O mito da presunção de inocência - Prisão em segunda instância se justifica no Direito e na política
Há uma clara campanha nos meios jurídicos –
inclusive nos dois tribunais superiores,
o STJ e o STF – para barrar a Lava-Jato
O
Supremo Tribunal Federal está dividido entre os ministros que sustentam
a constitucionalidade da prisão em segunda instância e os que a
consideram inconstitucional. Como são todos juízes de alta sabedoria, se
presume, ao menos, pode-se dizer que as duas teses, embora contrárias,
são defensáveis. Logo, essa questão, que está na pauta do STF para a próxima semana,
não depende mais de uma estrita argumentação jurídica. Vai além, devendo
levar em conta o momento por que passa o país. E neste caso, está claro
que o STF deveria confirmar a prisão em segunda instância.
Está em curso no país um forte processo de combate à corrupção,
desfechado pela Lava Jato há apenas cinco anos. Está longe de ter
terminado. Mas há uma clara campanha nos meios políticos e jurídicos – inclusive
nos dois tribunais superiores, o STJ e o STF – para barrar a Lava Jato. A campanha trata de livrar a cara de muita gente, mas há dois
personagens principais. O primeiro, sem dúvida, é o ex-presidente Lula,
preso há um ano em Curitiba, depois de ter sido condenado em segunda
instância pelo Tribunal Regional Federal de Porto Alegre. O segundo é
outro ex-presidente, Temer, cujos processos estão no início. Mas o
pessoal da campanha achou um absurdo a prisão temporária de Temer. E
entendeu que era hora de atacar.
Assim, o que começa como uma questão geral de interpretação das leis
acaba em manobras práticas para tentar tirar Lula da cadeia e evitar que
Temer vá pelo mesmo caminho. Tanto é assim que o julgamento do STF pode ser adiado para, digamos,
dar um tempo para que o STJ vote um habeas corpus a favor de Lula ou
decida mandá-lo para a prisão domiciliar. Esta última alternativa parece
ser a aposta principal do momento. O ex-presidente tem mais de 70 anos, já amargou um regime fechado, de
modo que seria um gesto humanitário deixá-lo ir para casa. E se o STJ
resolvesse isso, o debate no STF perderia muito de sua temperatura
atual. [comentário 1: sempre bom ter presente que apesar de ser um criminoso comum, condenado por crime comum = devendo cumprir pena em prisão destinada a presos comuns = o presidiário petista vive em uma sala cela que está mais para suite do que para cela e com uma série de regalias.
Aliás, as comodidades e espaço que o preso desfruta superam em muito o que está disponível para as PESSOAS DE BEM, das classes menos favorecidas - digamos, que menos da metade dos brasileiros desfrutas do conforto oferecido ao condenado petista.
O menos injusto seria que alternativa prisão domiciliar só fosse concedida após ele cumprir mais de um sexto da pena e com o uso obrigatório de tornozeleira eletrônica.]
Mas seria um golpe na Lava Jato. Se os julgamentos de Curitiba e
Porto Alegre estão corretos, então Lula é o chefe de uma quadrilha que
assaltou o Brasil de uma maneira assombrosa. E ainda deixou criar um
ambiente no qual até prefeitos, vereadores e empresários das menores
cidades do interior sentiram-se confortáveis para praticar suas
“pequenas corrupções”. Vamos falar francamente: a oposição à Lava Jato é essencialmente uma
ação dos alvos, dos possíveis alvos da força tarefa e de seus aliados. Mas não se trata apenas de política. Tem o necessário lado jurídico. E
dentre os argumentos a favor da prisão em segunda instância, selecionei
algumas ideias do advogado e jurista José Paulo Cavalcanti Filho.
Ele começa provocando ao introduzir o tema assim: “o mito da
presunção de inocência”. Para os defensores da prisão em quarta
instância, só depois do último recurso no STF, essa garantia está
expressa na Constituição, quando diz: “ninguém será considerado culpado
até o trânsito em julgado de sentença pena condenatória”.
Mas como as coisas acontecem no mundo real? – pergunta José Paulo.
E responde: no Brasil, prisões sempre se deram em primeira instância;
a segunda instância passou a ocorrer a partir de 1973, com a Lei
Fleury, da ditadura, imposta para livrar da cadeia o delegado e
torturador Sérgio Paranhos Fleury; essa norma era bastante limitada; a
regra geral da segunda instância acabou sendo uma construção do Supremo;
a regra foi suspensa em 2009, pelo STF, em cima do mensalão, quando
figurões passaram a ser condenados; em 2016, o STF voltou à prisão em
segunda instância, com um placar de 6 a 5 (decisão que o Supremo está
pautado para rever na próxima semana).
Portanto, a presunção de inocência não pode ser um valor absoluto. Se
for, observa José Paulo, os assassinos de Marielle e Anderson devem
ficar soltos porque ainda não foram condenados pelo Supremo. [comentário 2: salvo algum engano da nossa parte, os suspeitos de serem os assassinos da vereadora e seu motorista, não foram condenados - no máximo foram denunciados;
sendo sempre oportuno lembrar que ocorre com frequência razoável do cidadão ser condenado pela 'justiça das ruas', presos, muitas vezes até demitidos e quando são julgados pela JUSTIÇA são absolvidos - o exemplo mais recente é que vários PMs da PMERJ, lotados na UPP da Rocinha foram acusados, presos, pelo assassinato do servente Amarildo, e absolvidos pela Justiça.]
Traficantes
também, soltos. Argumentam os defensores da quarta instância que a prisão preventiva
ou provisória resolve estas situações. Mas quer dizer, então, que uma
prisão provisória decidida por um juiz de primeira instância não viola o
princípio da presunção de inocência? E a prisão decretada por um
colegiado de segunda instância viola o princípio? – argumenta José
Paulo, de maneira final.
Resumindo: a prisão em segunda instância, de quem quer que seja, vale
em termos jurídicos e políticos, em nome do interesse coletivo. [comentário 3: do alto da nossa imensa e notória ignorância jurídica - uma fossa abissal quando comparada com o 'Everest' de juízes de alta sabedoria, integrantes das cortes superiores brasileiras - ousamos sugerir:
- prisão sem julgamento só no caso de flagrante delito e/ou motivada pela necessidade (fundamentada) do interesse da investigação;
- condenado em primeira instância já DEVE ser preso e solto só por determinação da instância superior e com base em falha processual e/ou ausência de provas.
Recursos contra prisão confirmada em segunda instância só em casos excepcionais e com ampla fundamentação.]
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
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