Mesmo
ameaçada por investigados e réus, a Lava Jato parece estar acima de governos e
siglas
Não
imaginei que viveria para ver um procurador-geral da República pedir a prisão
de José Sarney e Renan Calheiros. Espero viver para ver um pedido oficial de prisão
de Lula e Dilma Rousseff – e do restante da camarilha. Espero ver a refundação da
República sobre bases moralmente compatíveis com a verdadeira Política, com P
maiúsculo.
A delação
explosiva do ex-presidente da Transpetro (subsidiária da Petrobras) e ex-senador tucano Sérgio
Machado envolve 25 políticos de seis partidos: PT, PSDB, PP, DEM, PCdoB e
PMDB. Traz minúcias de datas, nomes, codinomes,
lugares, pedidos de propina em dinheiro vivo e até mesadas de R$ 300 mil ao
presidente do Senado, Renan Calheiros.
Os
detalhes provocaram na nação um misto de estupor, nojo e alívio. Alívio
por perceber que a Lava Jato, mesmo ameaçada pelos investigados e réus,
parece estar acima de governos e siglas. Quantas vezes os militantes
petistas clamaram que a investigação seria asfixiada se Dilma fosse afastada.
E agora? Tanto o
impeachment quanto as semanas que se seguiram provam que ninguém está fora do
alcance da lei. E isso é inédito no Brasil.
O estupor
vem da dimensão pantagruélica dessa engrenagem podre. “Pantagruélica” quer
dizer mais do que gigantesca – um adjetivo que normalmente acompanha “ambição”
ou “gula”. O cidadão se pergunta: por que homens e mulheres eleitos
e ricos, que já ganham supersalários e mordomias inaceitáveis, se sujeitam a
tanta sujeira? O que essa dinheirama toda, que precisa ser escondida, traz de
benefício real a uma pessoa ou a uma família de políticos? O que o roubo de
dinheiro público, num país com tantas carências, com
tantos pobres e analfabetos, traz de sossego à consciência?
Não basta
aos acusados reagir como Dilma e Lula sempre reagiram, chamando as delações de “levianas,
irresponsáveis e criminosas”. Assim fez o presidente interino, Michel
Temer, acusado de pedir doação para a campanha de seu pupilo Gabriel Chalita à
prefeitura de São Paulo em 2012. Uma imoralidade até branda, diante do
manancial de propinas que, segundo Sérgio Machado, engordou, ao longo de anos,
a cúpula do PMDB, muitas vezes a pedido do PT.
Depois de
uma década escrevendo para ÉPOCA sobre
malfeitos de nossa classe política, poderia não estar surpresa. Mas estou.
Deputados, senadores, prefeitos, governadores e presidentes deveriam rir das
denúncias de farras com passagens aéreas, reformas milionárias, 15 salários no
Legislativo, jetons, milhares de apadrinhamentos em cargos comissionados.
Coisas ridículas diante das fortunas passadas por baixo do pano, dos milhões ou
bilhões que empreiteiras “doaram” a políticos.
Em abril,
escrevi que o grande jogo de traições do PMDB impediria o impeachment. Estava
errada, felizmente. Era claro, porém, que Renan
Calheiros não queria o afastamento precoce de Dilma. Apostava no statu quo.
Renan criticou Temer da mesma forma que, agora, o cobre de elogios. Afilhado
de Sarney, Renan sempre foi olhado como uma raposa política. Sarney, o
padrinho de todos, foi chamado por Lula, em 1986, de “grileiro do Maranhão”
e, em 1987, de “o maior ladrão da Nova República”. Depois, Lula
beijou sua mão e impediu seu afastamento.
“A política
morreu”, disse em
abril, para estudantes de economia, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís
Roberto Barroso. Foi pouco depois de o PMDB de Temer romper com o governo
Dilma. “Nós temos um sistema político que não tem o mínimo de legitimidade
democrática. (...) Deu uma centralidade imensa ao dinheiro e à necessidade de
financiamento. E se tornou um espaço de corrupção generalizada. (...) Quando o
jornal exibia que o PMDB desembarcou do governo e mostrava as pessoas que se
erguiam as mãos, eu disse: meu Deus do céu! Essa é nossa alternativa de poder.
(...) Não tem para onde correr.”
As
pessoas que “se erguiam as mãos” eram o presidente da Câmara, Eduardo
Cunha, hoje prestes a ser cassado, após ser traído pela nega e pelo caboclo,
e o então vice-presidente do PMDB Romero Jucá, réu na Lava Jato e afastado do
ministério interino. Com o do Turismo, Henrique Alves, já são três os ministros
de Temer afastados em cinco semanas. Por enquanto.
Reli o
artigo “Sobre política e jardinagem”, do mineiro Rubem Alves, nascido em
Boa Esperança, psicanalista, educador, escritor e teólogo. Ele morreu em 2014,
em Campinas. No artigo, de 2000, faz um apelo aos jovens: “De todas as
vocações, a política é a mais nobre... De todas as profissões, a profissão
política é a mais vil (...) Nosso futuro depende dessa luta entre políticos por
vocação e políticos por profissão. O triste é que muitos que sentem o chamado
da política não têm coragem de atendê-lo, por medo da vergonha de serem
confundidos com gigolôs”. Viva a Política por vocação. Essa é a nota de
esperança.
Fonte: Ruth de Aquino – ÉPOCA
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