O Estado de S. Paulo
O teatro da política no Brasil sugere que pouca coisa vai mudar
É um dos movimentos mais “naturais” na política alguém ocupar o lugar
que um outro deixou. No fundo, é o que está acontecendo na mais recente
manifestação de queda de braço entre o presidente Jair Bolsonaro e o
Legislativo em torno da manutenção ou não do veto do chefe do Executivo a
itens da peça orçamentária votada pelos parlamentares.
Traduzido: o que está em disputa é quem manda quanto no Orçamento. E, se
Jair não percebeu antes, nesse ano e pouco de seu mandato, o
Legislativo encurtou bastante a capacidade do Executivo de dispor da
alocação de verbas por meio do Orçamento – além de limitar
consideravelmente a utilização de medidas provisórias.
Trata-se de pura e simples redução de poder do presidente. Que se pode
aplaudir ou detestar, mas não ignorar que esse fato resulta em boa parte
do que se aponta há meses: a incapacidade ou o desinteresse (ou ambos)
do governo em montar no Legislativo uma tropa bem coordenada. Bolsonaro
não se livrou da regra do jogo do sistema de governo brasileiro, que
opõe a um chefe de Executivo forte um Legislativo cheio e cada vez mais
cheio de prerrogativas.
Sem ter nunca contado com uma articulação política eficaz, Bolsonaro
agora escalou militares de cabeça bem organizada e acostumados a método e
disciplina (além de hierarquia) para cuidar de acordos políticos que o
próprio presidente propõe, depois se arrepende. É o caso nesta mais
recente disputa: Bolsonaro achou que podia deixar o Congresso derrubar
seu veto (ou seja, entregaria mais uns R$ 30 bilhões do Orçamento aos
parlamentares), num grande “acordo” do qual foi convencido a se
arrepender.
O que neste momento o move a peitar o Congresso é a exasperação da
equipe econômica e mais o general Heleno, cansados das chantagens da
política e das dificuldades para seguir adiante com uma ampla ação de
reformas que dependem do Legislativo. O ministro Paulo Guedes está com
sangue nos olhos, e promete não liberar dinheiro para deputados se eles
seguirem no propósito de tolher o Executivo em questões orçamentárias.
Para efeitos práticos, colocou Bolsonaro diante de “ou eles ou eu”.
Ocorre que a efervescência do teatro político brasileiro
“estabilizou-se” e não surpreende nem comove mais ninguém. Virou normal.
Um exemplo: por vários motivos, sendo o principal deles obter vantagens
eleitoreiras das mais imediatas, o presidente abriu conflito com os
governadores quando depende em boa medida deles para a grande
articulação política de um projeto de enorme peso, que é o da reforma
tributária. Para que mais uma briga, boceja-se.
E a cafajestice, injustificável sob qualquer ponto de vista, proferida
contra uma profissional da imprensa (frente à qual obviamente ele tem o
direito de manifestar todas as queixas, críticas e reclamações que
quiser), reafirma que o estilo é o homem, e não vai mudar. Não está no
seu horizonte ser chefe da Nação. É uma das sólidas constantes no nosso
teatro político (a outra é a força do lavajatismo), e esse tipo de
atuação será considerado a causa do seu êxito ou fracasso, dependendo
fundamentalmente de como a economia se comportar.
Neste contexto vale a pena conferir como plateias de investidores
estrangeiros estão apreciando nosso espetáculo. Tal como reportado por
diversas instituições financeiras, visto de fora, o Brasil se tornou
monótono. Não se consegue discernir, depois da aprovação da reforma da
Previdência, qual é, afinal, o ponto prioritário para o governo.
Considera-se que o País (em contraste com alguns emergentes, como a
Argentina) está no “caminho certo”, mas não se disfarça certo ceticismo
quanto à capacidade de “entrega” no necessário ritmo mais acelerado por
parte da equipe econômica.
Diante de um país que teria tanto para oferecer, e para crescer, e para
resolver, os estrangeiros estão dizendo que estamos nos esforçando para
sermos um pouco mais do mesmo.
William Waack, jornalista - Coluna em O Estado de S. Paulo
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