Tetraneto do patriarca da Independência, o político mineiro Zezinho
Bonifácio costumava dizer pelos corredores do poder que só o fato novo e
o fato consumado eram capazes de justificar as grandes reviravoltas
políticas do País. A ascensão de Jair Bolsonaro é, sem medo de errar, o
fato novo da corrida presidencial de 2018. Agora, ele trabalha para se
tornar um fato consumado. Mesmo que, para isso, tenha de camuflar sua
essência. Senão vejamos. Na última semana, em tour pelos EUA, o
pré-candidato ao Planalto cancelou um debate na George Washington
University faltando apenas 24 horas para o evento. No rastro de uma
saraivada de críticas, emergiu a justificativa: a recusa guardou relação
com o que chamou de “cilada” armada contra ele pelo organizador do
colóquio, o americano Mark Langevin, um ex-integrante da CUT. Sem entrar
na questão da armadilha em si, convenhamos, o Bolsonaro “velho de
guerra” jamais fugiria do embate.
Pelo contrário. A refrega era um prato
cheio para o pré-candidato. Dono de estilo eloqüente, soltaria os
cachorros para cima do “professor-militante” em meio ao deleite de seu
séquito. O debate geraria barulho nas redes sociais. Seus seguidores
vibrariam a cada intervenção. Bolsonaro consolidaria votos. Mas por que,
então, claudicar? A verdade é que o deputado, aos poucos, se molda às
conveniências eleitorais.
Bolsonaro não é chuva de verão. Pela primeira vez, sabe que reúne
chances de chegar ao Planalto. Mas ele também está ciente de que, para
alcançar a Presidência, precisa transcender seu eleitorado cativo.
Necessita ganhar a preferência de dois dos mais numerosos grupos de
eleitores brasileiros: mulheres e moradores dos grotões do País. Não é
tarefa trivial. Seduzir essa fatia do eleitorado lhe exige ser menos
Bolsonaro “tiro, porrada e bomba” e mais “Bolsonaro paz e amor”.
Mudanças de comportamento motivadas por interesses puramente
eleitorais não constituem uma novidade. Em 2002, Lula moderou o discurso
radical e repaginou o visual para se tornar palatável ao mercado, às
elites e à classe média. Deu certo. Bolsonaro segue trilha semelhante.
No próprio périplo pelos EUA, suavizou o linguajar para soar menos
casca-grossa aos investidores. Convencido de que precisa passar por um
processo de “desradicalização”, jamais, por exemplo, repetirá a
entrevista de 1999 em que sugeria o fuzilamento de FHC. Como Lula jamais
repisou a famosa entrevista para a Playboy, em 1979, quando afirmou que
usava o sindicato para “papar” mulheres de companheiros mortos.
As semelhanças param por aí. Mas, gostem ou não, é melhor aliados e
adversários de Bolsonaro já irem se acostumando. O candidato, embora
ainda não seja fato consumado, pode sim ser eleito presidente, caso se
confirme o cenário pulverizado que se descortina no horizonte. E quanto
maior for a possibilidade dele chegar lá, menos Bolsonaro ele será. Por
mais irônico que possa parecer, Bolsonaro 2018 estará mais próximo de
Lula 2002 do que de Trump 2016.
Fonte: Sérgio Pardellas - Isto É
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