Eleitos pela direita desistem das reformas diante de protestos. Os de esquerda ganham dizendo que nada precisa mudar
A coisa mais
fácil do mundo é entender a necessidade da reforma da Previdência: as
despesas com o pagamento de benefícios crescem mais depressa que as
receitas. Logo, o sistema está quebrado. Como os brasileiros já pagam
impostos elevados, inclusive para a Previdência, é preciso cortar a
expansão das despesas. Isso significa que as pessoas terão que trabalhar
mais do que trabalharam os atuais aposentados.
É uma questão universal. Em toda parte, as pessoas vivem mais, logo ficam mais tempo aposentadas e isso custa cada vez mais caro, especialmente para o sistema de repartição — aquele em que os da ativa pagam contribuições com as quais são pagos os aposentados e pensionistas. Em muitos países, governos conseguiram maiorias parlamentares para fazer reformas previdenciárias, sempre com elevação da idade mínima de aposentadoria.
Mas os líderes desses governos não tiveram vida fácil. Nunca, em lugar nenhum, se viu uma passeata de jovens gritando “65 anos já!”. Sim, de jovens, porque são eles os mais interessados em evitar uma quebra futura do sistema. Mas todo mundo já viu manifestação de aposentados ou quase aposentados contra qualquer mudança. Por que os mais jovens não se manifestam? Em parte, porque não pensam no problema. Isso está tão longe.
É uma atitude bem forte por aqui. Dados e pesquisas mostram que o brasileiro médio demora muito tempo para começar a se preocupar com poupança e aposentadoria.
Mas também é universal. No Reino Unido, por exemplo, muitos jovens, favoráveis à permanência na União Europeia, não se animaram a votar. Agora, estão arrependidos, foram às ruas tentar melar a consulta popular, mas já era. Por um bom tempo.
Em muitos países, as sociedades simplesmente não conseguiram fazer reforma alguma. Grécia, por exemplo, com consequências dramáticas. Os aposentados ficaram algum tempo sem receber e, depois, passaram a receber pensões reduzidas. País mais pobre, o dinheiro simplesmente acabou. A França está no clube dos ricos. Produz bastante riqueza, mas sua capacidade de crescer é cada vez menor, e sua competitividade global cai. É lógico: no clube dos desenvolvidos grandes, os franceses trabalham menos horas por semana, se aposentam com idade menor e ganham mais. Também tiram férias mais longas.
Os presidentes eleitos pela direita prometem reformas e acabam desistindo diante das violentas manifestações. Os de esquerda ganham dizendo que não precisa mudar nada — ou porque acreditam nisso ou porque simplesmente mentem. Mas todos percebem que têm de fazer — como entendeu o atual presidente François Hollande —, apresentam umas reformas meio aguadas e também acabam sucumbindo nas ruas.
Já governos que conseguem fazer as reformas com frequência perdem as eleições seguintes. Exemplo clássico: Gerhard Schröder, o social-democrata que governou a Alemanha de 1988 a 2005, e implantou reformas previdenciária, trabalhista e no ambiente de negócios. Foram essas mudanças que permitiram à Alemanha retomar competitividade e capacidade de crescimento — situação que, entretanto, beneficiou o governo de Angela Merkel, eleita pela oposição 11 anos atrás.
De todo modo, Merkel teve a sabedoria de não reverter as reformas, até avançou em outras. Não é por acaso que a Alemanha está hoje melhor que a França e saiu da crise recente com menos danos. Tudo considerado, qual o prognóstico para o governo Temer? Fará as necessárias reformas para estancar a sangria do déficit das contas públicas?
A dificuldade óbvia é que não foi eleito para isso. Mas há possibilidades. Uma, a melhor coisa que pode acontecer a ele é encerrar a carreira entregando um país melhor em 2018. Não precisa buscar outros mandatos. A segunda vantagem, digamos, é o estado de necessidade em que se encontram as finanças públicas. Em diversos estados, os governos têm que escolher entre pagar ao pessoal ou comprar gasolina para as ambulâncias e carros da polícia.
Isso é uma antecipação do que pode acontecer com o governo federal. Este tem a prerrogativa de emitir dinheiro, de modo que, antes de quebrar, ainda pode destruir as finanças de todo o país gerando uma baita inflação. As sociedades são como as pessoas, mudam por virtude ou por necessidade. Mas, mesmo na necessidade, é preciso que o governo tenha ideias claras e avance reto. Pregar austeridade para a maioria e salvar vantagens de alguns — isso não pode dar certo.
Fonte: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - O Globo
É uma questão universal. Em toda parte, as pessoas vivem mais, logo ficam mais tempo aposentadas e isso custa cada vez mais caro, especialmente para o sistema de repartição — aquele em que os da ativa pagam contribuições com as quais são pagos os aposentados e pensionistas. Em muitos países, governos conseguiram maiorias parlamentares para fazer reformas previdenciárias, sempre com elevação da idade mínima de aposentadoria.
Mas os líderes desses governos não tiveram vida fácil. Nunca, em lugar nenhum, se viu uma passeata de jovens gritando “65 anos já!”. Sim, de jovens, porque são eles os mais interessados em evitar uma quebra futura do sistema. Mas todo mundo já viu manifestação de aposentados ou quase aposentados contra qualquer mudança. Por que os mais jovens não se manifestam? Em parte, porque não pensam no problema. Isso está tão longe.
É uma atitude bem forte por aqui. Dados e pesquisas mostram que o brasileiro médio demora muito tempo para começar a se preocupar com poupança e aposentadoria.
Mas também é universal. No Reino Unido, por exemplo, muitos jovens, favoráveis à permanência na União Europeia, não se animaram a votar. Agora, estão arrependidos, foram às ruas tentar melar a consulta popular, mas já era. Por um bom tempo.
Em muitos países, as sociedades simplesmente não conseguiram fazer reforma alguma. Grécia, por exemplo, com consequências dramáticas. Os aposentados ficaram algum tempo sem receber e, depois, passaram a receber pensões reduzidas. País mais pobre, o dinheiro simplesmente acabou. A França está no clube dos ricos. Produz bastante riqueza, mas sua capacidade de crescer é cada vez menor, e sua competitividade global cai. É lógico: no clube dos desenvolvidos grandes, os franceses trabalham menos horas por semana, se aposentam com idade menor e ganham mais. Também tiram férias mais longas.
Os presidentes eleitos pela direita prometem reformas e acabam desistindo diante das violentas manifestações. Os de esquerda ganham dizendo que não precisa mudar nada — ou porque acreditam nisso ou porque simplesmente mentem. Mas todos percebem que têm de fazer — como entendeu o atual presidente François Hollande —, apresentam umas reformas meio aguadas e também acabam sucumbindo nas ruas.
Já governos que conseguem fazer as reformas com frequência perdem as eleições seguintes. Exemplo clássico: Gerhard Schröder, o social-democrata que governou a Alemanha de 1988 a 2005, e implantou reformas previdenciária, trabalhista e no ambiente de negócios. Foram essas mudanças que permitiram à Alemanha retomar competitividade e capacidade de crescimento — situação que, entretanto, beneficiou o governo de Angela Merkel, eleita pela oposição 11 anos atrás.
De todo modo, Merkel teve a sabedoria de não reverter as reformas, até avançou em outras. Não é por acaso que a Alemanha está hoje melhor que a França e saiu da crise recente com menos danos. Tudo considerado, qual o prognóstico para o governo Temer? Fará as necessárias reformas para estancar a sangria do déficit das contas públicas?
A dificuldade óbvia é que não foi eleito para isso. Mas há possibilidades. Uma, a melhor coisa que pode acontecer a ele é encerrar a carreira entregando um país melhor em 2018. Não precisa buscar outros mandatos. A segunda vantagem, digamos, é o estado de necessidade em que se encontram as finanças públicas. Em diversos estados, os governos têm que escolher entre pagar ao pessoal ou comprar gasolina para as ambulâncias e carros da polícia.
Isso é uma antecipação do que pode acontecer com o governo federal. Este tem a prerrogativa de emitir dinheiro, de modo que, antes de quebrar, ainda pode destruir as finanças de todo o país gerando uma baita inflação. As sociedades são como as pessoas, mudam por virtude ou por necessidade. Mas, mesmo na necessidade, é preciso que o governo tenha ideias claras e avance reto. Pregar austeridade para a maioria e salvar vantagens de alguns — isso não pode dar certo.
Fonte: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - O Globo
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