A putrefação da política brasileira parece ter atingido seu ápice, seu
registro lapidar, na situação enfrentada hoje pelo Rio de Janeiro. Ali
vive-se a falência absoluta da representatividade. Não bastassem os
seguidos problemas de violência, caos social e pane dos serviços
públicos a região tem que amargar mais essa triste e desmoralizante
realidade. A folha corrida dos eleitos pelo povo é de estarrecer. Quase
nenhuma autoridade, em mandato ou não, escapa. Do Legislativo ou do
Executivo.
Na semana passada, três ex-governadores e quatro
ex-presidentes da assembleia legislativa local encontravam-se
trancafiados atrás das grades. Além deles, dezenas de secretários,
parlamentares e afins tinham o mesmo destino, por malversações de toda
ordem. Um quadro pavoroso. Lamentável. Verdadeira aberração moral para
uma sociedade que há quase duas décadas (desde 1998), pelo menos, é
comandada ali por quadrilheiros e saqueadores sistemáticos de recursos
do Estado. Como pontuaram, estarrecidos, vários cidadãos fluminenses,
TODOS os governadores do Rio eleitos desde 98 e TODOS os presidentes da
assembleia escolhidos desde 95 foram parar na cadeia.
Nem dá para
acreditar. Alguma coisa está muito errada nesse reino do fisiologismo e
do voto de cabresto controlado por poderosos habituais. É espantoso o
grau de periculosidade de suas excelências. No passado não muito
longínquo, nos idos de 1949, o deputado Edmundo Barreto Pinto se tornou o
primeiro político cassado por falta de decoro. Ele não havia feito
nenhum assalto aos cofres públicos. Longe disso. O delito: ter posado de
cuecas para uma foto. Bons tempos aqueles em que o máximo de
transgressão parlamentar observada era essa, digamos, falta de
compostura. Hoje a maioria dos votantes se pergunta se vale voltar às
urnas para eleger um candidato que ao menos pareça honesto.
Naturalmente, não há salvação fora da política. A questão é que tipo de
política vem sendo praticada, como mudá-la e com quem mudá-la. Ou, ao
menos, como rever as regras. Não é normal e denota um estágio de
avançada gangrena moral a bagunça que se instaurou na plenária da Alerj
há alguns dias.
Ali os caciques imperam, atuam em corriola, se protegem e
fecham os olhos a qualquer desvio dos colegas, aliados ou não, numa
prática multipartidária, e sem hegemonia ideológica à esquerda ou à
direita, para locupletar a patota. Não importa o crime, muito menos o
tamanho do prejuízo provocado à população. As raposas controlam o
galinheiro, enquanto cidadãos fazem das ruas palco de quebra-quebra em
protesto exigindo faxina. Luta inglória! Tome-se o exemplo concreto dos
três deputados – Jorge Picciani, atual presidente da Alerj, Paulo Melo, o
antecessor, e Edson Albertassi, também da cúpula – que em poucos dias
tiveram a prisão decretada, foram soltos e depois novamente recolhidos
ao xilindró, num dos espetáculos mais bizarros de disputa entre poderes
de que se tem notícia. O Tribunal Regional da 2º Região, em decisão
unânime, [também unanimemente inconstitucional.] mandou o trio às grades sob a acusação de recebimento de
milionárias propinas.
Como previsível, a prisão foi revogada pela Alerj,
porque ali a tropa de choque de Picianni & Cia. manda e desmanda.
[mandasse a turma de Picianni, a de Lula ou de qualquer outro ladrão, tinha que prevalecer o que a Constituição determina, soltar os parlamentares que não foram presos em flagrante por crime inafiançável.
A decisão do TRF 2ª Região foi, e continua sendo, flagrantemente inconstitucional.
Tanto que o TER-2ª se ateve para revogar a soltura dos deputados a um mero procedimento burocrático que não foi cumprido pela ALERJ - o alvará de soltura tinha que ser expedido por aquele tribunal, assim, deveria a ALERJ ter comunicado àquela Corte, por ofício, sua decisão de soltar os parlamentares e o TRF - 2 expediria o competente Alvará.
O mais absurdo é um tribunal viola Constituição Federal , revogue uma decisão da Assembleia Legislativa do Rio por descumprimento de um mero detalhe burocrático.] Os danos causados pela interpretação propositalmente parcial sobre a
imunidade parlamentar ficaram logo evidentes. A Alerj entendeu que
ninguém mete a mão em quem é da casa e trouxe o grupo de volta. Estava
assim sacramentada entre os áulicos da instituição a defesa de uma
espécie de licença para delinquir, a ser distribuída entre os seus e
agregados. O STF entrou no meio para acabar com a fuzarca. [O STF não se manifestou ainda sobre a confusão absurda - absurda por estar em discussão se o que está escrito na Constituição é para ser cumprido, ou depende da vontade do STF - que não legisla, nem tem Poder para DESCUMPRIR a Constituição Federal.
O que houve foi uma manifestação do ministro Fux - ministro que já 'cometeu' a proeza de votar contra uma liminar que ele mesmo havia concedido - e do ministro Marco Aurélio que entre muitas 'escorregadas' destaca-se uma que em decisão monocrática revogava parte da Constituição - felizmente, o Plenário do Supremo corrigiu a escorregada.] O ministro
Fux definiu a decisão como lamentável. Seu colega na Alta Corte, Marco
Aurélio Mello, se disse abismado. O Supremo restaurou a ordem de
trancafiar o bando. Na prática, o Rio, apesar do desfecho pela justiça,
segue como uma terra sem lei, também no plano político. Enquanto isso,
Picciani e seus comparsas experimentam a hospedagem no presídio de
tratamento especial, cujas celas mostram conforto acima da média e
abrigam ainda outros detentos ilustres como Cabral, Garotinho e a
mulher, Rosinha. Encarcerar o bando não é, decerto, garantia de solução
definitiva.
Até as pedras que margeiam o Rio sabem. Na contabilidade
geral, não apenas na esfera fluminense como em todo o Brasil, existem
perto de 55 mil autoridades – o número é esse mesmo! – com o chamado
foro privilegiado, o que dá a essas figuras o direito à proteção
incondicional em inúmeras circunstâncias. No STF a discussão sobre
algumas restrições ao foro privilegiado finalmente entrou na pauta. A
tendência é que prevaleça nos tribunais a tese de que esse direito
ficará reservado para casos de desvios de conduta referentes
exclusivamente ao cargo. Já seria um começo. [até que o andamento do processo para restringir o foro privilegiado andava bem, mas, o ministro Toffoli, se valeu do recurso 'pedido de vista obstrutivo' e parou toda a discussão. Por quanto tempo? Só Deus sabe.
Temos o exemplo do ministro Fux que em 2014 apresentou pedido de vista (o já famoso pedido de vista obstrutivo) sobre a ação que cuida do auxílio-moradia para juízes e membros do MP e desde então o assunto está parado, sem a menor previsão de voltar a andar.]
Carlos José Marques,diretor editorial da Editora Três - IstoÉ
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