As últimas artimanhas
Lula e sua defesa preparam uma coleção de chicanas
jurídicas para levar a ilusão de sua candidatura o mais longe possível
O
ex-presidente Lula está preso há pouco mais de 100 dias. Condenado por
corrupção e lavagem de dinheiro em segunda instância, também se encontra
enquadrado na Lei da Ficha Limpa, que foi sancionada por ele mesmo em 2010,
depois de aprovada com os votos dos parlamentares petistas. Apesar dessa dupla
restrição, de presidiário e ficha-suja, o PT anunciou o nome de Lula como
candidato do partido à Presidência da República, com o ex-prefeito de São
Paulo Fernando Haddad como vice. A decisão, que representa um desafio à lei,
tem como objetivo impedir a dispersão do eleitorado de Lula e sua migração para
outros concorrentes, o que dificultaria a transferência de votos do
ex-presidente para Haddad. Pode-se tentar explicar isso como uma ousada e
legítima estratégia eleitoral. Mas não é só isso.
Líder nas
pesquisas, Lula pretende arrastar a decretação definitiva de sua
inelegibilidade, com recursos e chicanas jurídicas, para até 17 de setembro. Se
esse objetivo for alcançado, a Justiça Eleitoral não terá tempo hábil para
tirar sua fotografia da urna eletrônica. Parece um capricho pessoal, mas é uma
artimanha eleitoral. Com a foto de Lula na urna, mesmo não sendo candidato, o
PT acredita que conseguirá captar os votos dos incautos, dos menos informados e
também daquele eleitorado apaixonado pela figura do ex-presidente que não
hesitaria em confirmar o voto ao ser confrontado com a imagem dele, mas sem
saber que estaria elegendo um fantasma. É este o plano extraordinário de Lula e
do PT: esticar a corda e, quem sabe, ludibriar o eleitor.
Para
materializar o plano, primeiro é preciso fazer com que os eleitores acreditem
que Lula é realmente “candidato” — uma série de ações políticas nessa direção
já está sendo posta em prática. E, para obter êxito, o que significa manter a
fotografia de Lula na urna eletrônica, o partido aposta nas chicanas jurídicas.
Desde o domingo 5, a partir da convenção do PT, “candidato” e partido passaram
a seguir um guia criado para impulsionar a candidatura de Lula.
Abaixo, um
almanaque dos ardis do petista para chegar lá.
Chapa-fantasma: na data-limite prevista na
legislação, 5 de agosto, o PT anunciou que Lula será o candidato do partido à
Presidência da República, com Haddad de vice. Na prática, os petistas sabem que
Haddad será o cabeça da chapa, com Manuela D’Ávila (PCdoB) no posto de vice.
Com o jogo de cena, tenta-se facilitar a transferência de votos de Lula para o seu
substituto.
(...)
Candidato-fantasma: Lula pediu à Justiça autorização
para participar de entrevistas, sabatinas e debates. Como o pedido foi
recusado, solicitou às emissoras de TV que montem um púlpito com o seu nome no
cenário dos programas. O objetivo é mantê-lo vivo no imaginário do eleitorado. [manter um púlpito com o seu nome foi um pedido recusado pelas emissoras.]
(...)
Politizar
o processo: Lula
escalou uma equipe de advogados eleitorais para reunir jurisprudência favorável
a ele em todas as etapas de recursos no TSE. Cada movimento processual deve ser
transformado em fato político para reforçar a ideia de que o ex-presidente é
perseguido pela Justiça. A palavra de ordem é manter pressão permanente sobre
os juízes.
Chicanas
no STF:
sacramentada a inelegibilidade de Lula pelo plenário do TSE, sua defesa vai
recorrer ao Supremo. O STF, no entanto, já tem posição consolidada em favor da
Lei da Ficha Limpa e tende a referendar a inelegibilidade.
Pedidos
de liberdade: a defesa
de Lula apresentará recursos ao Supremo e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ)
pedindo a suspensão de sua condenação em segunda instância, o que o retiraria
do âmbito da Lei da Ficha Limpa e lhe garantiria a liberdade e o direito de
concorrer.
Com esse
almanaque de movimentos jurídicos, Lula e o PT pretendem fazer o máximo para
manter o nome do ex-presidente vivo no imaginário do eleitor. Isso ajuda a
preservar sua capacidade de transferência de voto — que não é nada desprezível
— e reforça a ideia da perseguição. O PT cogitou até apresentar um holograma de
Lula na convenção partidária, mas acabou desistindo da ideia. A determinação
partidária, no entanto, é explorar sempre que possível vídeos e áudios do
petista, especialmente aqueles gravados às vésperas de sua prisão.
(...)
Pela lei
e pela jurisprudência, não há dúvida de que Lula será proibido de concorrer, e
mesmo o PT já deu mostras de que sabe disso, tanto que anunciou Haddad como
substituto na cabeça de chapa. Na convenção do partido, petistas falavam
abertamente no “candidato do Lula”, e não mais em “Lula candidato”. Formalizado
às 23h58, apenas dois minutos antes do fim do prazo legal, o acordo entre PT e
PCdoB foi embalado num misto de chiste e provocação. Nas redes sociais, Lula,
Haddad e Manuela foram festejados pelos apoiadores como “o verdadeiro tríplex”
— em referência ao notório tríplex no Guarujá que rendeu ao ex-presidente a
condenação à cadeia.
(...)
A
tentativa do PT de prolongar a candidatura-fantasma de Lula enfrentará forte
resistência na Justiça Eleitoral. A partir do dia 15, o tribunal será presidido
pela ministra Rosa Weber, defensora da Lei da Ficha Limpa, e terá uma
composição mais punitivista
Os ministros do
TSE querem evitar que a foto do ex-presidente esteja na urna no dia da votação,
o que representaria a desmoralização da lei e da própria corte. O debate
promete ser renhido.
Contratado pelo PT, o advogado Luiz Fernando Pereira
garimpou os casos de mais de 140 políticos considerados fichas-sujas que
conseguiram disputar as eleições municipais de 2016. Os casos servirão para
ilustrar a tese de que há precedentes a permitir a candidatura de Lula, embora
sejam processos completamente diferentes entre si. Para decretar a
inelegibilidade do ex-presidente o mais rápido possível, gesta-se o seguinte
plano: a apresentação de uma consulta ao TSE sobre a legitimidade de um réu
denunciado ou condenado concorrer à Presidência. Ao analisá-la, os ministros
poderiam, na sequência, rejeitar o pedido de registro da candidatura de Lula.
Depois da
rejeição do registro, haveria a apresentação de um pedido cautelar para bani-lo
da campanha. O argumento é que a Lei das Eleições deve preservar expectativas
legítimas do eleitor, como a de votar em políticos que podem efetivamente ser
eleitos, e mitigar o ônus social causado por um processo que não vai dar em
nada. Ou seja: a cautelar acabaria com tumultos desnecessários. “A tutela de
evidência pode ser aplicada porque é evidente que Lula não pode ser candidato”,
disse um ministro do TSE sob a condição de manter sua identidade sob reserva. A
Lei da Ficha Limpa tem uma história irônica. Lula e o PT, que hoje querem
contorná-la, foram entusiastas da medida na época de sua aprovação. Já o
ministro do STF Gilmar Mendes se revoltou contra o texto e afirmou, na época,
que fora concebido sob medida para beneficiar o PT e eliminar seus adversários
do processo eleitoral.
A
denúncia de Gilmar Mendes baseava-se em um caso concreto. O ex-governador
Joaquim Roriz, então do PSC, era adversário figadal do PT e concorria ao
governo do Distrito Federal com o petista Agnelo Queiroz.
Como Roriz já tinha
condenação em segunda instância, os partidos de esquerda pediram a impugnação
de sua candidatura com base na então novata Lei da Ficha Limpa. Roriz recorreu
ao STF, e Gilmar Mendes, ao analisar o caso, viu ali o espectro de um fantasma.
Disse que a Lei da Ficha Limpa era um instrumento do PT para aniquilar
adversários. Mas há mais uma ironia. Roriz, antecipando sua derrota no STF,
retirou a candidatura e colocou no lugar a de sua mulher, Weslian. Só que a
Justiça Eleitoral não teve tempo de trocar a foto na urna eletrônica. Ficou a
foto de Roriz, mas a candidata de verdade era Weslian. Agora, oito anos depois,
os papéis estão invertidos. Gilmar Mendes deve ter descoberto que a Ficha Limpa
não existe só para adversários do PT, e Lula está querendo dar uma de Joaquim
Roriz e manter sua foto na urna eletrônica. Aviso: Roriz perdeu a eleição
apesar da artimanha.
Com
reportagem de Eduardo Gonçalves
Apesar
das chicanas programadas, a “candidatura” do ex-presidente Lula deve ser
desmontada até o fim de agosto. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), reconhecem
os próprios advogados, tem sido cada vez mais rigoroso contra irregularidades
praticadas por candidatos. Nesta quarta-feira, 15, a corte passará a ser
presidida pela ministra Rosa Weber, a quem caberá conduzir os trabalhos para
garantir a normalidade das eleições de outubro. Reservada, ela não dá
entrevistas. Na única vez em que se manifestou sobre os desafios da corte
eleitoral sob sua gestão, Rosa resumiu: “Eu sei da enorme responsabilidade que
me aguarda neste ano de 2018, em que o país se encontra em meio a uma disputa
tão acirrada, com tantas divisões”.
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