Luiz Carlos Mendonça de Barros
A força principal da retomada virá da queda e estabilização da inflação em níveis nunca atingido nas últimas décadas
Entramos no nono mês do mandato do presidente Bolsonaro com parte
expressiva da opinião pública refletindo uma grande insegurança em
relação ao futuro. O título da minha coluna de hoje procura estabelecer
os limites das previsões dos principais analistas políticos e econômicos
sobre o que pode ocorrer no futuro próximo, até a realização das
eleições de 2020. Para o cientista político Fernando Schuller do Insper no artigo “O
Brasil e a síndrome de abismo”, na Folha de S. Paulo, seria a mensagem
que agentes públicos importantes têm trombeteado como sendo uma
possibilidade real de acontecer. Schuller procurou desqualificar de
forma contundente, e com certo humor, estas ameaças lançadas na mídia
por pessoas apenas interessadas em construir desde já um discurso
eleitoral para o futuro.
Como ressaltou o autor, as ameaças vêm tanto do espectro da oposição de
centro-direita como da direita bolsonarista e são construídas apenas com
insinuações e sem qualquer elemento factual. Mas esta mensagem do caos
que nos espera acaba por enfraquecer os ganhos efetivos que já ocorreram
nos pós-afastamento da presidente Dilma Rousseff e que ele cita com
precisão. Da mesma forma penso eu em relação à nossa economia. O sentimento
negativo que prevalece nestes primeiros nove meses do governo no campo
da política também pode ser encontrado entre os analistas econômicos.
Ele pode ser expresso pela pergunta sempre colocada na mídia: chegamos
ou não ainda ao fundo do poço?
Alguns mais radicais são mais cáusticos em suas previsões negativas e
chegam perto da imagem do abismo citada no campo da política por
Schuller. Neste grupo até mesmo o discurso liberal do ministro Paulo
Guedes já está sendo contestado por estar sendo desidratado pelas
limitações políticas encontradas em sua implementação. Aqui também vale a observação de Schuller de que esta má vontade com o
andar dos acontecimentos também acaba por esconder os efeitos positivos
de mudanças que vêm ocorrendo na economia. A primeira delas é que a
recessão profunda que vivemos entre 2014 e início de 2017 já provocou o
reequilíbrio nas condições de demanda em mercados importantes de nosso
tecido econômico. Não temos hoje nenhum desequilíbrio conjuntural por
excesso de demanda no mercado de trabalho, na inflação e em nossa conta
corrente externa. Os desequilíbrios conjunturais que hoje afetam a
economia são derivados da escassez de demanda derivada do impressionante
ajuste recessivo que tivemos.
É importante lembrar que a crise em 2012 teve sua origem na demanda
superaquecida criada pela política econômica expansiva do governo mesmo
quando o ciclo econômico já estava no auge e pedia moderação. Os custos
de um ajuste recessivo quando estas condições ocorrem são conhecidos,
mas felizmente já deixamos esta etapa para trás. Temos que tratar agora
da perenização da recuperação cíclica que foi abortada em 2018 pela
crise política enfrentada pelo presidente Temer e está de volta.
A aprovação da reforma da Previdência restaurou um equilíbrio precário
que existia nas contas públicas do governo federal e, com a retomada da
economia, será possível voltar à trajetória de superávit primário
compatível com a estabilização do estoque da dívida pública. Neste
cenário, o teto do gasto público vai voltar a ser operacional, enquanto
não houver mudanças estruturais na composição do gasto público
estabelecido pela Constituição Federal. O custo para este equilíbrio
será a manutenção da carga fiscal de hoje.
É importante entender as características de uma recuperação cíclica do
crescimento econômico nas condições de hoje no Brasil. A força principal
virá da queda e da estabilização da inflação em níveis nunca atingidos
no Brasil das últimas décadas. Nestas condições o Banco Central poderá
trazer a taxa SELIC para menos de 5% ao ano. Um guarda-costas importante
para a estabilização da inflação abaixo do centro da meta - além do
hiato do produto existente hoje - será uma nova superssafra agrícola já
no horizonte para 2020.
Os juros futuros caíram em toda a curva temporal, inclusive os de mais
longo prazo, como o de 10 anos emitido pelo Tesouro federal. Ao passar
de mais de 12% ao ano para os atuais 7,2%, este referencial, que é usado
para o cálculo do valor presente do fluxo de lucros de uma empresa ou
de um projeto green field, aumenta de forma expressiva o potencial de
investimentos. Aliás foi esta variável que fez com que as cotações das empresas de
capital aberto na B3 tenham dobrado de valor. Mas o mesmo raciocínio
vale para novos projetos imobiliários e principalmente, na fixação dos
preços nos leilões futuros de privatização. No setor industrial é que
este instrumento terá um impacto bem menor no curto prazo em função da
capacidade ociosa hoje existente neste setor.
Mas virá do consumo das famílias a principal força de recuperação
cíclica no curto prazo em função de juros mais baixos, como já mostram
estatísticas recentes. A mais relevante delas para se construir um
ambiente mais otimista tem sido a expansão vigorosa do crédito bancário
às pessoas físicas, com um crescimento superior a 12% nos últimos doze
meses. Embora a taxa de desemprego e subemprego seja ainda muito
elevada, as melhoras na geração de empregos nos últimos dois anos estão
trazendo mais confiança aos brasileiros empregados e que superam hoje 95
milhões de pessoas.
Por isto não consigo ver na economia a síndrome do abismo, mas sim a imagem do fundo do poço já atingida.
Luiz Carlos Mendonça de Barros,
engenheiro e economista - Valor Econômico
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