O governo bota seu bloco na rua para estancar a perda de popularidade.
Vai soltar um pacote anticorrupção para fingir que não tem nada a ver com o Petrolão e fazer muito barulho para esconder o estelionato eleitoral de 2014
Se dependesse dos governantes, o espírito inebriante do Carnaval se estenderia pelo ano inteiro. O ambiente de fantasias e as multidões alegres nas ruas propiciam uma sensação de euforia que não necessariamente têm base na vida real. Mesmo as troças com personagens e pilhérias com escândalos com dinheiro público carregam a marca do bom humor, ambiente em nada parecido com as manifestações que ocuparam ruas do País nos últimos tempos. Como não é possível baixar um decreto prolongando a duração da folia para os brasileiros, a presidente Dilma Rousseff resolveu lançar mão de alguns artifícios para tentar manter o Brasil em clima de festa. A estratégia não é original.Pelo contrário, esse samba já cansou de atravessar a avenida petista. Para estancar a vertiginosa queda de popularidade, apontada pela última pesquisa Datafolha, a presidente recorre aos truques do marqueteiro João Santana, folião de destaque no carro alegórico governista. Em dias de Carnaval, é possível comparar o papel de Santana – conhecido no governo como o 40º ministro – ao de um carnavalesco. Cabe a ele criar o enredo que inebria a plateia. Na esfera política, como acontece toda vez em que se vê em apuros no meio da passarela, Dilma se escora no ex-presidente Lula, que depois de deixar o Planalto se transformou numa espécie de animador de bateria do governo.
Tanto Santana quanto Lula estiveram com a
presidente no final da última semana. Deles, Dilma ouviu que ela vai ter
que gastar muita sola de sandália se quiser reverter uma rejeição de
44%. A evolução é a seguinte: fazer mais política, viajar com mais
frequência pelo País, conceder entrevistas e anunciar medidas para sair
da agenda negativa. Lula e Santana consideram “preocupante” o cenário
apontado pelo Datafolha. De acordo com essa consulta, em pouco mais de
um mês a avaliação positiva sobre Dilma caiu bruscamente. Metade da
população a considera falsa (54%), indecisa (50%) e desonesta (47%). Em
dezembro, 23% dos brasileiros avaliavam o governo como “ruim” ou
“péssimo”. Este índice agora subiu para 44%.
A cúpula petista atribuiu a percepção de
“falsa” ao contraste entre o discurso do “Brasil das maravilhas” adotado
na campanha eleitoral e a prática depois de reeleita, que trouxe
medidas amargas, como o reajuste da gasolina e as alterações em
benefícios sociais. “Há uma diferença entre o discurso da presidente
quando ela lia o que escrevia João Santana e agora, quando lê o que
escreve o ministro da Fazenda, Joaquim Levy”, afirma o senador Cristovam
Buarque (PDT). A avaliação de “desonesta”, também segundo os assessores
palacianos, guardaria relação com os recentes escândalos do Petrolão,
que ainda não a atingiram diretamente, mas reforçam a sensação de
impunidade, contra a qual Dilma prometera lutar durante a campanha.
Para voltar a subir no conceito do irritado
júri de brasileiros, a presidente escolheu como abre-alas o anúncio de
um “pacote anticorrupção”. Depois do Carnaval, os brasileiros receberão
uma compilação de antigos projetos de lei sobre combate aos malfeitos.
Trata-se de um recurso já conhecido. Foi exatamente assim que o governo
reagiu contra a revolta das ruas em junho de 2013. O pacote engloba
temas bem familiares. Além de prometer punir com rigor agentes que
enriquecem ilicitamente, o conjunto de propostas pretende tornar crime a
prática de caixa 2, o velho ilícito utilizado como argumento pelo PT ao
Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar escapar das penas do
mensalão.
O governo também prometerá agilizar o julgamento de processos
de desvio de recursos públicos e acelerar investigações e processos
movidos contra autoridades com foro privilegiado. No pacote ainda está
prevista a criação de uma nova espécie de ação na Justiça para
possibilitar o confisco de bens adquiridos de forma ilícita ou sem
comprovação.
Nenhuma das propostas que serão apresentadas por Dilma é
inédita. Projetos idênticos ou com a mesma intenção permaneceram
esquecidos nos quatro anos de seu primeiro mandato. Muitos deles de
autoria até de parlamentares governistas. Mas a presidente nunca
mobilizou sua base aliada na Câmara e no Senado para votar as propostas
agora vendidas como inovadoras.
Outra preocupação do governo é desconstruir
a característica de “indecisa” atribuída à presidente no levantamento
do Datafolha. Esse traço da personalidade estaria relacionado à notória
falta de habilidade política de Dilma. Neste início do ano, a presidente
e seu ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, em flagrante
desarmonia com o Congresso, deixaram o comando da Câmara parar nas mãos
do controverso deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A falta de gingado da
dupla palaciana trouxe Lula de volta para a avenida.
Além de viajar pelo
País, em agendas combinadas com Dilma, o ex-presidente atuará como
bombeiro na tentativa de pacificar a base governista. Um de seus trunfos
é a negociação da composição do segundo escalão do governo. Sem Lula, a
bateria perdeu o ritmo e o cortejo desandou. Atualmente, cada ala
desfila em seu próprio compasso. É assim no Congresso e na Esplanada dos
Ministérios. As bancadas do PT na Câmara e no Senado quase nada fazem
para defender decisões que Dilma tomou sem ouvir auxiliares e aliados.
A
medida provisória que muda regras do seguro-desemprego é o maior
exemplo. Nenhum parlamentar, por mais leal que seja, abraçou o projeto
da presidente publicamente por temer perder votos por uma proposta que
desagrada aos trabalhadores. Dilma demonstra ter pouca influência até
mesmo sobre os líderes do Congresso.
O projeto de criar uma alegoria para
melhorar a imagem do governo passa ainda pelo esforço de reinventar a
fantasia do PT, que agora se vê com mais um tesoureiro, desta vez João
Vaccari Neto, envolvido num escândalo de corrupção, o Petrolão. O
partido trabalha nos bastidores a fim de resgatar a imagem e viabilizar a
candidatura de Lula ao Planalto em 2018. Para reforçar o resgate da
imagem, o PT vai levar ao ar este mês uma web-TV.
Estúdios foram
montados em São Paulo e Brasília. A intenção é criar um canal em que o
PT possa dar sua versão para os principais fatos políticos. Outra medida
concreta será a qualificação do perfil dos dirigentes, hoje em sua
maioria egressos da burocracia partidária. Livrar-se da pecha de partido
pragmático, alimentada ao longo de 12 anos no governo, é outro
objetivo, mas nesse caso a legenda teria de voltar a encampar suas
velhas teses de esquerda. É aí que os interesses de Dilma e PT se
chocam. Até se entrelaçarem novamente, como ocorre agora.
Quando venceu as eleições, Dilma deixou
vazar a informação de que Lula exerceria menor influência no novo
mandato. Nos bastidores, dizia-se também que a presidente não gostou de
saber que João Santana se atribui imensa importância pela vitória na
campanha da reeleição, versão propalada na biografia do marqueteiro
recém-lançada. Pouco mais de um mês depois do início do segundo mandato,
os dois estão de volta para tentar salvar a apresentação. Como se
percebe, apesar dos esforços, não será fácil para o governo prolongar a
animação momesca dos dias de folia. É como se Dilma procurasse pôr em
prática a atmosfera ilusória cantada no samba “Sonho de um Carnaval”, do
compositor Chico Buarque. “Carnaval, desengano/ Deixei a dor em casa me
esperando”. Mas, para a tristeza do bloco do governo, a realidade impõe
um outro verso da obra de Chico: “Na quarta-feira sempre desce o pano”.
AS MALDADES DO REI MOMO
O Rei Momo é sempre a alegoria que abre o
Carnaval. Tornou-se tradição as autoridades entregarem ao símbolo
mitológico a “chave” de suas cidades, autorizando a “desordem” típica da
festa. No Carnaval da República, o personagem cai bem no figurino
adotado pelo novo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ele não
recebeu a chave da Casa de boa vontade. Ao contrário, conquistou o
posto graças a uma astuciosa articulação junto a colegas magoados com o
PT e com o governo.
As primeiras semanas de trabalho de Cunha,
eleito para o cargo no dia 1° de fevereiro, guardam semelhanças com a
mitologia de Momo, deus sarcástico banido do Olimpo depois de tanto
criar confusões. O presidente da Câmara levou a plenário e aprovou
projeto que gera despesas fixas de pelo menos R$ 9,6 bilhões anuais para
o governo com o pagamento de emendas parlamentares. O Orçamento
Impositivo, como é conhecido esse mecanismo, é um pleito antigo de
deputados e senadores, mas até a gestão Cunha se evitava levar adiante
uma afronta tão forte ao governo. Ele também não se acanhou em ler o ato
de criação de uma nova CPI da Petrobras, comissão que se empenhará nas
investigações do esquema de propina que atingem em cheio o PT e a base
governista. Cunha ainda deixou no ar a possibilidade de mobilizar o PMDB
e seu bloco majoritário para disputar os postos de presidente e relator
da CPI, monopolizando assim os trabalhos de apuração.
Esse foi só o início das mensagens de
inauguração do carnaval legislativo. Nesse ritmo, Cunha vai ter em sua
administração mais contatos com os 39 ministros do que a presidente
Dilma Rousseff. A Casa aprovou na última semana a convocação de todo o
primeiro escalão governista. Farão rodadas de apresentações que
ocorrerão às quintas-feiras. Um calendário está sendo elaborado para
definir a ordem das sabatinas. Os ministros terão que guardar espaço na
agenda, pois o chamamento é compulsório. É convite para não ser
deselegante logo de início, mas quem não comparecer será convocado,
avisou. A medida vai afetar a vida dos parlamentares, que geralmente
registram presença na manhã da quinta-feira e embarcam para seus Estados
de origem. Como a comissão geral é realizada em plenário, a exposição
dos ministros será transmitida pela TV Câmara e a população saberá se
seu representante está ausente.
As travessuras de Momo atingiram ainda a
principal bandeira do PT para se reconciliar com a sociedade. Desde o
escândalo do mensalão, o partido tenta emplacar no Congresso um modelo
de reforma política que privilegia alteração no método de financiamento
de campanha.
O PT insiste em barrar doações de empresas
privadas e alega que as eleições patrocinadas com recursos públicos
podem ser mais equilibradas. Mas Cunha se apressou em montar uma
comissão para analisar o modelo contemplado pela PEC 352/2013, que prevê
o fim da reeleição para presidente, governadores e prefeitos, extingue o
voto obrigatório e adota um sistema misto (privado e público) para o
financiamento de campanhas. A bancada do PT avisou que votará contra o
projeto.
As extravagâncias políticas do peemedebista
permitiram, até mesmo, que ele apoiasse um cabo eleitoral do senador
Aécio Neves (PSDB-MG) – adversário de Dilma nas eleições – para liderar o
PMDB na Câmara. Aecista declarado, Leonardo Picciani (PMDB-RJ)
comandará a bancada de 68 parlamentares em um ano em que a presidente
Dilma dependerá da base para aprovar projetos imprescindíveis para o
governo. Esse Momo...
O BLOCO DA RESISTÊNCIA
Quando o assunto é revisão de regras
trabalhistas, Dilma Rousseff canta sozinha. O corte de benefícios foi a
solução encontrada pela presidente para conciliar o fraco desempenho da
economia e o crescimento das despesas com seguro-desemprego, abono
salarial, auxílio doença e pensão por morte. A resistência às medidas da
presidente foi expressa por uma nota assinada pelo Diretório Nacional
do PT.
No documento, a legenda de Dilma acusa uma
espécie de estelionato eleitoral praticado na campanha de 2014, quando
ela usou seu tempo de propaganda para reafirmar a manutenção da política
social da administração petista. “O partido decide propor ao governo
que dê continuidade ao debate com o movimento sindical e popular, no
sentido de impedir que medidas necessárias de ajuste incidam sobre
direitos conquistados, tal como a presidenta Dilma assegurou na
campanha”.
Sem o aval do partido, o clima entre os
líderes da base no Congresso é de total paralisia em relação à
articulação política para aprovação do pacote de cortes de benefícios,
materializados nas Medidas Provisórias 664 e 665, que estão na fila de
apreciação. O constrangimento é geral. Em meados de janeiro, o PT até
tentou colocar panos quentes na polêmica. O ministro das Comunicações,
Ricardo Berzoini, surgiu com argumentos de que a política de cortes do
ministro da Fazenda, Joaquim Levy, avalizada pela presidente, seria um
“ajuste social”. A polidez durou pouco. Assim que as
centrais trabalhistas colocaram os carros de som na rua para protestar,
parlamentares do PT mais ligados aos movimentos sindicais aderiram ao
bloco da oposição e se instalou uma confusão.
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) afirma
que o ajuste econômico deveria atingir as parcelas mais abastadas da
sociedade e sugeriu a tributação de grandes fortunas como alternativa
para ampliar receitas em vez de diminuir despesas. O deputado Vicentinho
(PT-SP), ex-líder do PT, critica a nova regra que reduz o tempo de
pagamento de pensão por morte para evitar que viúvos ou viúvas jovens
recebam o benefício por grande parte da vida.
A bancada do PCdoB na Câmara, liderada pela
deputada Jandira Feghali (RJ), também marcou posição contrária às MPs.
De acordo com Jandira, o governo deveria investir em mecanismo de
combate a fraudes para reduzir os custos dos benefícios e não os
direitos conquistados pelos trabalhadores.
Até mesmo a Central Única dos Trabalhadores
(CUT), entidade irmã do PT, partiu para o ataque contra a presidente
Dilma. O presidente da CUT, Vagner Freitas, afirmou que o Planalto
“meteu os pés pelas mãos” e criou uma imagem negativa para o histórico
da administração petista. “O governo cometeu um equívoco estapafúrdio,
uma coisa desorientada, de editar medidas provisórias sobre assuntos que
nós estávamos negociando desde 2007.”
Apesar do bloco da resistência cada vez
aumentar mais, internamente, o presidente do partido, Rui Falcão,
defende apoio ao governo. O principal argumento é que revoltas internas
em um momento de fragilidade política só facilitam a vida da oposição.
Fonte: Josie Jerônimo - Revista Isto É
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