É hora de governantes e governados decidirem se querem manter um pássaro na mão ou saltar sobre o abismo para pegar dois voando, com fez Minas Gerais
Na contramão do saneamento fiscal que a União e os Estados
e municípios mais ajuizados vêm promovendo, a Assembleia de Minas Gerais
aprovou um aumento salarial para o funcionalismo de quase 30%. O caso
ilustra a necessidade de se implementar garantias constitucionais que imponham
disciplina à contabilidade criativa engendrada por governantes locais para
repassar a conta de seu populismo aos demais contribuintes do País e às futuras
gerações.
Minas é um dos Estados com as finanças mais destroçadas do País. Sua economia está 3,5% abaixo do nível pré-crise, os salários dos servidores estão sendo parcelados e o 13.º está atrasado. No ano passado, o governo reduziu o déficit de R$ 15 bilhões para R$ 8 bilhões, mas agora o rombo deve aumentar para R$ 13 bilhões. O Estado ganhou uma liminar da Suprema Corte para não pagar o serviço da dívida com a União e negocia sua entrada no Regime de Recuperação Fiscal.
Assim como Minas, muitos Estados estão à beira do colapso. Nos anos 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal e vastas renegociações com o Tesouro mitigaram o desequilíbrio crônico dos Estados. Mas logo a política de créditos petista voltou a facilitar o endividamento irresponsável, que cobrou seu preço na recessão. Entre 2014 e 2018, as dívidas dos entes subnacionais subiram na ordem de 0,5% ao ano. Novas operações de socorro foram montadas, mas alguns governos – notadamente os do Rio de Janeiro – têm descumprido, com amplo endosso judicial, as condições negociadas.
Enquanto isso as despesas com o funcionalismo estão descontroladas. Entre 2011 e 2018, os gastos com pessoal nos entes subnacionais cresceram 40%. Atualmente, o déficit total já passa dos R$ 100 bilhões. No ano passado, a União teve de cobrir um calote que somou R$ 8,35 bilhões, quase o dobro de 2018.
Tudo isso evidencia a necessidade de se aprovar reformas de natureza fiscal, em especial as duas medidas emergenciais: a PEC dos gatilhos fiscais e o Plano de Promoção de Equilíbrio Fiscal (PEF). A PEC institui mecanismos de ajuste – como bloqueio de contratações, promoções e reajustes – sempre que as despesas dos Estados superarem 95% das receitas. Já o PEF prevê novas modalidades de socorro aos Estados hiperendividados que não preenchem as condições para pleitear novos financiamentos, desde que se comprometam com medidas de saneamento fiscal. O Plano é bastante maleável, dando aos Estados a possibilidade de selecionar três entre oito medidas mais adaptadas à suas condições. Estas, contudo, são apenas medidas emergenciais, capazes de dar algum fôlego aos Estados, mas não de arrancar pela raiz o problema: o crescimento descontrolado da folha de pessoal, especialmente o inativo.
Em Brasília, entre as resistências corporativas, as pautas heteróclitas dos parlamentares e a desarticulação crônica do governo, os projetos emergenciais estão encalhados, enquanto a reforma administrativa se desidrata antes mesmo de ser oficializada. Muitos Estados, por sua vez, relutam em aderir à reforma da Previdência e fazem ouvidos moucos à reestruturação do funcionalismo. É hora de governantes e governados decidirem se querem manter um pássaro na mão ou saltar sobre o abismo para apanhar dois voando, como fez Minas Gerais. Os últimos têm todo direito ao bônus de sua aventura. Mas cabe a União garantir que o ônus não seja repassado aos que preferirem manter os pés no chão áspero, mas firme, da realidade.
Editorial - O Estado de S. Paulo
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