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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Ministro com cabeça de juiz

Depois de se encastelar para elaborar seu pacote anticrime, Sergio Moro conversa com o Congresso para vender o projeto



As decisões de um juiz podem ser contestadas na instância superior, mas, em sua corte, ele é soberano. Na Justiça Federal de Curitiba, Sergio Moro era autossuficiente para, em uma canetada, ditar o destino de investigados na Lava-Jato, fossem eles secretários de empreiteiros ou ex-presidentes da República. Agora, à frente do superministério da Justiça e Segurança Pública, ele precisa adquirir uma habilidade que não se exige de magistrados: a negociação. Em 4 de fevereiro, o ministro convocou a imprensa para anunciar o pacote anticrime que ele pretende transformar em um dos pilares de sua gestão. Propôs dezenove tópicos que alteram catorze leis na área de segurança pública e combate à corrupção. A discussão na sociedade civil sobre a efetividade do plano e sua constitucionalidade começou no mesmo dia. Mas, em Brasília, a aposta é que o texto não avançará com a velocidade à qual Moro estava acostumado em Curitiba.

Quem convive com Moro sabe que o juiz é pragmático e preza resultados. A formulação do pacote anticrime não fugiu à regra. Encastelado em seu ministério e cercado pelos membros da força-tarefa da Lava-Jato que nomeou como secretários, o ex-juiz produziu o projeto rapidamente. Evitou reuniões com órgãos jurídicos, políticos e civis para cumprir a promessa de apresentá-lo ao público nos 100 primeiros dias do governo de Jair Bolsonaro. No fim da formulação, os secretários, embora orgulhosos do produto final, já admitiam entre si: vai ser difícil aprová-lo.
LEGÍTIMA DEFESA? – Investigação sobre operação policial no Rio: quinze mortos e suspeita de execuções (Pilar Olivares/Reuters)

Apoiadores e críticos do pacote dizem de forma unânime que, ao se furtar ao diálogo com setores interessados nas medidas, Moro agiu como se ainda fosse juiz, e não um ministro de Estado. Especialistas surpreenderam-­se com a fundamentação enxuta que o ministro apresentou. “Foi uma oportunidade perdida”, diz o professor da FGV Michael Mohallem, colaborador do estudo Novas Medidas contra a Corrupção, que serviu de inspiração para algumas das ideias levantadas por Moro. “Faltou tratar o texto com profundidade, sem receio de apresentar projetos complexos que demandariam trabalho do Legislativo.”

A pressa de Moro se justifica: ele quer deixar um legado, e rápido. Se Bolsonaro cumprir a promessa feita em campanha, Moro será indicado daqui a aproximadamente dois anos para a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) aberta pela aposentadoria do decano Celso de Mello. Um pacote complexo e bem fundamentado levaria meses para ser discutido e posto em votação no Congresso. Ainda mais importante é o timing. Há um indicativo claro de que a reforma da Previdência pautará todas as ações do Planalto no primeiro semestre do ano. Se o pacote anticrime viesse após a divulgação da reforma avalizada pela Presidência, os holofotes sobre ele seriam consideravelmente menores.

 (VEJA/VEJA)

A atuação de Moro nos últimos dias indica uma tentativa de marcar território no Congresso. Se agiu como magistrado e não abriu a possibilidade de diálogo enquanto trabalhava no projeto, o ministro mostrou disposição, em um primeiro momento, para explicar as mudanças a políticos e a outros atores interessados. Em cada situação, modulou um discurso diferente para atender aos anseios da plateia. A advogados de São Paulo, pediu que não olhassem para ele com “fúria” e afirmou que “não há nenhuma possibilidade” de tornar a legítima defesa mais permissiva. A deputados, fez a explanação deixando bem claro que o crime de caixa dois não tem efeito retroativo. “A lei só retroage para beneficiar, e nunca para prejudicar”, disse.

O perfil monocrático, porém, ainda se impõe. A primeira romaria de destaque foi um café da manhã organizado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com as lideranças dos partidos que endossaram sua recondução ao posto. Moro falou por vinte minutos sobre como seu pacote atendia aos anseios da população e não abriu espaço para perguntas. Em seguida, o ministro se reuniu com os governadores, e de novo falou sozinho, sem ouvir os questionamentos. Num encontro com a “bancada da bala”, voltou a apresentar o projeto sem permitir que indagações fossem feitas. Mais grave, não obedeceu aos ritos e hierarquias do Congresso: aceitou o convite do presidente da frente parlamentar, o deputado Capitão Augusto (PR-SP), sem consultar a liderança do governo na Câmara, o desacreditado Major Vitor Hugo (PSL-GO). “Ele aprendeu que o voluntarismo faz mal nessas horas”, disse, reservadamente, um líder partidário.

Moro tirou lições do episódio. A um pedido do Instituto de Garantias Penais (IGP) para que fizesse uma audiência pública sobre o tema, respondeu, por ofício, que não é obrigatória a realização de debates, e que haverá espaço para sanar dúvidas na tramitação no Legislativo. Na quinta-feira 14, afirmou a juízes em Brasília que seu projeto será enviado na semana que vem ao Congresso. Mas auxiliares que trabalham com o ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, dizem que o pacote não andará até que o da Previdência esteja com a aprovação encaminhada no Legislativo. O governo crê que autorizar a tramitação paralela de duas leis sensíveis implicará concessões nas duas frentes. No caso do pacote anticrime, a probabilidade de mudanças e desmembramentos é grande. Um dos auxiliares próximos a Lorenzoni disse que a criminalização do caixa dois só passa se disser explicitamente que crimes anteriores à aprovação da lei não serão punidos — o próprio chefe da Casa Civil admitiu que se valeu da prática no passado. Já as lideranças do DEM e do PSDB vão sugerir que o pacote seja anexado a outros projetos que estão parados na Câmara.

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O pacote também traz um artigo para proteger especificamente o agente policial em conflitos armados e situações de risco. Nas Páginas Amarelas da edição anterior de VEJA, o ministro negou que a mudança seja uma “licença para matar”. O policial brasileiro, porém, já morre e mata com trágica assiduidade. Só em 2017, o Brasil teve 256 policiais militares mortos em confrontos enquanto estavam fora de serviço, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública — que também registra 5 159 civis mortos em ações policiais. Ainda que o ministro negue que a medida permita tolerância com a violência dos agentes da lei, resta a forte possibilidade de que ela seja lida como validação da violência que já se pratica em ações como a que ocorreu na favela Fallet-­Fogueteiro, no Rio. No dia 8, a Polícia Militar informou que reagiu a traficantes “fortemente armados” no lugar, matando quinze suspeitos de envolvimento com o tráfico. Familiares não negaram que eles tivessem relação com o tráfico de drogas, mas denunciaram que os suspeitos foram torturados e executados pela PM. “Os meninos apanharam muito, deu para ouvi-los gritando e chorando. Depois, os policiais os mataram e levaram os corpos”, disse a vizinha da casa onde dois irmãos foram mortos. Atestados de óbito dos suspeitos trazem indícios de que houve mutilações nos corpos e traumatismo craniano. “O episódio pode servir para balizar a leitura que Moro propõe da Justiça, diante do que já é feito na prática”, diz o ouvidor-geral da Defensoria Pública do Rio, Pedro Strozenberg.

Publicado em VEJA de 20 de fevereiro de 2019, edição nº 2622

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