Parece
livre de obstáculos o caminho de arbitrariedades trilhado por alguns
membros da Polícia Federal (PF), do Ministério Público (MP) e do Poder
Judiciário em uma autoatribuída cruzada anticorrupção. Ela não raro vem
carregada de um ar messiânico na fala e nas ações de seus integrantes,
mais preocupados com a opinião pública do que com o respeito às leis.
Uma cruzada que seria por demais importante para ter de lidar com
“óbices” como a Constituição.
O pedido de quebra do sigilo
telefônico do presidente da República é exemplar destes tempos
esquisitos, em que a banalidade do arbítrio se instalou justamente entre
alguns dos que deveriam ser os primeiros a venerar a lei. A
quebra do sigilo telefônico do presidente Michel Temer foi requerida
pela PF ao ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo
Tribunal Federal (STF), no âmbito do inquérito que apura o suposto
pagamento de R$ 10 milhões ao MDB pela Odebrecht. Em troca do
financiamento ilegal de campanhas eleitorais do partido, a empresa teria
sido favorecida em contratos com o governo federal. De acordo
com o inquérito – que, pasme o leitor, tramita em segredo de justiça –, a
negociação para o repasse do dinheiro teria ocorrido em 2014 no Palácio
do Jaburu, envolvendo Michel Temer, então vice-presidente de Dilma
Rousseff; Marcelo Odebrecht, presidente da empreiteira; Moreira Franco,
atual ministro de Minas e Energia; e Eliseu Padilha, atual
ministro-chefe da Casa Civil. A PF também requereu a quebra do sigilo
telefônico dos dois ministros de Estado.
À luz do que está
escrito no artigo 86, parágrafo 4.º, da Lei Maior, o pedido de quebra do
sigilo telefônico do presidente da República feito pela PF ao STF é
mais um caso de audacioso abuso. Fosse respeitado o texto
constitucional, um inquérito para apurar supostos crimes cometidos por
Michel Temer em 2014 nem sequer deveria ter sido instaurado enquanto ele
exercer seu mandato como presidente da República. [comprove o absurdo, a ilegalidade, da pretensão da PF, clicando aqui.]
Isto acontece,
primeiro, por conta de uma ferrenha campanha de desmoralização da
atividade política que parece animar setores da PF, do MP e do
Judiciário com o objetivo de nivelar por baixo todos os políticos. Desta
forma, os gratos olhos da Nação se voltariam para aqueles empenhados em
expurgar os malfeitores da vida nacional, malgrado as graves
consequências de um hipotético estado de negação da política.
Segundo,
porque uma leitura enviesada do texto constitucional dá azo a
interpretações convenientes aos interesses daqueles que desejam atingir o
político que tem maior expressão entre todos: o presidente da
República. A Constituição diz que o “Presidente da República, na
vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos
estranhos ao exercício de suas funções”. A artimanha está na
interpretação da palavra “responsabilizado”. Há quem diga que impedir
que o presidente seja responsabilizado por crime anterior ao mandato não
impede a sua investigação. [segundo Ives Gandra Uma investigação com claro intuito de responsabilização já
macula a vedação constitucional.]
É evidente que tal forma de ler o
comando constitucional se presta tão somente a legitimar a ação daqueles
que têm por intento instalar um clima de instabilidade política no País
ao enfraquecer o chefe do Poder Executivo. E aqui não se trata apenas
do atual presidente, mas de todos os outros que lhe sucederem. Uma
investigação criminal já é, por si só, uma forma de responsabilização.
Ela traz consequências sérias para a vida do investigado; em se tratando
do presidente da República, implicações diretas nos rumos do País. Ao
impedir a responsabilização do presidente por atos anteriores ao
mandato, a Constituição visa justamente a proteger o País de
aventureiros que, desestabilizando o chefe de Estado e de governo,
ponham em risco os interesses da Nação.
O ministro Edson Fachin
fez valer a Constituição e negou o pedido de quebra do sigilo telefônico
do presidente Michel Temer, deferindo-o apenas em relação aos ministros
Moreira Franco e Eliseu Padilha. Não é certo dizer que isso impedirá
novos abusos, mas foi um sinal claro dado pelo STF de que eles não podem
ser tolerados.
Editorial - O Estado de S. Paulo
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