A expressão acima, como as "águas de março" que se espera sempre ao final do verão, é um antigo presságio. Foi o que Julio
César escutou de um vidente, voltando vitorioso da guerra, no apogeu de seu
poder. Ouviu novamente quando ia ao Senado, e desdenhou da advertência,
conforme narram Seutônio e Plutarco, fontes para a dramatização que Shakespeare
fez do episódio.
No velho
calendário lunar romano, os idos caíam no dia 15 de março próximo, quando vão acontecer passeatas pelo impedimento ou renúncia
de Dilma Rousseff. A passagem se
tornou um clássico sobre o excesso de confiança que
impede um líder inseguro, herói ou charlatão, no topo de sua glória, de
distinguir a cautela da fraqueza. Os grandes homens sabem da importância
do acaso na política, pois tudo pode sempre mudar num golpe do destino. Não há
general vitorioso que não possa ser esfaqueado por aliados de boa-fé, três
meses depois da reeleição, por motivos vagos, traições imaginárias ou
mal-entendidos.
Julio César percebeu traidores e
conspirações por toda a sua volta, como Dilma Rousseff, que foi presidente do conselho de administração da
Petrobrás durante todos esses eventos horríveis de que se fala a todo
momento. Ela estava muito mais
perto disso tudo do que Lula do "mensalão"
e, ao que tudo indica, tudo era uma coisa só, imensa, com diversos personagens
em comum. São dezenas de caracteres secundários, operadores, agentes políticos,
executivos, facilitadores, lobistas, doleiros, qualquer um deles, ou muitos,
poderiam participar da conspiração. Teriam
sido mais de 60 os conspiradores, uma bancada inteira, e exatos 23 a esfaquear César, segundo os
registros.
Quantas punhaladas
virão das delações premiadas de teor ainda desconhecido? Não há acordo entre os biógrafos se César ia mesmo
derrubar a República e deixar-se proclamar imperador em 44 A.C. Nem se Dilma Rousseff
tirou proveito direto do oceano de dinheiro desviado da Petrobrás, ou se sua campanha foi mesmo alimentada por
dinheiro de corrupção. O fio da dúvida tece muitas histórias, cada qual põe
uma engrenagem em movimento, é fácil perder o controle da situação.
Num contexto semelhante, o presidente Collor procurou segregar a economia da crise
política
ao substituir Zélia Cardoso de Melo por Marcílio Marques Moreira. Parecendo mirar-se no exemplo, Dilma livrou-se da sua Zélia mesmo antes de
reeleger-se e também nomeou uma espécie de embaixador com missões
semelhantes: resolver as bombas deixadas por invencionices anteriores, recompor
o relacionamento com os mercados (e com o
bom senso) e evitar que a economia venha a aumentar as dores de cabeça do
Palácio. O novo ministro precisará da colaboração do acaso (de São Pedro, para ser mais específico), e também dos bons ofícios
de outras santidades e orixás brasilienses, com os quais poderá ter mais
sucesso fazendo algumas oferendas.
Seus primeiros movimentos revelaram muito
cálculo: um pequeno pacote que lhe garante quase metade da meta estabelecida, o
restante da qual facilmente alcançável mediante controle de caixa (o chamado
"contingenciamento"), mesmo com a aprovação do "orçamento impositivo".
Sobre
este último, vale lembrar que a matéria aprovada não condiz com este título
vistoso, pois passa a ser impositiva apenas a execução das emendas
parlamentares individuais e mesmo assim, com os descontos contidos no próprio
dispositivo é muito provável que o valor executado de
emendas fique na sua média histórica na faixa de 0,4% da Receita Corrente
Líquida (RCL). É como se fosse uma "verba
de gabinete" constitucionalmente assegurada, o direito de gastar algo
na faixa de R$ 10 milhões em obras onde quer que o parlamentar julgue
importante.
A batalha
de política fiscal terá ainda vários lances, pois é tido e sabido que a meta de superávit primário de 1,2% do PIB fixada por Joaquim
Levy é para lá de modesta: de 1999 a 2008 esteve em cerca de 3% do PIB
em média. Foi um lance inteligente fixar uma meta dentro da zona de conforto. A separação dos assuntos econômicos dos
políticos ia funcionando muito bem, até que a
Presidente nomeou um homem do partido para o comando da Petrobrás, e
assim, a empresa foi arrastada de volta para o torvelinho dos temas "políticos", péssima
providência.
Há, de
fato, dois enredos na Petrobrás, não
necessariamente descorrelacionados: um
de má gestão, numa extensão impensável, talvez sistêmica, outro de roubalheira. A desproporção de
valores é flagrante: a incompetência é imensamente mais cara que a corrupção,
daí a insensatez em deixar uma coisa misturar-se com a outra.
A companhia perdeu US$ 160
bilhões em valor, uma
catástrofe, em razão principalmente da mudança de preço
de petróleo, do modelo de exploração do pré-sal,
dos níveis insanos de investimento a que
se obrigou a companhia e da repressão aos preços de derivados. Foi uma trapalhada
histórica em matéria de gestão a ponto de despertar a atenção de
Aswath Damodaran, da Universidade de Nova York, talvez o mais conhecido dentre
os professores de escolas de negócios americanas, uma espécie de guru
internacional no tema de estratégia e avaliação de empresas.
Não vale
aqui detalhar a análise de Damodaran sobre o que descreveu como "a calamidade" que se abateu sobre a Petrobrás, mas apenas registrar que a
má gestão - uma conduta totalmente reversível (e
não necessariamente criminosa, pois pode ser apenas uma variedade de burrice que nasce de proposições ideológicas) -
é responsável pela maior parte do prejuízo. Novas bases para a gestão e a para
orientação estratégica (e ele faz
diversas recomendações óbvias e interessantes) fariam a empresa recuperar
vários bilhões em valor em pouco tempo, o que transformaria o dinheiro da
corrupção em café pequeno e ajudaria, inclusive, a negociação de indenizações.
Mas, em vez de prestar
atenção no que diz o guru, tal como César, Dilma
rejeita a cautela e o bom senso, e mantém
a empresa na mesma senda que a levou ao buraco. Trazer Joaquim Levy foi um
grande progresso, mas manter a Petrobrás sob a órbita do PT foi uma maneira de
estabelecer os limites. Se foi a proverbial teimosia ideológica, tanto pior,
mas se não havia alternativa, então é para nos preocuparmos de verdade com os
idos, que podem ser de maio, julho e outubro, ou dos outros meses, quando cai
no dia 13.
Fonte: Gustavo Franco –
O Globo
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