[no trato com as 'centrais' o governo Bolsonaro acerta todas (área na qual os filhos não dão palpites). CUT, demais centrais, movimentos sociais e partidos de esquerda, devem ser ignorados, desconsiderados de forma ostensiva e, na sequência, 'neutralizados' por auto desmoralização.]
No dia 14 de novembro de 2018 o presidente da CUT, Vagner Freitas,
participou de ato de apoio a Luiz Inácio Lula da Silva, em Curitiba, em
frente à carceragem da Polícia Federal onde o ex-presidente está preso
há dez meses. De camisa de manga comprida rosa claro com um jacaré
bordado no bolso, o dirigente sindical iniciou um jogral, recurso comum
em manifestações de improviso, em que as frases são amplificadas ao
serem repetidas pelo grupo mais próximo de pessoas.
No jogral, com a presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffman, ao
seu lado, Freitas declarou: "O Brasil inteiro sabe que houve uma fraude
eleitoral. Bolsonaro foi eleito com 30% do povo brasileiro. Mancomunado
com Moro e com a mídia, mudaram o resultado da eleição. Todo mundo sabe
que Lula seria eleito no primeiro turno. Por isso está preso. Logo,
fique claro que não reconhecemos Bolsonaro como presidente da
República". Funcionário do Bradesco, Vagner foi, aos 46 anos, o primeiro
bancário a ser escolhido para comandar, em 2012, a central que nasceu
metalúrgica junto com o PT e hoje depende cada vez mais de suas bases no
funcionalismo público.
No dia da posse do novo governo, o nome do presidente da CUT encabeçaria
a lista de signatários da carta dirigida pelas seis centrais sindicais
ao presidente Jair Bolsonaro. Na carta, os dirigentes apresentavam suas
credenciais: "Faz parte do jogo democrático investir num amplo processo
de negociação política, que envolva o governo federal, o parlamento, a
sociedade civil e os segmentos organizados, como a via civilizada para
construção de consensos políticos, econômicos e sociais fundamentais ao
êxito de qualquer administração e do desenvolvimento do Brasil". O texto
dirigia-se, ao final, com um protocolo cortês ao presidente empossado:
"Receba nossas saudações classistas e sindicais".
Um mês depois, o presidente da CUT, o secretário-geral da entidade,
Sérgio Nobre, e o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo do Campo, Wagner Santana, seriam recebidos por Hamilton Mourão.
A audiência estava marcada para 11h40 e, no horário rigorosamente
marcado, o presidente em exercício abriu as portas do seu gabinete, no
anexo do Palácio do Planalto, para receber a comitiva. Os demais signatários da carta foram surpreendidos, especialmente porque
a CUT havia participado, três dias antes, de reunião com todas as
centrais para o lançamento de iniciativa conjunta de seus sindicatos de
metalúrgicos para enfrentar a pauta das empresas do setor de adesão às
novas regras trabalhistas. "Fomos tratados de maneira agressiva na
campanha e declarei, sim, que não o reconhecia, mas não é mais o que
penso. Cinquenta e sete milhões decidiram que Bolsonaro é o presidente e
temos que buscar interlocução. Até com a ditadura a CUT conversava".
A aproximação entre os dirigentes da CUT e o vice-presidente da
República foi feita por assessores parlamentares das Forças Armadas no
Congresso antes mesmo da interinidade de Mourão. O presidente da CUT diz
ter encontrado um "chefe de Estado" no exercício da Presidência. A
pauta dos sindicalistas foi da ameaça de Ford e General Motors deixarem o
país à reforma da Previdência. Mourão reconheceu o imbróglio das
montadoras, mas aconselhou os sindicalistas a se aclimatarem aos rumos
da capitalização na Previdência. Não manifestou concordância com nenhum
ponto da pauta, mas valeu-se do encontro para exibir sua diferença com o
titular do cargo no respeito à interlocução com os sindicatos. Na
semana seguinte, ao reconhecer a memória do seringalista Chico Mendes,
ignorado pelo ministro do Meio-Ambiente, Ricardo Salles, o
vice-presidente prosseguiria na toada.
O encontro com os sindicalistas da CUT havia sido marcado para o segundo
dia da interinidade de Mourão como presidente em exercício, mas a morte
de Genival Inácio da Silva, o irmão do ex-presidente, conhecido por
Vavá, adiou em uma semana a agenda. Representantes da central não eram
vistos no Palácio do Planalto desde o impeachment da ex-presidente Dilma
Rousseff. A exemplo do que viria a fazer com Bolsonaro, a CUT tampouco reconhecera
o ex-presidente Michel Temer, o que não evitou que seu governo
aprovasse a reforma trabalhista, que estraçalhou o financiamento
sindical e gerou 15% (298 mil) dos empregos formais prometidos. A
presença da entidade no gabinete de Mourão tampouco evitou que a GM
fosse bem-sucedida no intuito de reduzir benefícios trabalhistas em
troca da promessa de voltar a investir na fábrica.
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Os cutistas não foram os primeiros entabular negociação com o Planalto.
No dia anterior, dirigentes do Sindicato de Metalúrgicos de São José dos
Campos foram recebidos pela Secretaria de Governo. A audiência, pedida
ao ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Heleno
Ribeiro, foi repassada ao ministro-chefe da Secretaria de Governo,
Carlos Alberto dos Santos Cruz, que designou o secretário de relações
com organizações não governamentais da pasta, Miguel Franco, para a
missão. O encontro se deu na sede do Banco do Brasil.
A primeira delegação sindical a negociar com o Palácio do Planalto na
gestão mais à direita desde a redemocratização integra a Conlutas, braço
do PSTU, o mais radical partido de esquerda do país, que disputa a
Presidência da República há mais de uma década com o slogan "contra
burguês, vote 16". O advogado Aristeu Neto, que acompanhou o presidente
do sindicato e dois outros dirigentes ao encontro, entregou ao assessor o
processo da Comissão de Valores Mobiliários contra o diretor de
relações institucionais da Embraer. a ação foi motivada pelo comunicado oficial da transação com a Boeing em
que a Embraer omitiu sua participação limitada na direção da futura
empresa. Tratada como resultado de uma "joint venture", a transação que
resultará na NewCo, segundo a CVM, excluirá a Embraer, detentora de 20%
do capital, de sua administração. A notícia de que um general brasileiro
integrará, pela primeira vez, a estrutura do Comando-Sul do exército
americano revelou, no entanto, que a soberania é uma bandeira desbotada
entre os militares brasileiros e não impedirá a venda da jóia da coroa
da indústria de ponta do país à Boeing.
A extinção do Ministério do Trabalho e de pastas que lidavam diretamente
com movimentos sociais concentrou a tarefa no Palácio do Planalto e,
mais especificamente, em pastas comandadas por militares da reserva. A
medida provisória que reformulou o governo é permeada pela percepção de
que uma gestão com projetos que antagonizam com interesses de setores
organizados da base da sociedade exige um monitoramento mais minucioso
de sua reação. A audiência dos sindicalistas, portanto, veio ao encontro das diretrizes
do novo governo. Arrisca, no entanto, não apenas a aumentar a cizânia
entre as centrais, como a aumentar o isolamento político dos partidos de
esquerda ao dispensá-los na intermediação de seus interesses.
Se a primeira medida do governo acabou com o Ministério do Trabalho, a
segunda (MP 871) transferiu de sindicatos rurais para prefeituras o
poder de atestar as condições para a aposentadoria no campo e obrigou
idosos a confirmar anualmente a adesão aos seus sindicatos, o que deve
afetar ainda mais a taxa de filiação sindical. Se o pacote de maldades com o qual o governo estreou não impediu as
centrais sindicais de buscarem abrir um canal de comunicação é porque
reconhecem o enfraquecimento dos partidos de esquerda na intermediação
de suas pautas. O maior deles, que se encarcerou em Curitiba com sua
maior liderança, ainda não discutiu, por exemplo, a proposta do partido
para a lei do salário mínimo, que tem vigência até o fim do ano. O PT
jogou todas as suas fichas na libertação de Lula. Vê minguar o número de
seus seguidores nas redes sociais sem um plano de voo para a pauta da
vida real no dia em que o ex-presidente for solto. Escolheu o PDT de
Ciro Gomes, e foi por ele escolhido, como alvo primeiro num duelo
fagocitário
No PSol, a crise não se circunscreve ao autoexílio do ex-deputado
federal j w (RJ), que renunciou ao mandato e deixou o país por
se sentir ameaçado. O candidato do partido à Presidência, Guilherme
Boulos, cuja atuação política se confunde com o Movimento dos
Trabalhadores Sem-Teto, já arregimentou uma rede de advogados em todo o
país a ser acionada em caso de vir a ser preso. MTST e MST são os mais
suscetíveis ao projeto que avança na Câmara e caracteriza como ato de
terrorismo o porte ou armazenamento de explosivos e gases tóxicos ou o
bloqueio de rodovias e ferrovias. Ainda não consta, no registro da Secretaria de Governo, pedido de
audiência de quaisquer das entidades. As únicas lideranças a serem
recebidas por Santos Cruz desde a posse foram as do Médio Xingu, que se
queixaram da invasão de terras indígenas por madeireiros.
A perda de iniciativa dos partidos na mediação da relação entre
sociedade e governo não poderia ganhar uma tradução melhor do que no ato
marcado para o dia 20 na Praça da Sé, centro de São Paulo. Convocado
pelas centrais sindicais em protesto contra a reforma da Previdência, o
ato não convidou lideranças partidárias nem tampouco tem confirmada a
presença de todas as centrais. No mesmo dia, a menos de um quilômetro
dali, um grupo suprapartidário formado por ex-ministros de três
diferentes governos (Sarney, FHC e Lula), juristas, intelectuais e
ativistas se reunirão para lançar a Comissão Arns, destinada a reforçar a
vigilância sobre violação aos direitos humanos. O grupo tem o mérito de
unir, sob o mesmo chapéu, nomes como o filósofo Vladimir Safatle, do
PSol, e a ex-ministra do governo FHC, Claudia Costin, mas ainda está por
se mostrar capaz de esvaziar a tolerância com o arbítrio nascida do
cansaço com a corrupção, a violência e o desemprego, fagulha da
desmobilização geral da nação.
Maria Cristina Fernandes - Valor Econômico
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