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segunda-feira, 29 de junho de 2015

Valentina de Botas: ‘O lulopetismo viu que apenas roubando como nunca poderia ficar no poder para sempre’



A relação que a memória tem com o tempo e com a realidade é isto: uma relação. O caráter simbólico da memória desmancha o tempo e processa a realidade. Ou não haveria as artes, as paixões, a História, a Literatura, o próprio homem. Nem as madeleines de Proust. Consoladora criação para nossos corações, humanizados em desejos solenemente desdenhados pelo tempo jamais cúmplice.

Também a memória, esta sim, nossa cúmplice, permanece com os nexos dela que tecem sentidos incólumes à erosão do tempo. Ela diz quem somos, quem é nossa gente, como e onde é nossa pátria. Pode ser a rua onde crescemos, a nossa língua ou qualquer outra, digamos, experiência na qual esbarremos com nós mesmos e nos reconheçamos.

E pode ser a resistência democrática como vimos fazendo, na qual nos reconhecemos mesmo sem nos conhecer. A identidade de um país e de um indivíduo não existe sem a memória. E esta coluna é guardiã da memória do país que sonhamos e podemos ser nos textos luminosos dela e nos comentários que suscitaram e que, somados ao restante da resistência democrática, já conversavam com o futuro que é hoje.

Combatemos as trapaças do lulopetismo que desfaziam a memória e forjavam uma cínica e monolítica versão da história e do presente, outro integrante do arsenal de vigarices para emparedar o estado de direito democrático. Eis que é sob ele que o lulopetismo agoniza; o antídoto contra esse bando não é intervenção militar ou o atropelo das instituições, mas justamente o apelo a elas, pois esta sordidez de 13 anos não é inerente à democracia.

Comprova isso o próprio lulopetismo que, depois de alcançar o poder pela via democrática, viu que apenas roubando como nunca poderia ficar no poder para sempre. Não era política de esquerda nem de direita, mas somente roubalheira e incompetência a substância do petismo que, concebido por um jeca oportunista, não tem ideologia além a de garantir o perene exercício do poder para se arrumar na vida.

Há uma práxis lulista sim, mas não um pensamento; este é arrendado segundo a conveniência. À afirmação segundo a qual o que está dominado é o bando, alguém dirá ah, mas o jeca está solto, Dilma continua presidente, o Estado aparelhado e tal. São realidades que se superpõem, não se negam nem se complementam, mas enfrentam-se até que a decência vença.

Diluir esse embate essencial – e contínuo na defesa e aprimoramento da democracia – no limite brumoso entre entoar semanalmente que a casa caiu ou conclamar à resignação porque tudo estaria dominado é dispensar-se de tatear as nuances da realidade nas lonjuras do alarmismo e do conformismo. Se tenho certeza de que o país que presta vencerá?

Ora, temos sido vencedores em manter o embate no qual preservamos a memória do país que queremos ser. É memória que impregna o futuro. Que, como toda certeza, não pode ser cicatrizada, mas manter-se ferida primordial e sangrante para que, nos cuidados com ela, sustentemos o combate que não nos deixa esquecer: não somos dominados.

Fonte: Valentina de Botas – VEJA – Coluna Augusto Nunes


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