Minha fazenda, minha vida
Família do senador Romero Jucá vende terreno em área rural, por valor acima do mercado, para a Caixa construir apartamentos do programa Minha Casa, Minha Vida em Roraima
A
Fazenda Recreio, localizada em Boa Vista, capital de Roraima, é uma
área erma com 1,6 mil hectares, com pouca infraestrutura urbana e baixa
atratividade para o agronegócio. Ali perto passam poucos ônibus, não há
escolas para as crianças ou postos de saúde. Mesmo assim, o local foi
escolhido para abrigar um empreendimento do Minha Casa, Minha Vida,
projeto do governo federal que consiste em oferecer imóveis a preços
populares para a população de baixa renda. Poderia ter sido apenas um
erro de avaliação, um equívoco técnico cometido por profissionais
desavisados. Os motivos que levaram à escolha da região, porém, são bem
mais nebulosos. A fazenda pertence à família do senador Romero Jucá
(PMDB). Para comprar uma pequena parte do terreno (de 26 hectares), a
Caixa desembolsou R$ 4 milhões. Mas essa conta não fecha. Um hectare na
região está avaliado em R$ 60 mil. Em valores de mercado, a Caixa
deveria ter pago, portanto, algo como R$ 1,5 milhão pelos 26 hectares,
ou R$ 2,5 milhões a menos.
EM FAMÍLIA
A Caixa pagou R$ 4 milhões por uma área da Fazenda Recreio,
que pertence aos filhos do senador Romero Jucá, do PMDB, como
mostra o documento ao lado. No local, que carece de serviços
públicos, estão sendo construídas casas
do programa Minha Casa, Minha Vida
A fazenda pertenceu a Romero Jucá até 1997.
Neste ano, a propriedade foi doada a um casal de filhos do senador,
Rodrigo e Marina, e a dois enteados, Luciana Surita e Ana Paula Surita.
Em 2014, um quarto das terras apareceu na declaração de bens de Rodrigo
Jucá, candidato a vice-governador, registrada com valor simbólico de R$
15,4 mil. A modéstia para avaliar o próprio patrimônio desapareceu em
janeiro de 2013, quando os quatro herdeiros, mais a ex-mulher de Jucá,
Teresa Surita, fizeram negócio com a Caixa Econômica Federal para
implementação do Minha Casa, Minha Vida na fazenda.
O senador e Teresa tiveram papel importante
no projeto. Romero Jucá atuou de forma decisiva para aumentar a cota de
residências do Minha Casa, Minha Vida para Roraima. “Graças a um
entendimento que tivemos com a presidente Dilma, com a Caixa e com o
Ministério das Cidades, conseguimos o remanejamento do número de casas
de outros estados para Roraima”, afirmou o parlamentar ao Portal
Amazônia, no dia 22 de janeiro de 2013, logo depois da assinatura do
contrato com o banco estatal.
A viabilização do terreno da família para o
empreendimento do governo contou com a presteza da prefeitura. Detalhe
interessante: a prefeita é Teresa Surita, a ex-mulher de Jucá. No ano
passado, foi ela quem assinou o termo em que o município se comprometeu a
fornecer serviços públicos para o entorno do conjunto residencial. Na
ocasião, a prefeitura se responsabilizou pela implantação de iluminação
pública, asfaltamento da rua principal, coleta de lixo e serviços de
transporte público na região. Segundo as regras do Minha Casa, Minha
Vida, sem essas estruturas básicas o contrato deveria ser suspenso.
Além disso, os trâmites para a declaração da área como de interesse
social, a autorização para o desmembramento da fazenda e a concessão da
licença ambiental foram feitas no final de 2012, depois da eleição de
Teresa Surita, pela quarta vez, para a prefeitura de Boa Vista.
Embora
ainda não tivesse tomado posse, ela exercia grande influência na
administração de seu antecessor, Iradilson Sampaio, na época filiado ao
PSB, vice-prefeito em uma de suas administrações. As famílias contempladas já começaram a
receber os imóveis do Minha Casa Minha Vida, mas reclamam da falta de
estrutura. A região não conta com oferta de ônibus e ainda não há
escolas por perto. Foi a ausência de serviços públicos que levou
opositores de Jucá e Teresa a verificar o motivo da escolha do
loteamento para realizar o maior empreendimento do Minha Casa, Minha
Vida no estado. Quando analisaram a papelada do financiamento,
encontraram os poderosos sobrenomes Jucá e Surita no contrato. O
vereador Gabriel Mota (PP) está levantando assinaturas para abrir uma
CPI e investigar a execução do programa na capital. “Não existe em
Roraima nenhum empresário que pague R$ 4 milhões à vista por um
terreno”, afirma.
HERDEIRO
Embora tenha declarado à Receita ser dono de um quarto da Fazenda que
equivaleria a R$ 15,4 mil, Rodrigo Jucá valorizou o terreno
quando assinou contrato com a Caixa
O empreendimento, que abrange 2.992
residências, é de responsabilidade da CMT Engenharia, que recebeu R$
177,7 milhões para erguer as construções. O CNPJ da empresa reúne um
aglomerado de outras empreiteiras e consórcios. Entre elas, a Egesa e a
Constran, investigadas da Operação Lava Jato. A relação da família Jucá
com a CMT vem pelo menos desde as eleições de 2010. A empreiteira doou
R$ 500 mil ao comitê eleitoral de Jucá, então candidato ao Senado.
Pressionado pelas acusações dos
adversários, Rodrigo Jucá enviou à Caixa alguns questionamentos sobre o
negócio. O objetivo, claro, foi buscar argumentos de defesa. Na
resposta, o banco estatal diz que todos os trâmites do programa foram
cumpridos e os preços, definidos por “método comparativo de dados de
mercado.” A Caixa nega ter havido “influência de qualquer tipo” no
processo.
Em entrevista a ISTOÉ, Romero Jucá
reconheceu ter trabalhado pela ampliação do número de imóveis do
programa federal em Roraima. Com sua atuação, afirma, a cota do Minha
Casa, Minha Vida no estado subiu de 900 para 5 mil unidades. Ele, porém,
nega ter interferido no negócio da fazenda. “Isso é uma distorção que
os meus adversários estão tentando fazer”, afirma. “Eu não era mais
dono, meus filhos e enteados venderam as terras para a CMT, com aval da
Caixa.” Sobre as facilidades concedidas pela administração municipal, o
senador afirma que, se o bairro foi feito, a prefeitura tem mesmo que
levar a infraestrutura.
Fotos: Ed Alves/D.A Press; Raynere Ferreira/Folha de Boa Vista
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