Poderes em conflito
Ninguém sabe aonde isso
vai dar, mas há um sentimento de regozijo entre os políticos fora do PT
com o protagonismo que o Congresso vem assumindo, mesmo que algumas
medidas aprovadas possam significar prejuízos ao orçamento público, como
o aumento dos servidores do Judiciário. Esse aumento, aliás,
também é consequência do papel ampliado que vem exercendo o Judiciário,
em especial o Supremo Tribunal Federal. O presidente do STF e do
Conselho Nacional de Justiça, Ricardo Lewandowski, foi um ativo lobista a
favor desses aumentos, que devem ser seguidos pela aprovação de
reajustes na mesma proporção para os servidores do Ministério Público.
No
centro dessas decisões está o Congresso, que cada vez mais assume o
controle da agenda política do país, no que é classificado como "uma
experiência extremamente rica" em avaliação da cúpula do PMDB, neste
momento com papel ambíguo a desempenhar. Ao mesmo tempo em que o
vice Michel Temer é o responsável pela coordenação política do governo,
os presidentes de Câmara e Senado são os responsáveis pelo estouro do
Orçamento, prejudicando o ajuste fiscal proposto pelo ministro da
Fazenda, Joaquim Levy, cuja aprovação é a principal responsabilidade de
Temer.
Na avaliação política da situação, os peemedebistas
entendem que as consequências de curto prazo de certos exageros nas
votações no Congresso poderão até ser contidas, na medida em que a
presidente vete alguma dessas propostas, dê nova configuração a outras.
"Mas é preciso ter autoridade para isso", ressaltam. E quem
acompanhou a votação do aumento dos servidores do Judiciário certamente
anotou que o provável veto da presidente Dilma, prenunciado pelo
ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, e confirmado pela própria em
declaração ainda nos Estados Unidos, já estava nas contas do rebelado
Senado. [é aceitável que qualquer ministro cogite sobre o que pode acontecer, menos esse tal ministro Barbosa; o distinto pau mandado da Dilma foi o primeiro a levar um esporro público da 'soberana'. Nem havia sido empossado direito e esse Barbosa resolveu falar bobagens, contrariou Dilma, ela lhe deu uma admoestação pública e ainda mandou se retratar publicamente.]
Não foram poucos os senadores que já convocavam reação
ao veto presidencial, para derrubá-lo no plenário. O senador Cristovam
Buarque disse que, ao se deparar com o placar eletrônico marcando 62
votos a favor e nenhum contra, já que nem mesmo o PT teve coragem de
anunciar um voto contrário à medida e liberou seus senadores, percebeu
que aquele era o sinal mais claro do fim da hegemonia do PT. O
governo manobrou para adiar a decisão, na tentativa de usar os
argumentos de sempre para "convencer" senadores a reprovar o aumento,
que é realmente abusivo. Ainda mais neste momento de crise. Cristovam
lembra que o PT sempre atuou como rolo compressor no Congresso, sem se
importar com a minoria.
Hoje, não tem mais condição de segurar
nem sua bancada no Senado, e nem os senadores mais alinhados ao
Planalto, como Lindbergh Farias, que procurou um microfone para dizer
que votaria a favor dos aumentos. Não foi possível, pois o voto
simbólico de liderança foi o bastante para aprovar, sem que nenhum
senador se dispusesse a checar a maioria, que era avassaladora. Desde
a ditadura que não temos relação do Legislativo com as outras
instituições com tanto protagonismo, tanta autonomia. A ditadura impôs o
presidencialismo imperial com o decreto-lei. A medida provisória, do
ponto de vista do arcabouço legal, é quase um substitutivo do
decreto-lei. Vem sendo mitigada desde Sarney, mas é ferramenta
extremamente eficaz para impor a dominação do Executivo.
Ou era,
pois, como o Executivo está muito fraco, o Congresso ganhou nova
dimensão e hoje tem condições de derrubar vetos presidenciais ou MPs. E,
para compensar os desmandos que vêm sendo aprovados no plenário das
duas Casas, há medidas econômicas importantes que devem ser aprovadas
pelo Congresso, como a mudança da legislação da exploração do petróleo
do pré-sal. Acabar com a obrigatoriedade de a Petrobras
participar com pelo menos 30% em todos os campos é fundamental para a
economia; a própria Petrobras está torcendo para isso, pois não tem
dinheiro para investir.
E o país precisa atrair investimentos
nessa área para garantir, inclusive, as empresas que estão na cadeia de
produção do petróleo. Por isso os governadores de Rio, ES e SP estão
apoiando essa mudança, extremamente favorável para o ambiente de
negócios do país. Essa será, por sinal, uma derrota que até
mesmo o Planalto vai receber de bom grado, criticando, embora, a
mudança, para não perder o viés ideológico.
Fonte: Merval Pereira - O Globo
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