O
escândalo maior é este: em vez de punir, providenciar a blindagem no Judiciário, cuja
independência, até prova em contrário, está longe de convencer a população
Tédio
e escândalos são termos antípodas que, em tese, se repelem. Exceto, claro, por aqui. A
profusão de escândalos, como parte do cotidiano da vida pública, retirou do
cidadão brasileiro a capacidade de se espantar. A cada denúncia, um bocejo. O fenômeno é antigo, mas, diante das
proporções sistêmicas impostas pelos governos do PT, supunha-se que
tal anomalia estaria superada. Não está. Após a indignação inicial, volta a
predominar a sensação de impotência diante de uma máquina estatal cujo controle
está fora do alcance de quem a sustenta.
Tão chocante quanto a devastação
dessa máquina por bandidos de colarinho branco é o empenho governamental em providenciar sua
defesa na mais alta corte do país, nomeando aliados, para prevenir (ou impedir) a aplicação da Justiça. Funcionou no
Mensalão, que esta semana inteirou
uma década de sua denúncia. E onde estão
seus mentores? Todos soltos, como dizia Dilma na campanha eleitoral, referindo-se aos tucanos que o PT denunciava e que, em 13
anos no poder, não se interessou em condenar. Os mensaleiros foram
condenados, mas estão soltos. Presos estão apenas os empresários que cooptaram
para suas manobras. E a reviravolta se deu no STF.
A admissão dos embargos
infringentes,
questionadíssima por numerosos juristas naquela ocasião, reabriu o caso e permitiu retirar a acusação de formação de quadrilha,
mesmo restando evidente que outra qualificação não há para um grupo de pessoas
que se associam com o objetivo comum de cometer ilícitos. Com a admissão dos embargos, reabriu-se o julgamento, reduziram-se as
penas e os agentes políticos – José Dirceu, José Genoíno, João Paulo Cunha e outros petistas
– livraram-se da prisão em
regime fechado. Hoje, estão em casa.
A
reversão da maioria, naquela oportunidade, deveu-se à aposentadoria de alguns
ministros, permitindo que novos aliados lá chegassem e mudassem os critérios de
julgamento. É o que se preparava agora
para os réus do Petrolão. Não fosse a recente aprovação, pelo Congresso, da PEC da
Bengala, que estende para 75
anos a idade de aposentadoria compulsória nos tribunais superiores, Dilma nomearia, no
curso de seu mandato, nada menos que cinco novos ministros para o STF - o que, vale dizer, iria lhe garantir, digamos
assim, interlocução mais íntima com a maioria daquela corte.
Restou-lhe, agora, uma única
nomeação, em vaga aberta com a renúncia de Joaquim Barbosa. Levou nove meses para indicar o
advogado Luiz Edson Fachin, cabo eleitoral de sua campanha ano passado. Seu
perfil político já foi detalhadamente exposto na imprensa e nas redes sociais.
Dispenso-me de repeti-lo. Não lhe faltam
qualidades técnicas – como faltaram a José Antônio Dias Toffoli, ex-advogado do PT,
que chegou ao STF sem obras publicadas (que atestariam a exigência constitucional
de “notório saber jurídico”) e com um histórico de duas reprovações para concurso de juiz
de primeira instância.
Fachin preenche esse quesito, mas iguala-se a Toffoli no que diz respeito à
isenção.
Até ser indicado ao STF, era
notório militante de causas que afrontam a própria Constituição, como o
questionamento à propriedade privada e o perfil tradicional da família. Negou
tudo isso na sabatina do Senado, a uma plateia que não tinha qualquer dúvida
quanto ao teor teatral do depoimento.
Mesmo
assim, foi aprovado e há poucas dúvidas
de que o será também em plenário na próxima terça-feira. Note-se que as
discussões, dentro e fora do Congresso, hoje, em face do fervor ideológico,
passam ao largo do aspecto penal das denúncias. O que está em pauta são crimes
contra o patrimônio público. Roubo não é de direita ou
de esquerda. É roubo. Não obstante, a militância governista despreza
essas evidências e procura trazer o debate para o campo político. E busca
apontar nos adversários práticas equivalentes, como se isso os absolvesse – e
que, se confirmadas, teriam que ter sido punidas por quem ocupa o poder há mais
de uma década.
Quando as delações
premiadas mencionam os petistas, são postas em dúvida; afinal, trata-se, como disse
Lula, da palavra de corruptos. Mas,
quando mencionam algum oposicionista, ainda que sem qualquer fundamentação,
ganham súbita credibilidade e o delatado torna-se alvo da militância nas redes
sociais. O escândalo maior é este: em vez de punir, providenciar a blindagem
no Judiciário, cuja independência, até prova em contrário, está longe de
convencer a população.
Fonte: Ruy Fabiano – jornalista
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