Tentaram matar o senador Cid Gomes. Este tampouco estava imbuído de boa fé.
A baderna havida em Sobral, no Ceará, só não terminou em tragédia por
milagre. O único olhar positivo que se pode ter sobre o episódio é o
fato de ninguém ter morrido. Mas não foi por falta de dolo. O senador
Cid Gomes (PDT-CE) foi atingido por dois tiros de pistola calibre .40 –
armamento-padrão das Polícias Militares – na região do tórax. Quem
atirou, o fez para matar, não imobilizar. Por sua vez, o senador da
República foi alvejado no momento em que avançava com uma
retroescavadeira sobre um grupo de policiais militares amotinados. Quem
comete um ato tresloucado como este tampouco está imbuído de boa-fé.
Esta quase tragédia cearense começou com o atropelo, sem trocadilho, da Constituição. Em seu artigo 142, parágrafo 3.º, inciso IV, a Lei Maior veda a sindicalização e a greve aos militares, incluídos, por força do artigo 42, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar no âmbito dos Estados. O que daí se sucedeu é uma espiral de absurdos que, sem a devida contenção, podem extrapolar os limites do Ceará e produzir consequências inimagináveis em todo o País.
Tão aberrante quanto o fato é sua exploração política por diversos atores, todos errados à sua maneira. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse que Cid Gomes, “alvejado por projétil de borracha”, o que é mentira, “expôs os militares a risco” ao lançar uma retroescavadeira contra eles, o que é verdade. [Cid Gomes atentou contra a vida dos policiais e de familiares - havia mulheres e crianças junto aos policiais.] Ciro Gomes, irmão de Cid, fiel a seu estilo, respondeu ao deputado bravateando que “será necessário que nos matem mesmo antes de permitirmos que milícias controlem o Ceará como os canalhas de sua família (a do deputado Eduardo Bolsonaro) fizeram com o Rio de Janeiro”.
Mais do que uma greve, o que por si só já seria absurdo, o ato dos policiais militares e bombeiros do Ceará é um motim. Tudo teve início com reivindicações por melhores salários no final do ano passado. Na ocasião, alguns batalhões da Polícia Militar foram atacados por homens encapuzados que o governo estadual afirma serem membros da própria corporação. Os ataques teriam por objetivo confrontar policiais que não aderiram à paralisação ilegal, assustar a população e, principalmente, fragilizar o governador Camilo Santana (PT). Nessa campanha de intimidação, os policiais – encapuzados e a bordo de viaturas oficiais – não se furtaram a percorrer bairros de Sobral e de outros municípios cearenses ordenando o fechamento do comércio local, barbaridade típica de bandos de traficantes e milicianos, não de agentes do Estado.
É evidente que o presidente Jair Bolsonaro não pode ser responsabilizado diretamente por esse comportamento dos policiais e bombeiros militares, seja no Ceará ou em qualquer outro Estado. No entanto, a defesa incondicional que aquele que deveria agir como supremo magistrado da Nação faz dessas corporações – e desde há muito – e o status de “inimigo” que ele atribui a adversários políticos colaboram para que este clima beligerante se instale no País. [as corporações também são vítimas e por isso merecem ser defendidas, inclusive pelo presidente da República.
Oportuno lembrar que não é pelo fato de policiais militares e bombeiros, um grupo que não representa as corporações e sim uma minoria, agirem de forma inadequada, que o trabalho e importância dos polícias militares e dos bombeiros militares não ser reconhecido e prestigiado.]
É estarrecedor que policiais militares e bombeiros sintam-se à vontade
para praticar atos como os havidos no Ceará. É igualmente absurdo que um
senador da República faça o que fez Cid Gomes. De um lado, tem-se
corporações que se julgam acima das leis e da Constituição para fazer
valer os seus interesses. De outro, um parlamentar que se arvora em
grande coronel de seu quintal e decide resolver à força suas desavenças.
Onde isso irá parar?
É imprescindível, para o bem do País, que a Polícia Judiciária do Ceará
investigue e aponte rapidamente a autoria da tentativa de homicídio
praticada contra o senador Cid Gomes. Trata-se de um crime gravíssimo.
Também é absolutamente necessário que o senador, uma vez restabelecido
do atentado que sofreu, responda por seu ato extremado, tanto na seara
jurídico-penal como na esfera política, no Conselho de Ética do Senado. [da mesma forma que motim é crime previsto na legislação penal militar, ´também crime militar invadir unidade militar, especialmente as destinadas ao aquartelamento de tropas.
Assim o senador deve ser julgado por CRIME MILITAR, dano ao patrimônio publico - com obrigação de ressarcir o estado dos gastos para recuperação do que foi destruído - e analisar se a reação dos policiais militares não foi buscando proteger uma unidade da corporação a qual pertencem.]
O
Brasil não tolera que a baderna seja considerada como algo normal.
Editorial - O Estado de S. Paulo
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