e participar da próxima eleição presidencial escolhendo um nome para apoiar.
 
Depois de todo o processo que o Brasil passou pós-eleição, a imagem das Forças Armadas ficou arranhada para o eleitor conservador. Como o senhor avalia isso?

É um processo, assim como aconteceu no pós-regime militar. A Marinha e a Força Aérea nunca entraram nesse pacote, mas o Exército, sim. 
Ocorre que isso é de uma incompreensão muito grande por parte da sociedade. Sempre pergunto quando me abordam: 
 “Vocês queriam um golpe de Estado? 
Como ele se daria? 
Iriam destituir todos os governadores e o Congresso? 
Eu, que era vice-presidente, seria preso? 
Qual era a finalidade desse golpe de Estado? 
Fazer uma nova eleição ou manter o Bolsonaro como ditador?”. 

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Um outro país - William Waack

O Estado de S.Paulo

Bolsonaro precipitou mudanças institucionais, algumas contra ele

Em geral, ficou demonstrado que se confia mais no que dizem os médicos e técnicos da saúde pública do que nas palavras do presidente.

Entre os vários medos à disposição parece claro que as pessoas permaneceram apegadas ao medo de morrer, o mais natural de todos. A grotesca forçada de barra dos “gênios” de comunicação de Bolsonaro – a falsa dicotomia entre empregos ou saúde – voltou-se contra o próprio presidente. Em geral, ficou demonstrado que se confia mais no que dizem médicos e técnicos em saúde pública do que nas palavras do presidente.

[inserção do vídeo pelo Blog Prontidão Total - VÍDEO DE UMA APOIADORA.O Povo exige a normalidade




 "...A mulher pediu que se retorne à normalidade produtiva. Depois de ouvir a reclamação, por três minutos, Bolsonaro concordou que aquele era o mesmo pensamento de milhões de brasileiros.


A imagem, com bastante chance, será oportunisticamente censurada pela imprensa. Ainda bem que as redes sociais ainda conseguem cumprir seu papel de difusor de informação. O "isolamento social", empregado como exagerado remédio, já causa prejuízos incalculáveis à economia brasileira, gerando o caos para quem sobrevive, principalmente, na chamada economia informal. ...]

Edição Extra do Alerta Total – www.alertatotal.net

O resultado, bastante previsível dada a correlação das forças políticas, foi mais um encurtamento da caneta presidencial. A diminuição do seus poderes vem de uma combinação de restrições institucionais que dificilmente desaparecerão quando a urgência da questão de saúde pública amainar, e ninguém sabe quando. Tem como mais recente exemplo a articulação para a aprovação do tal “orçamento de guerra”, que não é outra coisa senão a definição de responsabilidades políticas e administrativas na utilização de recursos para enfrentar uma situação de calamidade nacional.

Para ter acesso aos fundos com os quais pretende combater a inevitável recessão, o próprio ministro Paulo Guedes assinalou que precisa de uma PEC (sim, tudo no Brasil passa por mudar algum artigo da Constituição e, portanto, pelo Congresso) que regula rigidamente como o Executivo atuará, dando amplas prerrogativas ao Legislativo e ao Judiciário. Na prática, o chefe do Executivo não faz nada na gestão de crise sem consultar previamente os outros Poderes. [a necessidade de uma PEC é consequência de tudo que o presidente Bolsonaro tenta realizar, no cumprimento do mais DEVER/DIREITO de um Presidente da República, é bloqueado por ser constitucional.
O ministro Guedes sabendo  de tal circunstância se antecipa e já pede uma PEC - pediu no dia 31 passado e o Maia está tentando 'pecar' na próxima semana.]


A chave para entender o que se convencionou chamar de “isolamento” do presidente está em dois fatos concomitantes, um de fundo e o outro bem escancarado. O de fundo é o Legislativo atuando diretamente em entendimento com governadores e prefeitos, além de uma série de entidades representando setores da economia, ao largo do Planalto. O Judiciário entrou nessa articulação desde o primeiro momento, há mais de 15 dias. O presidente ficou de lado.

O segundo foi o escancarado comportamento institucional do “dream team” de ministros (Sérgio Moro, Paulo Guedes e Henrique Mandetta), além dos militares. Prevaleceu entre eles a reiteração de que obedeceriam à norma técnica – para todos os efeitos práticos, deixaram Bolsonaro falando sozinho contra o isolamento social. Chegava a ser constrangedor assistir ao contorcionismo verbal com o qual esses ministros tratavam de “traduzir” bobagens ditas ou feitas pelo presidente ao mesmo tempo em que se esforçavam para não apoiá-las.

Os tais famosos “bastidores” (pedacinhos de informação a respeito dos quais nunca se sabe exatamente o que é fato e o que é fofoca) em Brasília indicam que Bolsonaro esteve, sim, à beira de provocar grave crise ao considerar decretos que suspenderiam medidas restritivas tomadas por governadores, preso à paranoica noção de que é alvo de conspirações e superestimando a claque de apoiadores que chama de “povo”. Ao mesmo tempo em que deflagrava campanha política usando também recursos públicos.

Tomou uma freada brutal em público e em privado. O STF o proibiu de seguir adiante com a campanha “O Brasil não pode parar”. Em conversas reservadas, mais de um ministro garantiu que o Judiciário derrubaria qualquer decreto de Bolsonaro que fosse contrário ao isolamento social. [fica evidente que o STF antecipa posições, violando o principio ético e legal de que juízes não podem, nem devem, antecipar votos.] E, em privado, ele ouviu o seguinte recado de uma importante autoridade da qual dependem várias investigações de interesse direto também do presidente: “Não vou ser coautor de um genocídio”.

O fenômeno da contestação da autoridade presidencial, como aconteceu agora, pertence à categoria “gênio que não volta para dentro da garrafa”. Ou seja, trata-se de consequências políticas duradouras.  Mas há outros gênios que não voltarão para a garrafa: em prazo recorde houve flexibilização de leis trabalhistas, suspensão do teto de gastos, alterações em regimes de contratação, desengessamento do Orçamento. Teremos um outro país.

William Waack, jornalista - O Estado de S.Paulo


quinta-feira, 26 de março de 2020

Sopa para o azar - William Waack

O Estado de S.Paulo

Bolsonaro escorregou feio na falsa disputa entre saúde da economia e saúde das pessoas

No Brasil, a ideia de morrer pela coletividade é um conceito distante. A complacência com a morte e a violência é o que expressa melhor um traço da nossa sociedade – basta observar como nós, brasileiros, conseguimos conviver com taxas horrendas de criminalidade há tanto tempo. Enquanto nos orgulhamos e exaltamos a nossa cordialidade, bom humor e alegria de viver.  Com decisiva ajuda do presidente Jair Bolsonaro, mas não só dele, o debate sobre a crise do coronavírus e suas consequências aqui descambou para um ácido maniqueísmo entre saúde das pessoas versus saúde da economia. Debate que, no fundo, mal encobre uma falsa dicotomia. Não dá para separar uma coisa da outra.


Eliane Cantanhêde comenta discurso de Jair Bolsonaro
[oportuno lembrar:os inimigos do Presidente Bolsonaro se sentiram no direito, e em condições, de determinar que Mandetta renunciasse - ele não renunciou e certamente lhe faltou a motivação para tanto, que só foi vista pelos inimigos do Brasil.]

No extremo lógico do argumento abraçado por Bolsonaro vamos chegar a uma questão ética que ele provavelmente nem percebe, e que está contida na expressão “darwinismo social”. Simplificando bastante, significa tolerar que os mais frágeis sucumbam, pois assim determinam as “leis” da evolução social – além da noção (pouco difundida na nossa sociedade) do “bem comum”.

Bolsonaro e a defesa que faz da “saúde da economia” (simploriamente, ele deixou-se identificar com um lado na falsa dicotomia) espelham o fato de a sociedade brasileira tolerar a convivência com brutalidade (e desigualdade e miséria), mas, como cálculo político, traduz um perigoso erro de leitura da realidade. Pois, em política, mesmo com nossas notórias hipocrisias, ninguém conseguirá sobreviver associado à noção de que os mais frágeis precisam perecer pelo bem comum da economia.

Bolsonaro não é um jogador de xadrez e, por isso, é difícil assumir que seus atos sejam uma sequência de lances. Ele é um ser político intuitivo que reage a estímulos dados por um grupo restrito de “conselheiros” obcecados por posturas ideológicas que pouco passam de fantasias perigosas, à paranoia das “conspirações” e ao cálculo prático de quais vantagens políticas se oferecem no prazo mais imediato. Além de copiar o deus Trump, que viu os índices de popularidade subirem quando começou a falar que as pessoas querem voltar a trabalhar.

No caso da crise do coronavírus, ele a enxerga como uma ameaça pessoal trazida pela deterioração provável (só se discute o tamanho) da economia e, consequentemente, dos seus índices de aprovação e chances eleitorais. Ocorre que, nessa competição para superar adversários eleitorais reais ou imaginários – governadores de Estado –, ele abriu uma fissura institucional de consequências políticas difíceis de serem antecipadas (só se discute o tamanho).

É o fato de que passaram a existir várias autoridades no enfrentamento da crise, em vários níveis da Federação. Sem que exista – além da formalização de comitês vários – uma liderança central que seria essencial para enfrentar o que vem por aí, em qualquer sentido. Ao contrário do que parece supor Bolsonaro, o público dificilmente fará uma distinção entre quem disse o quê neste momento sobre como combater a crise.  “Quem tinha razão” vai importar muito pouco lá na frente, pois o Paísparte-me o coração ter de dizer isso já entrou na dupla catástrofe de saúde pública e de economia devastada. A questão da liderança surge mais uma vez como um peso negativo no enfrentamento de nossos problemas – faltaram lideranças consequentes em todos os graves episódios e, sobretudo, lideranças com visões além dos seus interesses políticos mais próximos.

Terminei o texto da semana passada afirmando que o coronavírus era uma ameaça grave para Jair Bolsonaro. Entendido, como ele foi, como uma liderança surgida numa onda disruptiva, a onda de 2018. Não calculava, porém, que a crise pudesse diminuí-lo com tanta rapidez. É o que acontece, como se diz em gíria, quando alguém se empenha em dar tanta sopa para o azar.

William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo


quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Dicotomia - O Estado de S.Paulo

Zeina Latif

O aumento do consumo não é para todos. São 17 milhões de desocupados e desalentados

O mercado financeiro é só alegria. A bolsa bate recordes, impulsionada por juros baixos e a boa perspectiva de crescimento para 2020. O mercado de capitais registra expressivo aumento na emissão de dívida das empresas por conta do (necessário) encolhimento do BNDES – iniciado por Joaquim Levy quando ministro da Fazenda de Dilma – e das condições favoráveis para a captação de recursos internamente. Foi um ano muito positivo para indústria de fundos, que se beneficiou do corte dos juros pelo Banco Central. Os investidores celebram os ganhos obtidos no ano.

A euforia, no entanto, não é integralmente compartilhada pelo setor produtivo, até porque o mercado de capitais reflete as perspectivas do “grupo de elite”, e não da totalidade das empresas. Apesar da melhora nos indicadores, a confiança dos empresários continua abaixo da linha d’água de 100 pontos, indicando pessimismo de uns tantos. Muitas empresas enfrentam dificuldades financeiras e de acesso ao crédito. No varejo, as vendas estão próximas dos patamares pré-crise, enquanto a produção da indústria está 15% abaixo. O primeiro se beneficia da volta do crédito ao consumidor, enquanto o segundo sofre com a baixa competitividade em relação aos importados.

O sensível aumento do consumo não é para todos. Os desocupados e desalentados, que totalizam mais de 17 milhões de pessoas, não foram chamados à festa e alimentam a desigualdade, que sobe desde 2015. A inflação seguiu baixa, a exemplo dos últimos anos, mas o custo da cesta básica (entre R$ 325 e R$ 474 em outubro) é elevado, empurrando muitos para baixo da linha de pobreza. Em 2018, eram 13,5 milhões vivendo na miséria (renda mensal per capita abaixo de R$ 145 ou US$ 1,90 por dia no critério de paridade do poder de compra), o que significa 6,5% da população; um salto em relação aos 4,5% de 2014.

Esse quadro explica a divisão do País quando o assunto é a aprovação do governo. Bolsonaro tem apoio das classes mais privilegiadas, enquanto as mais populares desaprovam sua gestão. O crescimento econômico mais robusto contratado para 2020 talvez ajude a reduzir essas dicotomias presentes entre setores e entre indivíduos. A conferir. E o ritmo poderá ser muito lento tendo em vista o retrocesso nos indicadores sociais nos últimos anos.Segmentos da economia pouco produtivos não irão se beneficiar satisfatoriamente do melhor momento econômico, reforçando o quadro de lenta recuperação do mercado de trabalho. Além disso, a crise prolongada causou deterioração da qualidade da mão de obra, reduzindo a empregabilidade de muitos.

É preciso trabalho para que 2020 não seja uma brisa, mas sim o início de um futuro mais próspero e justo. O ano de 2019 foi de importantes avanços, mas também de oportunidades perdidas. Em que pese a aprovação de uma potente reforma da Previdência e a gestão responsável das contas públicas, confirmou-se o temido cenário de uma fraca agenda de reformas no segundo semestre. O governo encaminhou tardiamente ao Congresso novas medidas de ajuste fiscal. Há várias matérias tramitando, mas falta estratégia política, definindo prioridades e fazendo a lição de casa na articulação. Governar não é só enviar matérias ao Legislativo.

Assistimos à venda de ativos pelas estatais, mas não à privatização das empresas. A capitalização da Eletrobras, que deveria ser prioridade do governo, patina.[a patinação não é por incompetência do Executivo e sim por intervenções do Judiciário.
Vivemos em um país em que um projeto de lei aprovado por 300 deputados e 50 senadores - robusta maioria - em torno dos  60% nas duas casas - pode ser suspenso por uma decisão monocrática, liminar de um ministro do STF.] O marco legal de telecomunicações foi aprovado, mas ainda se aguarda o do saneamento, que ficou para 2020. Faltou empenho do governo. Na infraestrutura, foram realizados 27 leilões de concessão, mas a lei das concessões e parcerias público-privadas sofreu ataques de segmentos do próprio governo e ficou para 2020. Enquanto isso, nada se avançou na reforma tributária, apesar da grande disposição de lideranças na Câmara. Foi também um ano praticamente perdido na abertura da economia e na educação.

Que em 2020 sejamos mais ambiciosos e consigamos diminuir a dicotomia. Estamos todos no mesmo barco.

Zeina Latif, economista - XP Investimentos - O Estado de S. Paulo


terça-feira, 16 de junho de 2015

Espalhafatosa defesa da criminalidade



A distorção da atual legislação está, visivelmente, ampliando aquilo que pretende evitar e desprotegendo aqueles que pretende resguardar. Por isso aumenta a criminalidade entre os jovens.

A gritaria da deputada Maria do Rosário  impõe alguns comentários. Os adjetivos selecionados pela oradora visam a criar uma dicotomia, onde a perversidade está nos deputados favoráveis à redução da maioridade penal e a bondade nas "organizações sociais" que a ela se opõem. De onde saiu a ideia de que a defesa da sociedade, mediante a privação da liberdade dos criminosos, é um ato mau? A deputada acusa a comissão, também, de estar assumindo uma ideologia de classe que é, por definição, a ideologia dela mesma, como petista e ex-PCdoB. Por isso, fala como se a redução da maioridade penal visasse seleção por classe social. Foi Sua Excelência e não a comissão ou o projeto que quis pautar o assunto como conflito de classe.


Tomada pela ira, sem pedir licença ao bom senso, afirma que "eles estão tentando aqui é colocar na prisão não os que matam, não os que cometem crimes bárbaros". Enorme esforço retórico para sair da sinuca de um discurso sem pé nem cabeça. Em sua exaltação cotidiana, sempre preocupada com os criminosos e desinteressada de suas vítimas, afirma, também, que o Código Penal não resolve o problema da criminalidade. Mas o Código Penal, deputada, não existe para isso. Ele existe para punir culpados, para reduzir a sedução da vida criminosa e para que o condenado, no dizer deles mesmos, "pague sua conta com a sociedade". O que a senhora deseja, a retificação da vida do criminoso, é uma das tarefas do sistema penitenciário e não do Código Penal. Aliás, para que o sistema (bem preparado para isso) faça o que a senhora pretende é necessário, primeiro, que o bandido seja preso. Precisarei desenhar?

"Cinquenta mil presos a mais" não reduziram a insegurança social? E graças a qual estranho para-efeito isso virou motivo para que se desista de prender bandidos? Entende-se, assim, o motivo pelo qual o governo da deputada jogou a sociedade no atual nível de insegurança, sem vagas nos presídios, sem controle de fronteiras, desarmando os cidadãos de bem e se opondo à redução da maioridade penal, numa sequência de condutas que ofendem o bom senso. Quantos marmanjos de 16 anos merecem, de fato, ser tratados como inimputáveis, irresponsáveis e incapazes? 

A legislação penal já prevê a inimputabilidade dos que o forem, independentemente da idade! Chega a ser desrespeitoso tratar um marmanjo de 16 anos como se fosse criança, e criança pequena mal educada, incapaz de distinguir o certo do errado. A distorção da atual legislação está, visivelmente, ampliando aquilo que pretende evitar e desprotegendo aqueles que pretende resguardar. Por isso aumenta a criminalidade entre os jovens. E, não por acaso, são eles mesmos, as primeiras e principais vítimas da regra cega que a deputada se esforça em preservar. 

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