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domingo, 1 de outubro de 2017

Condenados por corrupção apostam na lentidão da Justiça



Acusados recorrem a uma série de manobras protelatórias, e, no extremo, até à fuga do país, para retardar o cumprimento da pena



Entre uma tentativa e outra de prisão, o que não falta é manobra protelatória para evitar que criminosos parem atrás das grades. Não bastasse a lentidão dos processos no país, há quem lance mão de um outro subterfúgio: uma passagem só de ida para o exterior, de preferência um destino que não tenha acordo de extradição com o Brasil. Condenados por corrupção fazem todo tipo de ação para evitar o cumprimento da pena: trocar de advogados no meio do processo para adiar um julgamento, entrar com uma infinidade de recursos e também jogar com a possibilidade de prescrição. 

Em meio à sensação de impunidade à corrupção, o escândalo do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP), em 1998, cuja construção envolveu um desvio de R$ 3,1 bilhões, pode até parecer um caso de sucesso, assim como a Lava-Jato. Afinal de contas, mandou para a prisão seus dois principais alvos: o juiz Nicolau dos Santos Neto e o ex-senador Luiz Estevão. Mas um dos envolvidos, o empreiteiro José Eduardo Ferraz, da Incal, só foi preso no último dia 20 de setembro.

Quase 20 anos depois do escândalo, o empresário dispensou os advogados duas vezes às vésperas de sua condenação na segunda instância, em 2015, conseguiu anular uma das sentenças e, quando o mandado de prisão foi expedido, no ano passado, passou 11 meses foragido até ser preso semana retrasada na Marginal Pinheiros.

Seu caso se junta a muitos outros processos de autoridades em crimes de colarinho branco no Brasil. Quem tem cargo político sai na frente. Os políticos possuem foro privilegiado e são julgados apenas pelo Supremo Tribunal Federal (STF): em mais de três décadas de existência desde a redemocratização, foram 17 condenações de políticos e, dos mais de 700 mil presos, menos de 1% continua atrás das grades por crimes contra a administração pública, segundo relatório de 2016 do Conselho Nacional de Justiça.

Privilégios na casta da República
Procurador da força-tarefa da Lava-Jato, Diogo Castor de Mattos, admite a preocupação com a possibilidade de que alguns casos da Lava-Jato terminem impunes.
— O risco sempre existe, principalmente casos que estão fora dos holofotes, esses que admitem recursos dos recursos dos recursos, principalmente se for revisto — disse.
Ex-advogado ligado à Odebrecht, Rodrigo Tacla Duran vem escapando das mãos da operação: com mandado de prisão expedido em novembro de 2016, viajou para a Espanha, onde até chegou a ser detido. Mas o pedido de extradição foi negado pelo país europeu e seus processos na Lava-Jato estão parados.

Mesmo quando o STF condena, a sentença demora a ser cumprida. A primeira condenação criminal de um caso de corrupção no STF foi a do deputado federal José Gerardo de Oliveira Arruda Filho, do Ceará, pelo desvio de R$ 500 mil de um convênio federal quando era prefeito de Caucaia, em 2010. Os recursos se amontoaram. A Corte chegou a decidir sobre um embargo declaratório no segundo agravo regimental nos embargos infringentes impetrados pela defesa do ex-prefeito: em outras palavras, o recurso do recurso do recurso. E José Gerardo sequer cumpriria pena na prisão, mas apenas serviços comunitários, já que foi condenado a dois anos. Mesmo assim, adiou a pena por seis anos: só passou a cumpri-la em maio do ano passado.  — As garantias aos réus são focadas na casta da República, nos políticos, tratados com privilégios que as pessoas comuns não têm — diz Marcelo Figueiredo, professor de Direito da FGV.

O caso do deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) segue pelo mesmo caminho. O STF o condenou em maio por crimes cometidos na década de 1990, quando era prefeito de São Paulo. No entanto, o deputado permanece livre e atuante na Câmara. Desde o momento em que o caso foi recebido pelo Supremo, em 2011, até a condenação, seis anos se passaram.

As manobras processuais para adiar as decisões judiciais foram a forma que o empresário José Eduardo Ferraz usou para evitar a prisão: primeiro, dispensou seus advogados na véspera da sessão de julgamento na segunda instância, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), em 2006. Respondendo em liberdade, alegou ao STF que houve cerceamento de defesa pela falta de advogados. O recurso só foi julgado oito anos depois e aceito pelo Supremo, que anulou a condenação. O novo julgamento ficou marcado para 15 de setembro de 2015. Um dia antes, Ferraz novamente dispensou seus advogados e a sessão foi adiada. O novo julgamento resultou na condenação por peculato, estelionato, corrupção ativa e uma pena de 22 anos de prisão em regime fechado. Nesse julgamento, o empresário escapou das penas por formação de quadrilha e uso de documento falso, prescritas. Ferraz tem um recurso no STJ que espera julgamento, no qual cobra a prescrição dos outros crimes.— Não houve manobra processual, haja vista que o Supremo Tribunal Federal anulou o julgamento — diz seu advogado, Eugênio Malavasi.

Se a demora do STF para julgar processos favorece alguns réus, outros preferiram sair de lá para tentar adiar condenações. Foi o caso do ex-senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). Em 2014, envolvido no escândalo do mensalão mineiro, renunciou ao mandato para que o processo fosse remetido à primeira instância. Condenado este ano, responde em liberdade enquanto os recursos são julgados. Ano que vem, Azeredo completa 70 anos, e os prazos de prescrição cairão pela metade. O tucano poderá escapar caso o processo não transite em julgado até setembro de 2018.

Heloísa Estellita, professora da FGV, ressalta que não é possível dizer que os crimes de colarinho branco ficam impunes no Brasil.  — Não temos os dados, infelizmente. Saber quantos processo desse tipo há no Brasil, quantas pessoas foram condenadas. Só assim é possível afirmar algo. Ninguém quer injustiça célere também — afirmou.



Para Marcelo Figueiredo, um dos motivos para a sensação de impunidade é a noção de que a corrupção é um crime menos perigoso. Não há comoção social com a corrupção. As pessoas não se chocam com ela como com outros crimes. Isso torna tudo mais fácil no sentido dos réus — diz Diogo Castor de Mattos. 

Fonte: O Globo
 


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