Abaixo, o trecho da entrevista:
Merval: Candidato,
o senhor no ano passado, estava falando para um grupo de militares,
afirmou a seguinte coisa: ‘os poderes terão que buscar solução, se não
conseguirem, chegará a hora que nós teremos de impor uma solução’.
Depois o senhor explicou que só se houvesse uma situação de caos no
país. Mas que solução seria essa que os militares imporiam fora da
Constituição? A Constituição já prevê estado de sítio, de emergência,
aprovado pelo Congresso. E o senhor acabou de revelar que, ao dizer essa
frase, o senhor já tinha sido convidado para entrar na política. Esse
convite teve algum peso nessa sua declaração?
Mourão: Julgo
que não. Essa declaração, né, Merval, foi respondendo a uma pergunta
hipotética numa palestra na loja maçônica lá em Brasília, realizada em
setembro do ano passado. O perguntador, até meio que se enrolou, invocou
o artigo 142, eu também não estava bem preparado para responder à
pergunta naquele momento. Já era o último lance do debate. Mas ficou
aquela ideia de que eu estava pregando um golpe militar. Essa foi a
ideia que foi passada. E eu, em nenhum momento, preguei golpe militar. É
uma questão de, quando você olha a missão constitucional das Forças,
tem uma missão que eu considero, que ela é uma coisa, como é que
interpretar isso, que é a tal da garantia dos poderes constitucionais.
Como é que a gente garante os poderes constitucionais? Mantendo a
estabilidade? E, se um Poder não consegue mais cumprir a sua finalidade,
o que nós fazemos? Então é uma discussão que nós temos tido ao longo
dos tempos, porque está escrito na Constituição.
Merval: O senhor, então, admite que as Forças Armadas podem intervir se julgarem que um poder está inerte, ou está em perigo?
Mourão: Eu
vou colocar aqui para ti, Merval. Eu vejo. O Brasil tem quatro
objetivos nacionais permanentes. Integridade do território, integridade
do patrimônio, democracia e paz social. Quando você fala em integridade
do território, integridade do patrimônio, é defesa da pátria. E quando
você fala democracia e paz social, você está dentro das outras duas
missões, que é a garantia dos poderes constitucionais e a garantia da
lei e da ordem.
Heraldo: Mas, general, sempre a pedido, por solicitação de um dos Poderes. Não é por conta própria…
Mourão: Pois
é, mas quando a gente vê que pode ocorrer uma anomia. Nós estamos
falando aqui de uma situação hipotética, né, isso é hipotético. Quando
você vê que o país está indo para uma anomia, na anarquia generalizada,
que não há mais respeito pela autoridade, grupos armados andando pela
rua…
Heraldo: Mas não está na Constituição, a letra da Constituição não estabelece essa possibilidade, isso é uma possibilidade fora… [no entendimento do autor da pergunta se não constar do texto constitucional, de forma detalhada, didática (podemos dizer 'desenhado') o que as FF AA devem fazer, deve prevalecer a bagunça, a anarquia, o caos;
não tem sentido, que a falta de instruções detalhadas, tipo um 'passo a passo, a bagunça impere - fica claro, lógico, que a ORDEM deve ser restabelecida pelas Forças Armadas usando os meios necessários.]
Mourão: Heraldo,
toda missão tem que haver uma interpretação. O comandante, o item 1 do
estudo de situação do comandante é interpretar a missão. E não é fácil.
Heraldo: Não
existe interpretação, general, porque a letra, vamos tratar na
literalidade da Constituição e o guardião da Constituição é o STF, que
interpreta.
Mourão: Só que a garantia dos poderes constitucionais não é por iniciativa de qualquer um dos poderes. A da lei e da ordem, sim.
Miriam: O
senhor disse ontem em Porto Alegre que a democracia é o nosso bem
maior. Eu quero entender melhor exatamente em que situação esse bem
maior pode ser sacrificado na opinião do senhor?
Mourão: Exatamente, Miriam, quando há anarquia. Quando o país está em anarquia…
Miriam: Agora há?
Mourão: Agora não. Nós temos tido turbulências, temos tido momentos aí que as coisas ficaram meio complicadas, mas não estamos chegando…
Miriam: Não
existe na Constituição a possibilidade de as Forças Armadas agirem por
conta própria. Existe apenas. Ela atende a comando de poderes
institucionais brasileiros. É esse ponto que a gente não está entendendo
muito bem…
Merval: E
para reforçar queria lembrar uma frase do senhor, que disse o seguinte:
“porque não vamos derrubar esse troço todo? Até chegar o momento em que
ou as instituições solucionem o problema político, a relação do
Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em
todos os limites ou então nós teremos que impor isso. Sobre isso que o
senhor está falando?
[a leitura atenta do PREÂMBULO do ATO INSTITUCIONAL Nº 1, em muito facilita o entendimento da fala do general Mourão e também permite comprovar o acerto da mesma.]
Mourão: Era
exatamente. O que acontece, como eu disse, foi uma pergunta feita ali
no final de um debate, uma pergunta malfeita e também mal respondida por
mim. Foi mal respondida. Passou uma imagem de que eu estava pregando um
golpe militar. E não é isso que eu prego.
Cristiana: Mas se não está na Constituição. Não é intervenção, é golpe…
Mourão: Vamos
ver o seguinte: responsabilidade. As Forças Armadas têm
responsabilidade de garantir que o país se mantenha em funcionamento.
Cruzamos os braços e deixamos que o país afunde?
Cristiana: A política não tem como mediar isso?
Mourão: Se
a política não estivesse mediando. Olha a situação que eu estou
colocando, Cristiana, é o momento em que a anarquia toma conta do país.
Não está acontecendo.
Cristiana: Mas em qualquer hipótese, uma intervenção é..
Merval: Quem é que vai decidir que a situação está de anarquia nesse limite que o senhor está colocando?
Mourão: Para isso que existe comandante, né? O comandante teria que decidir, não seria a iniciativa…
Merval: Mas o comandante quem? O presidente da República?
Mourão: O
próprio presidente é o comandante-chefe das Forças Armadas, ele pode
decidir isso. Ele pode decidir empregar as Forças Armadas. Aí você pode
dizer: “mas isso é um autogolpe”.
Merval: É, é um autogolpe.
Mourão: É um autogolpe, você pode dizer isso.
Cristiana: Mas o congresso que tem que decidir…
Mourão: É um autogolpe também.
Merval: O senhor admite a possibilidade teórica de haver um autogolpe?
Mourão: Já houve em outros países, né? Aqui nunca houve.
Camarotti: Mas aqui o senhor admite na situação do Brasil, no nível de avanço democrático que o Brasil já conquistou?
Mourão: Não
acho que vá ocorrer, Camarotti, não acho que vá ocorrer. Eu respondi a
uma hipótese, trabalhamos em cima de uma hipótese e eu tenho dito em
todas as vezes, já me perguntaram esse assunto várias vezes, que era uma
hipótese. E eu não vejo no momento que o Brasil está vivendo, com todas
dificuldades que nós temos, com um Congresso com muita gente envolvida
em atos de corrupção, com um Executivo sem conseguir realizar suas
tarefas. Às vezes, com as reclamações que nós temos em relação à
lentidão do Judiciário, à falta de ação do Judiciário. Mas prosseguem
funcionando as instituições brasileiras. E o nosso comandante, o Eduardo
Villas Bôas, tem deixado isso muito claro todas as vezes. E qual foi o
tripé em que ele se manteve nesse tempo todo? Legalidade, estabilidade e
nossa legitimidade.
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