O
ministro José Eduardo Cardozo é (ou era) suficientemente equipado de
respeito pelo discernimento alheio para saber que a questão em pauta não
é o "direito" de o ministro da Justiça receber advogados em seu
gabinete. Esta
é só a versão edulcorada e simplificada de uma situação bem mais
complicada para o governo e para os executivos de empreiteiras presos há
quatro meses em decorrência das investigações da Operação Lava Jato.
Não
obstante o fato de o gabinete do titular da pasta da Justiça não estar
franqueado a todo advogado cujo cliente se sinta prejudicado no trâmite
judicial da defesa - é preciso ter relações para chegar lá -, o ministro
recebe quem quiser. Dada natureza pública de seu cargo, só não pode
fazê-lo às escondidas. Muito
menos quando o assunto envolve caso rumoroso de corrupção no qual o
governo insiste em se mostrar como o mais vigoroso combatente dos
ilícitos e o maior interessado na punição de seus autores. Não convence,
mas quando mente prejudica ainda mais a tentativa.
E o ponto central da discussão é que Cardozo procurou fugir da verdade e daí em diante só fez tergiversar. A
revista Veja descobriu que ele esteve reunido com o defensor da UTC
Sérgio Renault e o advogado, ex-deputado e amigo do ex-presidente Lula
Sigmaringa Seixas para falar sobre "novos rumos" que incluiriam a
contestação dos procedimentos legais a partir dos quais haveria uma
possibilidade de um relaxamento nas punições.
O conteúdo da conversa não ficou provado, mas o ministro e Renault, procurados pela revista, de início negaram o encontro. Por
quê? Da mesma forma, Cardozo recebeu advogados da Odebrecht sem
registro na agenda e depois alegou ter havido "falha técnica" para
justificar a omissão. Ficou
mau para o governo que, queira ou não, acabou se postando como parte no
assunto, ruim para José Eduardo Cardozo, cujas pretensões a uma vaga no
Supremo Tribunal Federal se afundaram no episódio, e péssimo para os
acusados que deram ao juiz Sergio Moro mais uma razão para decretar nova
prisão preventiva.
Isso
quer dizer o seguinte: ainda que os habeas corpus que estão para ser
julgados lhes sejam favoráveis, continuarão presos devido ao decreto
mais recente por motivo diferente. O
anterior era pelo risco de fuga, este por tentativa de interferência
política e coação de testemunha, a ex-contadora de Alberto Youssef Meire
Poza. Se
de um lado não é justo concluir que há tentativa de corromper a Justiça
ou cooptar o ministro, de outro é inútil esconder a movimentação para
tentar atropelar politicamente o devido processo legal.
Vale o que vier. Durante
décadas o Rio conviveu não só com o patrocínio das escolas de samba com
dinheiro de origem ilícita como celebrou os patronos notoriamente
envolvidos na criminalidade sob a supostamente inocente fachada da
contravenção.
A
conquista do campeonato pela Beija-Flor com produção de desfile
financiada pela ditadura da Guiné Equatorial afinal despertou os,
digamos, bem informados, para esse tipo de permissividade que só chegou a
esse ponto porque vem sendo aceita ao longo do tempo por autoridades e
sociedade como uma espécie de lado festivo/romântico da bandidagem.
Já
foi comum ver prefeitos e governadores confraternizando nos camarotes
com barões da ilegalidade que depois eram saudados pelas arquibancadas
enquanto desfilavam a frente de alas das respectivas escolas. Depois veio a prática do "aluguel" de enredos ao poder público para promover homenagens a essa ou àquela localidade. O dono do poder local desembolsa sem perguntar à população se o gasto interessa ao coletivo.
Fonte: Dora Kramer - Colunista do Estadão
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