Acordo na Câmara contra a Lava-Jato leva à união dos partidos de Lula, Ciro, Boulos e Manuela com o MDB de Michel Temer, o PP de Ciro Nogueira e o PSD de Gilberto Kassab
Em meio à
campanha eleitoral surgiu uma estranha aliança: o PT de Lula, o PDT de Ciro
Gomes, o PSOL de Guilherme Boulos e o PCdoB de Manuela D'Ávila se uniram ao MDB
de Michel Temer, o PP de Ciro Nogueira e o PSD de Gilberto Kassab. O acordo foi
selado dias atrás na Câmara, com adesão posterior do PR de Valdemar da Costa
Neto e do PSB, que ainda não definiram o rumo na sucessão. O
objetivo comum é usar o Legislativo para instigar a anulação, ao menos parcial,
de processos criminais abertos na Operação Lava-Jato. A manobra prevê a
contestação da integridade da atuação de procuradores e juízes federais da
primeira instância, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal
Federal em acordos de delação premiada.
Pretende-se
instalação imediata de uma CPI na Câmara para investigar especulações, assim
descritas: “Possibilidade de manipulação das colaborações premiadas, e
possibilidade do envolvimento de agentes públicos.” O pedido
foi assinado por 190 deputados. Parte já esteve envolvida em artimanhas
frustradas para emparedar procuradores e juízes ou, simplesmente, anistiar a
réus e investigados na Lava-Jato. Tentam a reeleição e, para eles, a liquidação
da Lava-Jato é um sonho que não acabou. O
documento indica um triunfo do improvável: uma grande aliança entre partidos
adversários, cujos candidatos à presidência mantêm visões peculiares tanto
sobre o governo Michel Temer quanto dos competidores na sucessão.
Temer é
alvo central. Seu líder na Câmara é o deputado Baleia Rossi, que escolheu por
absoluta confiança. Rossi negociou o acordo da CPI contra a Lava-Jato com o
deputado Paulo Pimenta, líder do PT, defensor da candidatura virtual de Lula,
preso em Curitiba, onde cumpre pena de 12 anos e um mês por corrupção e lavagem
de dinheiro. Pimenta só se refere a Temer como “golpista”, “corrupto” e “chefe
de quadrilha”, entre outros qualificativos.
Aliados
de Temer, como Rossi, retrucam. Lembram quase diariamente, no Congresso, as
“roubalheiras” da era petista, nos governos Lula e Dilma, “principalmente na
Petrobras”.
O PDT de
Ciro Gomes aceitou a aliança com o governo e o PT. Ciro, candidato do partido,
atravessa o país em campanha identificando Temer como modelo de político
viciado em “roubar a nação”. Também costuma culpar Lula pela confusão que está
aí: “Resolveu brincar de Deus — botar Temer na linha de sucessão; impor a Dilma
sem experiência num 'dedaço' como presidente; entregar Furnas a Eduardo
Cunha... Tudo isso Lula sabe que fez.”
PSOL e
PCdoB, já classificados por Ciro Gomes como “puxadinhos” do PT, certamente
terão dificuldades para explicar ao seus eleitores as razões do alinhamento não
só ao MDB de Temer e o PDT de Ciro, como também ao PR de Valdemar da Costa
Neto, o PP de Ciro Nogueira e o PSD de Gilberto Kassab — nesses três partidos
aglutinam-se dezenas de investigados por corrupção, lavagem de dinheiro e
tráfico de influência. Essa
estranha união contra a Lava-Jato contribui só para aumentar a nebulosidade
numa campanha dominada pela desconfiança dos eleitores. Ela sugere que partidos
e candidatos desejam enquadrar o país na moldura do realismo fantástico, onde
não existem leis, a começar pela lei da gravidade.
José Casado, jornalista - O Globo
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