A quantia arrecadada pela ‘vaquinha’ dos Amigos do Dirceu é dinheiro de troco para o traficante de influência que conseguiu ficar ainda mais rico sem sair da cadeia
Em 16 de novembro de 2013, dia do check-in na
Papuda, José Dirceu de Oliveira confundiu portão de cadeia com palanque
e, a caminho dos 68 anos, resolveu incorporar o líder estudantil de 68.
Para delírio de meia dúzia de milicianos que saudavam aos gritos o
“guerreiro do povo brasileiro”, hasteou o braço esquerdo com o punho
cerrado e, caprichando na expressão feroz de quem vai dizimar sozinho um
pelotão de fuzileiros navais americanos, berrou a informação: “Eu me
considero um preso político”.
Como assim?, perguntou-se quem não perdeu de todo o
juízo. Desde sempre, só se enquadra nessa categoria gente encarcerada ─
sem o devido processo legal, sem o exercício do direito de ampla defesa
─ para refletir numa cela sobre os perigos reservados a quem faz
qualquer tipo de oposição a uma ditadura consolidada ou embrionária. O
Brasil, convenhamos, ainda não é uma Venezuela que fala português, muito
menos uma Cuba tamanho família. Mais: Dirceu sempre fez parte do grupo
que desde janeiro de 2003 desgoverna o país.
Perdeu o emprego de ministro em 2005, mas não o
status de figurão do PT, nem a cumplicidade mafiosa dos companheiros que
alojou em cargos estratégicos enquanto chefiou a Casa Civil no primeiro
mandato de Lula. E tampouco foi engaiolado arbitrariamente. No
julgamento do processo do mensalão, que demorou quase sete anos para
começar e outros dois para chegar ao desfecho, sobrou-lhe tempo para
rebater acusações e contestar a solidez das provas acumuladas contra a
estrela do bando.
Além de advogados que calculam honorários em
dólares por minuto, Dirceu foi defendido por ministros do Supremo
Tribunal Federal que estão lá para inocentar bandidos de estimação do
Planalto. Acabou forçado a hospedar-se na Papuda não por crimes de
pensamento, mas por corrupção ativa. Quem trocou a cama de casal por um
catre não foi o revolucionário aposentado, ou o guerrilheiro de festim
diplomado na ilha-presídio, ou o ex-presidente do PT, ou o ex-chefe da
Casa Civil. Foi o chefe (ou subchefe?) da quadrilha do mensalão.
Diante de tantas e tão contundentes evidências,
quantos brasileiros ─ além do próprio detento ─ ousariam enxergar um
preso político num político preso por tratar o Código Penal a socos e
pontapés? Quase 4 mil, informou em fevereiro de 2014 o balanço oficial
da “vaquinha” online promovida para pagar a multa de R$ 971.128,92
imposta ao sentenciado pelo STF. As quantias doadas por 3.972 “amigos do
Zé Dirceu” somaram R$ 920.700. A diferença foi coberta por R$ 163 mil
extraídos das sobras das “vaquinhas” que haviam socorrido os mensaleiros
José Genoíno e Delúbio Soares.
O ator José de Abreu, por exemplo, entrou com R$ 1
mil na operação concebida para livrar da falência “a grande vítima de um
julgamento político”. Com a fisionomia sofrida de quem não conseguira
uma vaga na lista de visitas íntimas, alegou que aquela fora “uma
maneira de dividir a pena com ele”. Em 22 de fevereiro, a página
eletrônica aberta para a coleta dos adjutórios comemorou o sucesso da
mobilização: “Juntos, vencemos esta batalha. Ainda há outras por vir,
certamente. E, juntos mais uma vez, estamos prontos para enfrentá-las”.
Bingo. A batalha prevista há um ano está em curso desde quinta-feira
passada.
Começou com a ruidosa chegada de José Dirceu ao
front do Petrolão e ninguém sabe quando vai terminar. Mas é improvável
que haja outra “vaquinha”. Os desdobramentos da Operação Lava Jato
revelaram que o dono da J. D. Assessoria e Consultoria embolsou nos
últimos nove anos cachês de matar de inveja canastrões de novela. Nesse
período, agindo como facilitador de negócios, vários deles cobiçados por
participantes do assalto à Petrobras, o consultor embolsou R$ 29
milhões. Para quem junta tal fortuna em tão pouco tempo, a multa imposta
pelo Supremo é dinheiro de troco.
Os zé-de-abreu acabam de saber que, comovidos com
um preso político, dispensaram do castigo financeiro o multimilionário
que conseguiu uma proeza até então só alcançada pelos chefões do PCC:
ficou mais rico sem sair da cela. Entre novembro de 2013 e novembro
passado, enquanto cumpria pena, JD faturou pelo menos R$ 1,2 milhões. A
gigante da indústria farmacêutica EMS engordou a conta da consultoria
com R$ 700 mil.
Outros R$ 500 mil vieram da construtora Consilux. Até
agora, nenhum dos milhares de lesados pediu o dinheiro de volta. Nem o
beneficiário parece disposto a devolvê-lo.
A façanha transformou o preso político de araque no
Marcola do PT. Mas a “vaquinha” desempata o duelo entre o traficante de
influência e o traficante de drogas. Marcola nunca se viu homenageado
com donativos voluntários. Vai ter de preencher a lacuna no prontuário
para ser promovido a Zé Dirceu do PCC.
Fonte: Veja OnLine - Coluna do Augusto Nunes
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