Sentimento
com o Judiciário é dúbio; por um lado, é visto por muitos como o
principal pilar institucional do país. Por outro, é acusado de alimentar
a insegurança jurídica do país
A sociedade, não sem razão,
se queixa do estado pesado, caro e ineficiente, que não consegue
entregar serviços públicos de boa qualidade. Ainda que o alvo das
críticas seja, geralmente, o Poder Executivo, o mal também acomete o
Poder Judiciário. O sentimento com o Judiciário é dúbio. Por um lado, é
visto por muitos como o principal pilar institucional do país. Por
outro, é acusado de alimentar a insegurança jurídica do país,
comprometendo o ambiente de negócios, gerando distorções alocativas na
economia e nas políticas públicas. Não só de Lava Jato vive o
Judiciário.
O custo do Judiciário no Brasil é extremamente
elevado quando comparado a outros países de renda per capita similar,
havendo pouco incentivo para os Tribunais controlarem os seus próprios
gastos. Segundo Luciano Da Ros, o Poder Judiciário custa 1,3% do PIB,
enquanto que Chile e Colômbia gastam pouco mais que 0,2% do PIB;
Venezuela, 0,34% e Argentina, 0,13%. Já o sistema de justiça brasileiro,
que inclui Ministério Público, Defensorias Públicas e Advocacia
Pública, custa 1,8% do PIB, contra 0,37% em Portugal.
Para
explicar a razão para tanta discrepância, o autor examina outros
indicadores e conclui que a distorção não está no número de magistrados
por habitante, que está em linha com a média mundial, mas cresce
exponencialmente no número de servidores, terceirizados e afins. São 205
funcionários para cada 100.000 habitantes contra 42 no Chile e
Colômbia. Na Argentina, 150. O Brasil também se destaca pelo elevado
salário de juízes, dos mais elevados no mundo.
Os números não são
nada bons, e em tempos de grave crise fiscal, convém reavaliar o
destino dos gastos públicos; especialmente diante do inoportuno ajuste
de salários do Judiciário, enquanto a escalada do desemprego tira o sono
de muitos. Apesar do alto custo, por incrível que pareça, talvez
esse não seja principal problema do Judiciário. Afinal, se o sistema
fosse caro, mas eficiente, gerando retornos para a sociedade, o elevado
custo poderia ser palatável. Não é o caso. A posição do Brasil em
rankings mundiais que avaliam a eficácia do sistema judicial, como o
Doing Business, não é nada boa.
É verdade que há grande número de
ações judiciais, justificando em alguma medida o elevado custo do
Judiciário. O autor confirma a queixa dos magistrados de que o volume de
trabalho os sobrecarrega. De qualquer forma, o indicador de novos
processos por funcionário não seria elevado: 68,2 novos casos para cada
funcionário no Brasil, contra 135,9 em Portugal.
A abrangente
constitucionalização no país ajuda a explicar o volume de processos. A
Constituição, muito detalhada, transformou matérias típicas de políticas
públicas em direito constitucional. Por exemplo, se um direito
individual é disciplinado em uma norma constitucional, ele se
transforma, potencialmente, em ação judicial visando a garantir o
cumprimento de direitos e garantias estabelecidos na Constituição. Não à
toa o Brasil tem o único Supremo Tribunal Federal no mundo que julga
habeas-corpus, típica medida saneadora primária. Um segundo problema é
que o Estado é o grande litigante – quase 63% de todos os processos no
Brasil envolve algum ente federativo ou estatal.
Outro ponto é
que o sistema brasileiro de controle da constitucionalidade se tornou,
com a Constituição de 1988, um dos mais abrangentes do mundo, segundo
especialistas. Além das esferas de poder, entidades de classe dos vários
segmentos da sociedade podem propor ações diretas de
inconstitucionalidade, ações civis públicas e outras ações cujo efeito é
coletivo. O Brasil tem, portanto, um sistema que estimula a judicialização.
A
ação do Judiciário, no entanto, acaba agravando o problema, em função
do ativismo judicial, que se refere ao hiato entre a lei e a decisão de
juízes. A lei, muitas vezes, tem servido para estabelecimento de
discriminações e privilégios, não havendo imparcialidade por parte das
instituições responsáveis por sua aplicação. Constroem doutrinas e
atalhos de forma que a lei seja aplicada de forma seletiva. Esta é uma
crítica ao comportamento de juízes que substituem os ditames
constitucionais pela sua própria subjetividade. Muitas vezes, ao invés
de cumprirem a lei, proferem sentenças com base em suas próprias
convicções, muitas vezes estranhas à própria lei.
A
judicialização e ativismo judicial formam uma combinação explosiva. O
elevado poder discricionário de juízes e cortes alimenta um círculo
vicioso: como há ativismo judicial, vale a pena se recorrer ao
Judiciário. Além disso, custa pouco litigar e a demora nos processos é
benéfica para quem não tem o direito. Os agentes econômicos
precisam incorporar em suas decisões de investimento esse risco. Vários
setores, como saúde, bancos, e as relações trabalhistas são afetadas
pelo ativismo judicial. As críticas são variadas, indo desde a falta de
conhecimento e informação dos juízes sobre os temas julgados ao déficit
de legitimidade democrática dos magistrados.
Além disso, muitas
vezes o sistema judiciário gera constrangimentos à gestão pública, como é
o caso da ação dos tribunais de contas nas decisões de investimento em
infraestrutura, e na concessão de benefícios sociais de forma generosa.
Exemplos importantes são a concessão de aposentadoria rural (quase um
terço dos benefícios rurais são concedidos judicialmente) e de benefício
de assistência continuada, o LOAS (quase 20% concedidos judicialmente).
O mesmo vale para o SUS e planos de saúde, que sofrem com imposições
feitas pelo Judiciário, implicando custos enormes, muitas vezes de forma
arbitrária. A percepção é que o Judiciário não tem noção de orçamento e
de restrição orçamentária.
Outro exemplo de ativismo é a do
Tribunal Superior do Trabalho (TST) na edição de súmulas. Trata-se de
deliberação dos ministros – e não é lei aprovada no Congresso – que está
acima de decisão das partes envolvidas. Súmulas que geram custos
elevados e que acabam gerando insegurança jurídica. Como agravante, os
tribunais regionais do trabalho muitas vezes mantêm orientações de
jurisprudência contrárias a enunciados na esfera federal. A divergência
de entendimentos estimula a judicialização.
A aplicação da Lei de
Falências também deixa a desejar. O viés da Justiça em proteger o
devedor (as empresas), contrariando a lei, acaba gerando ruídos e
distorções no mercado de crédito. Ao proteger empresas ineficientes, em
detrimento dos credores, acaba afetando todo o mercado de crédito e
penalizando as demais empresas.
Não se trata de colocar toda a
responsabilidade da confusão jurídica do país no colo do sistema
Judiciário. Afinal, há um emaranhado de leis e jurisprudência, e
mudanças excessivas de regras, muitas vezes sem critérios. Mas isso não
tira a responsabilidade do sistema judiciário por piorar a alocação de
recursos na economia – públicos e privados -, e alimentar a insegurança
jurídica no Brasil, peça quebrada que atrapalha o bom funcionamento das
válvulas da economia.
Fonte: O Estado de São Paulo - Zeina Latif
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