O Estado de S. Paulo
Sua estratégia consiste em captar o maior número de eleitores em diferentes partidos
Os evangélicos estão no centro do debate nacional. Tornaram-se atores
políticos, pautando sua ação em valores conservadores, incluindo desde
costumes até questões dogmáticas, como a mudança da Embaixada do Brasil
em Tel-Aviv para Jerusalém. Ao contrário dos católicos, que não seguem
normalmente os dizeres políticos de seus padres, eles tendem a observar
as orientações de seus pastores. É bem verdade que os católicos são
numericamente superiores aos evangélicos, porém tal diferença não tem
relevância eleitoral.
Ademais, por muito tempo os católicos abandonaram posições religiosas em
benefício de posições esquerdistas da Teologia da libertação, apoiada
pela CNBB. Criou, por sua Pastoral da Terra, o MST e sempre o apoiou
desde então. Não mais respeitou o direito de propriedade, afastando a
Igreja dos empreendedores rurais. Esses setores da Igreja foram firmes
apoiadores dos governos petistas. O eleitorado evangélico considera os costumes sob uma ótica religiosa.
Aí não entra em questão uma discussão propriamente racional, pois o seu
fundamento se encontra num texto bíblico, que fornece os critérios do
juízo e da ação. Assim é o caso do aborto, do casamento homoafetivo, dos
textos didáticos sobre gênero e do que o PT considera politicamente
correto. Aliás, esse partido começou a perder seu eleitorado evangélico
ao contrariar essa pauta de valores. Quando Bolsonaro se manifesta sobre
a pauta de costumes, tem em mente precisamente esse eleitorado.
Outro ponto de princípio dos evangélicos diz respeito à mudança da
embaixada brasileira para Jerusalém. Trata-se de uma questão dogmática,
não sujeita a discussão: Jesus ressuscitará quando Jerusalém se tornar a
capital do Estado judeu.[o tempo da Segunda vinda de Jesus não depende de fatores controlados pelo homem.
“Quanto àquele dia e àquela hora, ninguém os conhece, nem mesmo os anjos
do céu, nem mesmo o Filho, mas, sim, o Pai só” (Mc 13,32)." Passa, então, a correr outro tempo, o do
processo de conversão dos judeus, passando ambas as religiões a ser uma,
sob os princípios do cristianismo, principalmente o reconhecimento de
Jesus Cristo como Messias. Bolsonaro comprometeu-se com esse seu eleitorado a fazer tal mudança.
Seu compromisso continua, embora por questões conjunturais tenha sido
adiado. Muito provavelmente realizará essa mudança em 2021, um ano antes
da eleição presidencial. [será? talvez a mudança se torne inconveniente e/ou inexequìvel.] Ao cumprir sua promessa, terá apoio maciço da
comunidade evangélica. Note-se que Trump assim conquistou o apoio do
eleitorado evangélico, ganhou as eleições e cumpriu a sua promessa.
O PT está aqui mal colocado, pois optou pelo politicamente correto de
forma esquerdizante e se chocou de frente com os evangélicos. As
contrariedades e os ressentimentos se traduziram no apoio ao candidato
Bolsonaro em 2018. As posições antissemitas/antissionistas do PT
igualmente tiveram papel importante no distanciamento. Lula tenta uma
reaproximação, porém suas dificuldades são imensas. A visita ao papa
tampouco atenua o problema, ao dirigir-se a outro eleitorado, além de
seu caráter manifestamente inapropriado ao envolver o santo padre numa
questão política, a da corrupção e do roubo em seus governos, sem
arrependimento nem confissão.
Tomemos o exemplo da Assembleia de Deus. Essa confissão tem no Brasil em
torno de 20 milhões de membros. São pessoas acima de 14 anos de idade,
capazes de fazer a escolha de sua religião, quando então se tornam parte
integrante dela, em sentido pleno. Considerando a idade eleitoral de 16
anos, quase todos são eleitores, em sentido estrito. Não barganham com
questões dogmáticas, como certos preconceitos veiculam contra os
evangélicos. Foram missionários suecos que a introduziram no País. São
pessoas extremamente sérias e comprometidas com sua religião. A Igreja
Universal do Reino de Deus, numericamente menor, tem, por sua vez,
enorme importância midiática, por ser proprietária da Rede Record.
Trata-se de uma rede de comunicação que abarca principalmente as classes
C e D.
Qualquer PEC ou projeto de lei, para ser aprovado na Câmara dos
Deputados, necessita passar pelo crivo da bancada evangélica. Após a
bancada da agricultura e da pecuária, é a segunda em importância. A
Câmara tem 513 deputados federais e a bancada evangélica, 86. Outras
estimativas chegam a 106. O Senado tem 81 parlamentares e a bancada
evangélica, 9. Outras estimativas chegam a 14. Qualquer articulação
parlamentar de governo deve passar por tratativas com essa bancada, que
sempre sustentará suas questões de princípio, mesmo quando não forem
objeto específico de negociação.
Os evangélicos estão distribuídos em vários partidos, embora votem
alinhados entre si. A sua estratégia consiste em captar o maior número
possível de eleitores em diferentes configurações partidárias, atendendo
a conveniências regionais. Ademais, escolhem candidatos preferenciais
em cada Estado, concentrando neles os seus votos. Os candidatos
escolhidos são pessoas próximas das lideranças religiosas e delas
dependem, agindo organicamente. Muitos são “filhos espirituais”,
assessores e discípulos. Bolsonaro extraiu bem essa lição. O PT não a levou em consideração. Os demais candidatos deverão enfrentar essa questão.
Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia - O Estado de S. Paulo
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