Guedes ficou calado sobre proposta que acenderia fósforo em tanque de gasolina - Míriam Leitão Guedes
O Globo
As palavras e a falta delas
O ministro Paulo Guedes passou a semana
em silêncio diante do presidente Bolsonaro exibindo a sua
irresponsabilidade fiscal. Bolsonaro prometeu abrir mão de R$ 27 bilhões
de impostos em favor dos donos de veículos caso os estados façam o
mesmo. Guedes não contraria o chefe nem quando ele ataca frontalmente
seu projeto de equilíbrio fiscal e de fim de subsídios. Na manhã de
ontem foi de uma extrema loquacidade sobre quase tudo. No caso da
reforma administrativa, ele chamou os servidores de “parasitas”. De
tarde, em nota, disse que sua fala fora tirada do contexto.
A reforma administrativa é parte do esforço de ajustar as contas do
país, mas ainda não se conhece o projeto do governo federal, apesar da
insistência com que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a defende. No
Rio Grande do Sul, o governador Eduardo Leite acaba de aprovar, sem
alarde e sem ofensas, a reforma gaúcha. Ela muda o plano do magistério
que estava em vigor há 45 anos. E fez isso, porque, como explicou ontem
em entrevista à CBN, só após ajustar as contas é possível reduzir
impostos.
Bolsonaro falou abertamente que pode abrir mão de todos os impostos
sobre combustíveis. Não chamou qualquer governador para conversar sobre o
assunto, mas fez desafio público de que eles zerassem o ICMS. Se os
governadores fizessem isso estariam incorrendo em crime pela Lei de
Responsabilidade Fiscal. O ministro Paulo Guedes permaneceu em silêncio
diante dessa proposta que do ponto de vista fiscal seria acender fósforo
em tanque de gasolina.
A reforma administrativa é necessária e terá que resolver problemas
reais. Os últimos concursos ofereceram aos servidores uma progressão
rápida demais nas carreiras e com poucos anos o servidor chegava ao
topo. É preciso ter carreiras que não causem desequilíbrios e
distorções. É preciso ter promoções que não sejam automáticas. O que se
ouve dentro do governo é que é improvável que se consiga mudar o
presente, por isso as mudanças serão apenas em relação aos futuros
servidores. É bom lembrar que o governo atual manteve, até para os que
vierem no futuro a entrar nas Forças Armadas, benefícios que os
funcionários civis já perderam, como a paridade e a integralidade.
Evidentemente não é possível começar a reorganizar a máquina pública
chamando indistintamente os servidores de parasitas de um hospedeiro à
morte. São inúmeros, incontáveis mesmo, os que têm a vocação para o
serviço público, e que têm protegido os interesses coletivos em épocas
de ataques sistemáticos a diversas áreas do Estado. É preciso saber a
diferença entre combater privilégios e ofender todo o corpo de
servidores. Na campanha, Guedes falou tanto em acabar com os subsídios.
Aparentemente, perdeu o ímpeto. Estão lá R$ 300 bilhões de gastos
intocados, e se fosse concedida a isenção aos combustíveis que Bolsonaro
propõe o valor aumentaria. — A imprensa está perdendo tempo, mas eu não posso falar mal da
mídia, porque ela apoia tudo na pauta econômica. É na pauta política que
o pau está comendo ainda — disse Paulo Guedes para essa plateia da
Fundação Getúlio Vargas (FGV) que aplaudiu quando ele disse que a
imprensa “gira sem foco” porque perde tempo dando destaque “quando se
xinga mulher feia”.
O ministro Paulo Guedes falou como sempre daquela forma solta. Depois
reclamou quando viu a notícia publicada. Já aconteceu inúmeras vezes.
Ontem foi apenas mais uma vez. Na parte da tarde, ele, em nota, disse
que a frase sobre os servidores fora tirada de contexto e culpou a
imprensa. Este é um governo que passa o tempo todo tropeçando nas
próprias palavras.
Guedes se atrapalha quando fala sem pensar previamente que recado
quer entregar, que é a regra número um na comunicação. Ele, por exemplo,
se equivoca todas as vezes que trata da questão ambiental. Ontem disse
que a França criticou as queimadas na Amazônia porque tem medo das
exportações agrícolas brasileiras. A fantasia só não é maior do que o
que está no relatório dos militares brasileiros divulgado ontem pela
“Folha de S. Paulo”, sobre os riscos das próximas duas décadas. Em todos
os cenários a França é uma ameaça ao Brasil e pode [tentar] invadir a Amazônia.
[o 'balão de ensaio' que o Macron lançou sobre internacionalizar a Amazônia não deixa dúvidas.] Os que têm tal delírio persecutório devem desconhecer que houve a
batalha de Waterloo e que o país europeu não é mais uma potência
napoleônica.
Blog da Míriam Leitão, colunista - Com Alvaro Gribel (de São Paulo) - O Globo
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