Para
cada tentativa de defesa armada bem-sucedida contra ataque armado, 32 outras
acabaram com a morte da vítima que reage
O massacre em Orlando trouxe ao debate público o
uso de armas para autodefesa. O Partido Republicano logo lançou mão do slogan da
National Rifle Association: “Armas não matam. Quem mata são as pessoas.” Esse é um sofisma
fácil de desmontar, pois a realidade mostra que, por si só, armas não matam,
nem pessoas matam. Quem mata são pessoas
armadas, obviamente.
Em
seguida, o candidato da NRA, Donald
Trump, afirmou que “pessoas armadas
na boate poderiam ter diminuído um pouco a tragédia”. Ao contrário, não teria havido tantos mortos se civis não pudessem comprar
fuzis AR-15 ou se houvesse controle na entrada da boate. [detalhe: a partir do momento em que um indivíduo decide realizar uma
matança indiscriminada, seja qual for a sua motivação, o fato de armas serem
vendidas no comércio ou não, deixa de ter influência.
A proibição de venda de armas não
impede que o indivíduo adquira a arma ou armas por outros meios.] Alega-se que quem quer matar, se
não tiver arma de fogo, recorrerá a faca ou outro instrumento. É uma comparação descabida. Tentativas de homicídio com arma de fogo têm 75% de chances
de sucesso, enquanto tentativas com arma branca, de apenas 36%. Por
isso, atentados em escolas no Japão e China redundaram em vários feridos, e
raríssimos mortos, uma vez que lá civis não têm acesso a armas de fogo.
Na boate de Orlando
havia um segurança armado, que pouco pôde fazer frente ao terrorista armado de
fuzil, além de pistola 9mm. Nos EUA, nos últimos cinco anos, foram
vendidos para civis 1,5 milhão de fuzis de guerra AR-15 (versão para civis), que são armas semiautomáticas, quase metralhadoras.
Disparam
900 tiros por minuto e carregam pente com 30 projéteis.
A NRA as
considera “ótimas para autodefesa”. Mas o que vemos é o seu uso em massacres.
Seus defensores ingênuos confundem a fantasia do cinema com a dura realidade.
Armas de fogo são ótimas para ataque, e muito precárias para autodefesa, porque
o agressor conta com o fator surpresa. Ótimos
atiradores, quando surpreendidos, são abatidos em frações de segundos.
[é até uma demonstração de má fé comparar as chances de defesa de um
cidadão diante de um assalto com as de um cidadão que está em um local de
diversão, sem esperar nenhuma situação de risco, e de repente alguém empunhando
um AR-15 começa a disparar indistintamente.
São situações bem distintas. O
cidadão que é vítima de um assalto, muitas vezes se torna quase vítima, já que
o assaltante ao perceber que sua futura vítima está armada desiste dela e vai
escolher uma que está desarmada.
Mesmo comportamento tem os ladrões de
residência.
Em uma matança no estilo da em
questão armas são de pouco valia, já que o atacante conta com o fator surpresa
e uma arma que não costuma, mesmo nos Estados Unidos, ser transportada igual se
faz com uma pistola.]
As
pesquisas independentes são unânimes em comprovar essa realidade, que os
especialistas, e a sabedoria popular, captaram, ao afirmar que “quem reage morre”. A pesquisa mais recente concluiu que, em
média, para cada
tentativa de defesa armada bem-sucedida contra ataque armado, 32 outras
tentativas acabaram com a morte da vítima que reage, segundo o
Centro de Política sobre Violência, dos EUA. [os que
defendem o livre porte de armas, entre os quais me incluo, são sabedores que o
uso da arma para defesa após o cidadão estar sob mira da arma do assaltante não
costuma ser exitoso – o que conta mais é a capacidade de dissuasão que estar
armado propicia, levando os assaltantes a procurar outra vítima.
O livre porte de arma permitindo que
em um determinado recinto haja várias pessoas armadas, também se revela um
excelente fator dissuasório já que o assaltante ao saber que naquele local tem
várias pessoas armadas, desiste, diante da certeza que tem de que ao atacar uma
pessoa, render em uma tentativa de assalto, pode ser abatido por uma das
pessoas armadas presentes no local.
Agora o que os defensores do
desarmamento no Brasil conseguiram com o famigerado Estatuto do Desarmamento –
que felizmente será revogado, mesmo que seja por partes, perdendo pouco a pouco
os dispositivos que proíbem a posse/porte de armas - é dar aos bandidos a certeza de que atualmente
em um local com 20 pessoas, há poucas
chances de que alguém esteja armado.]
No Brasil, a bancada da bala tenta derrubar no
Congresso o Estatuto do Desarmamento, que estabelece o controle de armas, e
proíbe o seu porte, impedindo que civis andem armados em lugares públicos. A
nova lei foi aprovada em dezembro de 2003, e implementada a partir de 2004.
Pois de 2004 a 2014, o controle de armas determinado pelo Estatuto evitou a
morte por arma de fogo de 133.387 pessoas, segundo o último Mapa da Violência,
do sociólogo Julio Waiselfisz.
Para o
lobby da indústria de armas, ao contrário, pouco
importa que a violência vá explodir, com gente andando armada em shoppings,
cinemas, restaurantes e escolas, seguindo-se a trajetória dos EUA, com
seus homicídios de inocentes em série e em massa. Se armas de fogo são
ineficazes para autodefesa, como nos proteger? Não é preciso inventar. Basta seguir o exemplo das democracias que reduziram
drasticamente esses homicídios. [muitos
se lembram daquele estudante de Medicina, pacato universitário em São Paulo, e
que um dia decidiu comprar uma metralhadora matou várias pessoas em um cinema.
Qual a utilidade do Estatuto do
Desarmamento em uma situação dessas?]
Tiveram êxito ao fazerem grandes
e inteligentes investimentos em segurança pública. A polícia passou a combater com
eficiência o crime organizado, a controlar seus membros para que não fossem
cúmplices do tráfico ilegal de armas, a fiscalizar as fábricas, lojas e
fronteiras para reduzir esse tráfico, a proteger não só os cidadãos em geral,
mas principalmente os que exercem profissão de risco, a proibir, ou controlar,
as armas em posse de civis.
Essa é a
solução democrática e eficaz, e não o
modelo armamentista americano, que condena os EUA a serem campeões de
homicídios por arma de fogo entre todos os países desenvolvidos, e o
primeiro em suicídios por arma de fogo em todo o mundo. Nos EUA, inacreditáveis 61,3% das mortes por arma de
fogo são suicídios. [mesmo
sendo livre o porte e posse de armas nos Estados Unidos da América o número de
homicídios por arma de fogo é bem inferior ao do Brasil – tanto em termos
relativos quando absolutos.
A prova é que os defensores do
desarmamento não explicam – evitam até abordar o assunto – os motivos pelos
quais morrem mais pessoas no Brasil, vítimas de armas de fogo que nos EUA.]
O Estado não pode fugir à
responsabilidade constitucional de proteger os bens e a vida dos cidadãos, deixando-os entregues à própria
sorte. O Estatuto do Desarmamento foi um importante passo na direção de avançar
na construção de uma sociedade segura. Agora, é preciso
defender a segurança pública contra a ganância e a insanidade de interesses
privados, como ocorre nos EUA, implementando o Estatuto em sua
totalidade, e investindo mais e melhor na reforma da polícia.
Essa é a saída democrática para a
redução da violência armada no Brasil.
Por: Antonio Rangel
Bandeira é sociólogo do Viva Rio e da Frente
Parlamentar pela Vida
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