Carlo Cauti
Mais uma vez no poder, PT volta a aplicar a mesma receita na estatal: manutenção de preços artificialmente baixos, planos de investimentos mirabolantes e aparelhamento político
Ilustração: Shutterstock
"Não aprenderam nada, não esqueceram nada.” Bastaria essa frase para reassumir a gestão da Petrobras no novo governo do PT. Pronunciada pelo político francês Charles Talleyrand depois da restauração da dinastia Bourbon ao trono, a frase se adapta perfeitamente às escolhas da recém-empossada diretoria da estatal petrolífera. Praticamente idênticas às do período de 2003 a 2016: manutenção de preços artificialmente baixos, planos de investimentos mirabolantes, aparelhamento político.
A mesma receita que, no passado recente, levou a maior empresa brasileira ao desastre.
A única diferença são os casos de corrupção descobertos pela Operação Lava Jato. Até o momento, não registrados.
Durante a campanha eleitoral de 2022, a Petrobras foi um dos alvos favoritos do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Qualquer ocasião era válida para atacar a política de paridade de preços internacionais dos combustíveis (PPI), a venda de ativos menos rentáveis e a distribuição de dividendos.
Depois de eleito, Lula escolheu como presidente da Petrobras o ex-senador Jean Paul Prates (RN-PT). Imediatamente, a velha cartilha petista passou a ser aplicada na estatal. A PPI foi arquivada, e a Petrobras voltou a vender combustíveis no mercado brasileiro a um preço mais baixo do que o mercado internacional. Obviamente, amargando prejuízos em seu balanço.
“Da última vez que isso ocorreu, entre 2010 e 2014, a Petrobras acumulou um rombo de cerca de R$ 240 bilhões”, explica Pedro Rodrigues, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
Na época, a então presidente Dilma Rousseff tentou manter a inflação artificialmente baixa forçando a Petrobras a reduzir o preço dos combustíveis.
Deu certo até a eleição, e a herdeira de Lula ganhou um novo mandato. Mas as contas da estatal ficaram devastadas.
Quando Dilma entrou no Planalto, a Petrobras era a sétima maior empresa do planeta. No final da presidência, a companhia petrolífera tinha se tornado a mais endividada do mundo.
As ações despencaram, passando de R$ 40 para R$ 6.
Uma das mais rápidas e intensas destruições de valor da história econômica do Brasil.[ALERTA: pelo andar da carruagem, até agora estão presentes todos os ingredientes para a tragédia se repetir.]
Segundo Rodrigues, desta vez o resultado negativo vai demorar um pouco mais para aparecer, pois a cotação do barril de petróleo está mais baixa do que na época, assim como o câmbio do dólar. “Mas é algo inevitável”, salienta o diretor do CBIE. “Não tem como fugir da matemática. A Petrobras se tornou a única companhia petrolífera do mundo que torce para que o preço do petróleo não suba. Cada dólar a mais não se torna lucro, como acontece com qualquer outra empresa do setor, mas prejuízo.”
“O diesel deveria aumentar R$ 0,90 por litro para estar alinhado com o resto do mundo”, explica Sergio Araújo, presidente executivo da Abicom. “Caso contrário, são R$ 0,90 de prejuízo por litro que a Petrobras deve aguentar. Multiplicados por bilhões de litros vendidos por ano, se transformam em um rombo gigante. É um ganho razoavelmente pequeno para o bolso do consumidor, mas é um estrago enorme para a Petrobras. E para todo o Brasil.”
(...)
Concorrência predatória
A manutenção artificialmente baixa dos preços também provoca danos colaterais em toda a economia nacional.
Para os concorrentes particulares da estatal, a competição se torna impossível.
A atuação predatória da Petrobras acaba forçando as empresas privadas de extração e refino a interromper suas produções. Com o risco de desabastecimento para o mercado interno.
(...)
A volta da gastança
Se com a manutenção de preços mais baixos do que o mercado a Petrobras está perdendo bilhões de reais, com a volta dos planos faraônicos de investimentos ela vai gastar outros bilhões.
O governo quer mais investimentos por parte da estatal, na mesma linha do que foi feito nas passadas gestões petistas.
Mesmo que isso resulte em menor remuneração para os acionistas.
Entre os quais está o próprio governo, que detém a maioria das ações. Por isso, na semana passada, a Petrobras anunciou uma revisão da política de dividendos, reduzindo a distribuição dos lucros de 60% para 45% do fluxo de caixa livre.
As reivindicações eleitoreiras de Lula foram atendidas.
Mas o governo vai perceber em breve que ele era o principal beneficiário dos dividendos da Petrobras, enquanto maior acionista da empresa.
Foi graças a esse dinheiro que o então ministro da Economia, Paulo Guedes, conseguiu garantir que as contas públicas fechassem no azul durante os anos da pandemia. Mesmo com os gigantescos gastos do auxílio emergencial.
(...)
Sem contar os casos de péssimo uso do dinheiro da Petrobras no exterior, emblematicamente representado pela refinaria de Pasadena (Estados Unidos). Um negócio que custou quase R$ 2 bilhões aos cofres da estatal, para a compra de uma planta velha e inútil para a estratégia de produção da empresa.
Foi também por causa dessas decisões insensatas que a Petrobras chegou a acumular uma dívida monstruosa, superior a R$ 492 bilhões. Após seis anos de gestão diametralmente oposta, esse valor diminuiu para R$ 280 bilhões.
“Mesmo que o Brasil precise de fato aumentar sua capacidade de refino para atender ao mercado interno, a Petrobras não tem um bom histórico de gestão de investimentos durante os governos do PT”, afirma Rodrigues. “Além disso, para a Petrobras não faz sentido investir em uma tecnologia já antiga, como a das refinarias. Ela deveria se concentrar no que sabe fazer melhor, e que garante mais retorno: a extração de petróleo em águas profundas. Nesse setor ela já é líder mundial, e poderia melhorar ainda mais.”
Se a Petrobras voltar a investir em refinarias, estará violando um acordo assinado em 2019 com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para reduzir sua posição dominante no mercado. A estatal tinha se comprometido a vender 50% da sua capacidade de refino para operadores particulares.
O único lugar onde a Petrobras é forçada a prestar contas de verdade não é sequer no Brasil. É no tribunal de Nova York, nos Estados Unidos. Por causa da voragem nas contas da estatal provocadas pela péssima gestão e pelos escândalos de corrupção, a Petrobras foi obrigada a pagar mais de R$ 3,6 bilhões em multas para encerrar uma investigação criminal.
E outros cerca de R$ 15 bilhões para investidores norte-americanos que foram prejudicados.
Dinheiro dos brasileiros jogado fora por responsabilidade de diretorias nomeadas pelo PT no passado.
Aparelhamento disfarçado
O tripé da gestão petista da Petrobras só poderia ser completo com a volta do aparelhamento. A própria nomeação do ex-senador Prates no comando da estatal ocorreu em violação à Lei das Estatais e ao estatuto da própria empresa, que veda políticos e dirigentes partidários por 36 meses após o fim do mandato. Prates foi senador até 2023.
Outros três membros do Conselho de Administração da Petrobras foram nomeados mesmo sendo considerados inelegíveis. São eles: Pietro Mendes, secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis; Efrain Cruz, secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia (MME); e Sergio Rezende, dirigente do PSB.
Todas as instâncias de governança interna da estatal vetaram os nomes.
(...)
O aparelhamento do Conselho é só a ponta do iceberg.
Pois o próprio órgão colegiado pediu que a Petrobras avalie a contratação de assessores para cada uma das 11 vagas de conselheiro, com salários de até R$ 90 mil. Cargos e salários seriam escolhidos pelos próprios membros do Conselho. “A Petrobras pode voltar a se tornar um gigantesco cabide de empregos”, diz Rodrigues. “Esse aparelhamento político vai ser difícil de ser desfeito. Terá consequências nos próximos anos.”
De fato, na gestão da Petrobras o PT não esqueceu nada e não aprendeu nada. O mesmo que os Bourbon há dois séculos.
A família europeia voltou a cometer os mesmos erros, e perdeu o trono em poucos anos. Definitivamente.
No caso da Petrobras, o Brasil vai enfrentar novamente as amargas consequências dos erros de gestão já vistos no passado.
Resta saber se o desfecho será o mesmo.
Leia também “O dilema da Shein”
Revista Oeste - ÍNTEGRA DA MATÉRIA
Coluna Carlo Cauti, colunista