A Primeira
Turma do Supremo estará hoje com um caso emblemático nas mãos, daqueles
em que ministros do Supremo deveriam, em benefício da própria sanidade
da Lava Jato, dizer: “Assim não pode”.
Vamos ver.
Joesley
gravou a conversa em que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) lhe pede R$ 2
milhões. Você pode não acreditar e achar que Aécio estava dando um
truque no empresário. Mas o fato é que, no diálogo, o político mineiro
diz que precisa do dinheiro para pagar advogados.
A Polícia Federal montou a operação para flagrar o momento da entrega do dinheiro. Já escrevi bastante a respeito. Rodrigo Janot acusa o tucano de obstrução da investigação e corrupção passiva. Por que
ele teria tentando obstruir a investigação? Porque, presidente do PSDB
que era, discutiu com seus pares e com outros políticos a aprovação do
projeto que muda a lei que pune abuso de autoridade. Mais: também
discutiu nomeações na Polícia Federal. Reitere-se: debateu o tema. Aécio
não nomeou nenhum delegado. Pergunto e
você responda aí intimamente: um senador, seja do PSDB, PT, PMDB ou
qualquer outra legenda, está ou não no cumprimento de suas funções
quando debate esses assuntos? “Ah, mas ele falou até com Joesley…” E
daí? A questão que precisa de resposta é esta: onde está a obstrução?
Corrupção passiva
A segunda imputação inflama bem mais as
opiniões, e a tendência é mandar a lei às favas, como faz, aliás, a
procuradora Raquel Dodge ao defender a aceitação da denúncia. Sim, o
dinheiro em espécie foi entregue. Você, eu e todo mundo temos o direito
de achar que empresário não dá, doa ou empresta dinheiro a políticos se
não for por interesse. Mas,
convenham, para denunciar ou acusar alguém por um crime de corrupção
passiva, é preciso que exista a prova. É assim em qualquer democracia do
mundo. Dodge advogou a tese da presunção da culpa.
De fato, o
caput do Artigo 317 do Código Penal diz que está caracterizada a
corrupção passiva mesmo sem ato de ofício, que é fator de majoração da
pena. Basta a promessa do benefício indevido. Lá está escrito:
“Solicitar ou receber, para
si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou
antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar
promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.”
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.”
Então ao
menos a promessa da vantagem feita por Aécio deveria ter sido apontada.
Mas também isso não está lá. No desespero, Janot recorre a um caso que
nada tem a ver com os R$ 2 milhões e cita R$ 60 milhões doados pela JBS
ao PSDB, que foram declarados. Diz ele que, em troca, o governo de Minas
operou renúncias fiscais para o grupo da ordem de R$ 24 milhões. Vale
dizer: Joesley teria comprado, então, um benefício de R$ 24 milhões,
pagando, por ele, R$ 60 milhões. A tese de
Dodge é a seguinte: sempre que um agente público receber algum dinheiro,
está caracterizada a corrupção passiva sem que o órgão acusador precise
apontar nem mesmo qual é a promessa do benefício. Ela pode achar o que
quiser. É essa a lei?
Juiz natural
Há mais. Não houve o sorteio do relator, o
que frauda o princípio constitucional do juiz natural. Edson Fachin foi
escolhido por Janot, pela acusação. Ocorre que o ministro é relator do
petrolão, que nada tem a ver com caso JBS. Tanto é assim que, depois,
abriu mão da relatoria. Mas não sem ter feito muita lambança.
Marcelo Miller
Finalmente, destaque-se a atuação ilegal
de Marcelo Miller em todo esse processo. O agora ex-procurador era
auxiliar de Janot, atuava na Procuradoria-Geral da República, participou
de todos os procedimentos que disseram respeito a Aécio e Temer e, ao
mesmo tempo, atuava como advogado da JBS, contratado que fora pelo
escritório Trench Rossi Watanabe para costurar, justamente, o acordo de
leniência da empresa.
Chamou-se à filmagem do recebimento do dinheiro de “operação controlada”. Tratou-se, na verdade, de flagrante armado.
Mas…
Será que justamente a Primeira Turma,
tratada como “dura” em matéria penal, vai rejeitar a denúncia contra
Aécio poucos depois de ter votado em peso — com exceção de Marco Aurélio —
contra a concessão de habeas corpus a Lula? Acho difícil. Até porque o
que se pratica ali não é dureza, mas falta de critério, jogando para a
galera. Aceitação de denúncia, note-se, não é condenação. Mas, também
nesse caso, convenham, a prova tem se tornado um elemento dispensável.
Assim, aceitando-se a denúncia nesta terça, teremos o seguinte, coisa a que alguns chamam de “avanço”:
– parlamentar debater temas que a MPF e a PF consideram contra seus interesses caracteriza obstrução da investigação;
– legitima-se a prática de o órgão acusador escolher o juiz que considerar mais simpático à sua acusação;
– legitima-se o uso de prova ilegal para apresentação e aceitação da denúncia. E, se for o caso, para a condenação. E isso também é expressamente proibido pela Constituição. Trata-se do Inciso LVI do Artigo 5º: “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Com a devida vênia: assim, não se melhora o Brasil; só se piora.
E o processo eleitoral está aí para prová-lo.
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