O Estado de S. Paulo
Presidente não pode calar nem governador ceder, para evitar ideia de que motim vale a pena
Se foi rápido no gatilho para falar do capitão Adriano, um dos maiores
líderes de milícias do Rio de Janeiro, morto num cerco policial na
Bahia, o presidente Jair Bolsonaro até ontem não havia dito uma só
palavra sobre os policiais militares que fazem motim no Ceará,
aquartelados, armados, encapuzados e atacando carros da própria polícia. [lembrete: logo após a execução do ex-capitão do Bope, toda a imprensa criticava o silêncio do presidente Bolsonaro e seus familiares - buscavam passar a imagem de ser o silêncio motivado por um (inexistente) temor de se manifestar.
Agora pretendem da mesma forma que o presidente se manifeste, de forma açodada, sobre a greve = é aquele negócio, se o presidente da República fala, malham, se cala, apanha.]
Pode-se pensar que Bolsonaro fala de um caso e ignora o outro em defesa
das polícias, mas não se trata disso. Se ele chamasse de “heróis” e
defendesse os policiais honestos que têm uma missão difícil, trabalham
em condições adversas e arriscam suas vidas em prol da segurança, seria
louvável. Mas o foco dele, na fala e no silêncio, é a banda podre, que
faz milícia, faz motim, comete crime militar. Isso é absurdo para um presidente da República, mas condiz com a
história de Jair Bolsonaro, acusado e processado por ter planos e
croquis para bombardear quartéis militares. Depois, conquistou mandato
de deputado com votos de policiais e evangélicos e desperdiçou 28 anos
na Câmara com questões corporativistas.
Num dos maiores motins policiais do País, em 2017, no Espírito Santo,
Bolsonaro não se limitava a defender os amotinados. Reportagem do Estado
de 25 de fevereiro daquele ano, sob o título “Rede de Bolsonaro na teia
do motim”, mostra que o grupo do então deputado estava por trás da
grande rede de divulgação do movimento. Num vídeo visualizado por dois
milhões de pessoas, ele defende os revoltosos e fala da possibilidade de
o movimento se espalhar para outros Estados.
O que se espera, agora, é que Jair Bolsonaro entenda que, como
presidente, não pode apoiar motins militares nem movimentos que
comprometam a Constituição, a ordem pública e as já tão combalidas
contas públicas. Não pode aplaudir ou fechar os olhos para os desmandos
de uma categoria específica, sabendo que o prejuízo é da sociedade
brasileira. As polícias estão empoderadas, com assentos em governos e legislativos e
achando que, com Bolsonaro, podem tudo. O problema começa quando uma
parte delas – a pior – sente que tem costas quentes, pode descumprir a
Constituição e se recusar a garantir a segurança dos cidadãos. Isso não
corresponde a empoderar as polícias, mas sim a dar sorte ao azar com
multiplicação de milícias e ataques ao Orçamento público – como o
governador Romeu Zema, por medo, inexperiência ou má assessoria, fez em
Minas Gerais.
[Romeu Zema, foi o campeão da irresponsabilidade, com concessão de reajuste de 41%;
o governador do Ceará propôs aumento de 13% - recusado pelos representantes dos policiais. Considerando o percentual proposto - 13% - se percebe que o governador, petista, fez apologia do seu partido.
A grande culpa é na realidade da leniência com que o motim do Espírito Santo, Rio e outros estados, especialmente do primeiro - foi tratado por governadores, o presidente da época (lembrando o óbvio = o presidente da República não era o presidente Bolsonaro - por favor, não tentem responsabilizá-lo) e o Congresso Nacional - que foram coniventes com a baderna durante, deixando correr, e após, aprovando leis anistiando os amotinados.]
No caso do Ceará, o governo federal fez o que tinha de fazer: destacou a
Força Nacional, decretou Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e enviou os
ministros da Defesa, general Fernando Azevedo, e da Justiça, Sérgio
Moro, para verificar a situação in loco. Isso, porém, visa a segurança
da população, não os PMs amotinados, que são problema do governo do PT e
mandaram o comércio fechar portas, atacaram carros da própria polícia e
atiraram no peito de um senador, em ações mais de bandido do que de
policial. [tudo bem que os policiais militares que atiraram em um senador licenciado, possam ter agido como bandidos, só que o senador - até pelo fato de ser um senador da República, ainda licenciado - conseguiu ser mais irresponsável, mais bandido que os policiais que o alvejaram.]
A questão tem de ser tratada como ela é: motim militar, com os
amotinados sujeitos à lei, à justiça e às devidas penas. O presidente
não pode se calar e os governos não podem ceder à quebra da lei e
negociar anistia. Senão, o recado estará dado para todas as polícias do
País, ou melhor, para a parte ruim das polícias: “façam motim, vale a
pena”. A questão, portanto, é exemplar. Chantagem por chantagem, nada é
pior do que a chantagem armada, que lida com a vida e a morte. [a última frase, se pronunciada pelo presidente Bolsonaro, seria interpretada como um aval presidencial à chantagem de grande parte dos parlamentares federais e denunciada pelo general Heleno.]
Quanto ao bate-boca dos irmãos Gomes com os irmãos Bolsonaro, é melhor
não ver, não ouvir, não comentar, porque nada de útil sai daí. Perdemos
todos, perdem eles, perde a civilidade, já tão rara nesses nossos tempos
bicudos. Afinal, o que esses dois lados pretendem?
Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo
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