A Constituição está sendo respeitada, mas o rolo compressor governista desvirtuou o julgamento de Dilma
No sábado,
dia 25, a senadora Rose de Freitas, líder do governo de Michel Temer no
Senado, disse o seguinte: “Na minha tese, não teve esse negócio de
pedalada, nada disso. O que teve foi um país paralisado, sem direção e
sem base nenhuma para administrar.”
Na segunda-feira, dia 27, a perícia do corpo técnico do Senado informou que Dilma Rousseff não deixou suas digitais nas “pedaladas fiscais” que formam a espinha dorsal do processo de impeachment. Ela delinquiu ao assinar três decretos que descumpriam a meta fiscal vigente à época em que foram assinados. Juridicamente, é o que basta para que seja condenada por crime de responsabilidade. (Depois a meta foi alterada, mas essa é outra história.)
Paralisia, falta de rumo e incapacidade administrativa podem ser motivos para se desejar a deposição de um governo, e milhões de pessoas foram para a rua pedindo isso, mas são insuficientes para instruir um processo de impedimento. Como diria o presidente Temer: não “está no livrinho”. Se uma coisa tem o nome de julgamento, ela precisa guardar alguma semelhança com um julgamento, mesmo que a decisão venha a ser política. [o próprio
Gaspari admite que a delinquência da Dilma, a Afastada, ao assinar três decretos, juridicamente, deu motivos para ser condenada por crime de responsabilidade. O 'impeachment' é uma decisão mais política, mas, a existência do crime reforça a decisão de impedir o delinquente, no caso Dilma, a Afastada.]
Durante a ditadura, parlamentares perdiam seus mandatos em sessões durante as quais, em tese, era “ouvido” o Conselho de Segurança Nacional. Nelas, cada ministro votava. Ninguém foi absolvido, mas o conselho era “ouvido”. [o Conselho era ouvido no sentido de confirmar que a legislação vigente na época e cuja violação tinha entre suas punições a perda do mandato havia sido infringida.
Nenhuma decisão do Conselho 'criou' a infração à legislação vigente.] Tamanha teatralidade teve seu melhor momento quando o major-meirinho que lia o prontuário das vítimas anunciou:
— Simão da Cunha, mineiro, bacharel...
Foi interrompido pelo general Orlando Geisel, chefe do Estado Maior das Forças Armadas:
— ... Basta! [tal Simão da Cunha já estava qualificado nos autos. Para que perder tempo relendo sua ficha de identificação?]
Bastou, e o major passou à próxima vítima.
Dilma Rousseff é ré num processo que respeita regras legais, mas se a convicção prévia dos senadores já está definida na “tese” da líder do governo, o que rola em Brasília não é um julgamento. É uma versão legal e ritualizada do “basta” de Orlando Geisel. [a líder do Governo é detentora de um único voto que aplicará conforme sua consciência, sua opinião e nenhum senador é obrigado a seguir o voto da liderança, já que a votação será individual.]
O constrangimento provocado pelo resultado da analise técnica das pedaladas aumenta quando se sabe que a maioria do atual governo na comissão de senadores passou a rolo compressor em cima do pedido de perícia, feito por José Eduardo Cardozo, advogado de Dilma. Ela só aconteceu porque Cardozo recorreu ao Supremo Tribunal Federal, e o ministro Ricardo Lewandowski deu-lhe razão.[o fato da perícia ter sido uma exigência da própria defesa, mais valoriza seu resultado, incluindo a parte que reconhece que Dilma infringiu a Lei de Responsabilidade Fiscal.]
Desde o início do processo de impeachment, estava entendido que a peça acusatória não viria com a artilharia do petrolão e de outros escândalos da presidente afastada. Haveria uma só bala, de prata, contábil. No caso dos três decretos assinados pela presidente, houve crime. Isso é o que basta para um impedimento, mas deve-se admitir que esse critério derrubaria todos os governantes, de Michel Temer a Tomé de Souza.
Os partidários da presidente sustentam que o seu impedimento é um golpe. Não é, porque vem sendo obedecida a Constituição e todo o processo está sob a vigilância do Supremo Tribunal Federal.
Pelas características que adquiriu, o julgamento de Dilma Rousseff vai noutra direção. Não é um golpe à luz da lei, mas nele há um golpe no sentido vocabular. O verbete de golpe no dicionário Houaiss tem dezenas de definições, inclusive esta: “ato pelo qual a pessoa, utilizando-se de práticas ardilosas, obtém proveitos indevidos, estratagema, ardil, trama”.
Fonte: O Globo - Elio Gaspari é jornalista
Na segunda-feira, dia 27, a perícia do corpo técnico do Senado informou que Dilma Rousseff não deixou suas digitais nas “pedaladas fiscais” que formam a espinha dorsal do processo de impeachment. Ela delinquiu ao assinar três decretos que descumpriam a meta fiscal vigente à época em que foram assinados. Juridicamente, é o que basta para que seja condenada por crime de responsabilidade. (Depois a meta foi alterada, mas essa é outra história.)
Paralisia, falta de rumo e incapacidade administrativa podem ser motivos para se desejar a deposição de um governo, e milhões de pessoas foram para a rua pedindo isso, mas são insuficientes para instruir um processo de impedimento. Como diria o presidente Temer: não “está no livrinho”. Se uma coisa tem o nome de julgamento, ela precisa guardar alguma semelhança com um julgamento, mesmo que a decisão venha a ser política. [o próprio
Gaspari admite que a delinquência da Dilma, a Afastada, ao assinar três decretos, juridicamente, deu motivos para ser condenada por crime de responsabilidade. O 'impeachment' é uma decisão mais política, mas, a existência do crime reforça a decisão de impedir o delinquente, no caso Dilma, a Afastada.]
Durante a ditadura, parlamentares perdiam seus mandatos em sessões durante as quais, em tese, era “ouvido” o Conselho de Segurança Nacional. Nelas, cada ministro votava. Ninguém foi absolvido, mas o conselho era “ouvido”. [o Conselho era ouvido no sentido de confirmar que a legislação vigente na época e cuja violação tinha entre suas punições a perda do mandato havia sido infringida.
Nenhuma decisão do Conselho 'criou' a infração à legislação vigente.] Tamanha teatralidade teve seu melhor momento quando o major-meirinho que lia o prontuário das vítimas anunciou:
— Simão da Cunha, mineiro, bacharel...
Foi interrompido pelo general Orlando Geisel, chefe do Estado Maior das Forças Armadas:
— ... Basta! [tal Simão da Cunha já estava qualificado nos autos. Para que perder tempo relendo sua ficha de identificação?]
Bastou, e o major passou à próxima vítima.
Dilma Rousseff é ré num processo que respeita regras legais, mas se a convicção prévia dos senadores já está definida na “tese” da líder do governo, o que rola em Brasília não é um julgamento. É uma versão legal e ritualizada do “basta” de Orlando Geisel. [a líder do Governo é detentora de um único voto que aplicará conforme sua consciência, sua opinião e nenhum senador é obrigado a seguir o voto da liderança, já que a votação será individual.]
O constrangimento provocado pelo resultado da analise técnica das pedaladas aumenta quando se sabe que a maioria do atual governo na comissão de senadores passou a rolo compressor em cima do pedido de perícia, feito por José Eduardo Cardozo, advogado de Dilma. Ela só aconteceu porque Cardozo recorreu ao Supremo Tribunal Federal, e o ministro Ricardo Lewandowski deu-lhe razão.[o fato da perícia ter sido uma exigência da própria defesa, mais valoriza seu resultado, incluindo a parte que reconhece que Dilma infringiu a Lei de Responsabilidade Fiscal.]
Desde o início do processo de impeachment, estava entendido que a peça acusatória não viria com a artilharia do petrolão e de outros escândalos da presidente afastada. Haveria uma só bala, de prata, contábil. No caso dos três decretos assinados pela presidente, houve crime. Isso é o que basta para um impedimento, mas deve-se admitir que esse critério derrubaria todos os governantes, de Michel Temer a Tomé de Souza.
Os partidários da presidente sustentam que o seu impedimento é um golpe. Não é, porque vem sendo obedecida a Constituição e todo o processo está sob a vigilância do Supremo Tribunal Federal.
Pelas características que adquiriu, o julgamento de Dilma Rousseff vai noutra direção. Não é um golpe à luz da lei, mas nele há um golpe no sentido vocabular. O verbete de golpe no dicionário Houaiss tem dezenas de definições, inclusive esta: “ato pelo qual a pessoa, utilizando-se de práticas ardilosas, obtém proveitos indevidos, estratagema, ardil, trama”.
Fonte: O Globo - Elio Gaspari é jornalista
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