Com novo e totalmente ilegítimo mandato presidencial, o precipício sem fim em que o chavismo jogou a Venezuela fica mais assustador ainda
Não existem fertilizantes para produzir ração animal nem dinheiro para importá-la. Também não existe dinheiro para pagar empregados, fora o petro, a moeda surreal inventada pelo governo. Sem contar que animais no pasto são sistematicamente subtraídos para venda aos famintos. Em novembro, causou comoção passageira – a fome não deixa espaço para outros sentimentos – o caso da égua morta e esfolada na maior faculdade de veterinária do país. Alguns estudantes choraram, mas não foi exatamente uma novidade: outros dois cavalos e sete cabeças de gado, incluindo um touro usado no programa de reprodução da faculdade, acabaram no prato.
Comer cavalo, carne em processo de apodrecimento por falta de refrigeração e até animais de zoológicos, recursos desesperados normalmente só vistos em países devastados por guerras, viraram parte da paisagem. Perversamente, o governo usa a fome generalizada que ele mesmo produziu. Portadores do Carnê da Pátria, o cartão obrigatório para a compra de alimentos e combustível subsidiados, foram pressionados a votar em Maduro. Menos de 50% dos eleitores se deram ao trabalho de ir votar. O resultado – Maduro reeleito com 68% – seria de dar risada se a tragédia venezuelana não fosse tão dolorosamente presente.
A eleição, em maio passado, foi “convocada” pela Assembleia Nacional Constituinte, inventada para dar um verniz de pseudolegalidade à eliminação de qualquer resquício de oposição. A Constituinte pode tudo e seu presidente, o inefável Diosdado Cabello, pode muito mais. Reforçado com o novo mandato de Maduro e a dívida que deixa com ela, Cabello avisou em seu programa na televisão estatal que “ninguém deve estranhar” se nesse ano houver medidas para “sanear” o Congresso, já neutralizado.
Cabello usa um porrete em cima da mesa para justificar o nome do programa, Com el Maso Dando.
Um relatório de maio do ano passado do Departamento do Tesouro americano, explicado o bloqueio de três empresas e 14 propriedades operadas por um testa de ferro do venezuelano, descreve as atividades de Cabello no ramo da extorsão, lavagem de dinheiro e desvio de fundos públicos. Entre outros crimes, ele e associados usaram a estatal Venezuelana de Alumínio para tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e transporte ilegal de minérios e dinheiro vivo para a Costa Rica, o Panamá e a Rússia.
Em associação com o vice-presidente Tareck El Aissami, ele comandou o transporte de drogas para a Europa via República Dominicana. Chegou a confiscar um carregamento de traficantes “comuns” para benefício próprio.
É isso mesmo: o segundo homem mais importante da Venezuela rouba de grandes traficantes, o que o coloca num nível de criminalidade comparável ao de Pablo Escobar. Com a diferença de que o colombiano nunca chegou nem perto de ter um cargo como o de Cabello. Nisso os bolivarianos ocupam uma posição única. Nunca um país do porte da Venezuela foi inteiramente transformado em plataforma do tráfico.
E nunca um país com tanta riqueza natural como o petróleo venezuelano foi transformado numa armadilha infernal para seus próprios habitantes. Isolado pelos vizinhos que integram o Grupo de Lima – ou cartel, diz Maduro, usando sem ironia a palavra que designa os grandes bandos de traficantes –, o venezuelano agora somou o Brasil ao inimigo habitual, a Colômbia.
Como a Assembleia Nacional declarou-o um usurpador ilegítimo, Maduro tomou posse numa instituição todinha sua, o Supremo Tribunal. É quase inacreditável que tenha sobrevivido à catástrofe desde 2013. E agora tem mais seis anos para acabar de destruir o que ainda sobra da Venezuela. Mesmo que não dure até 2025, uma eventual reconstrução do país fica cada vez mais distante.
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