Agendas econômicas no Brasil perdem velocidade com o tempo. É habitual.
Em parte por tentarem impor sacrifícios a uma sociedade criada e
amadurecida num ambiente de mistificação. O Brasil está convencido de
que os problemas podem ser resolvidos por mágica. A última tese diz que
se a corrupção for combatida como deve vai sobrar o dinheiro para saúde,
educação, segurança. A verdade? Se a corrupção brasileira, um problema
sabidamente grave, for reduzida a zero, as dificuldades financeiras do
Estado ficarão mais ou menos do mesmo tamanho.
Qual é a solução? Na teoria, uma reforma administrativa que ajeite com racionalidade as despesas, para caberem nas receitas sem sobrecarregar ainda mais a sociedade. Aí surge outro problema habitual: o poder de pressão da elite do serviço público, inclusive e principalmente os segmentos que operam o monopólio da violência legítima. Com um detalhe: o presidente da República provém da Forças Armadas, tem três décadas no Parlamento em defesa da corporação, e não seria politicamente inteligente se caminhasse para um estelionato eleitoral.
Debater a tensão entre democracia e demagogia é antigo. O Brasil talvez seja um case internacional. O sistema político-eleitoral está organizado quase perfeitamente para impedir que
1) os impasses nacionais sejam discutidos objetivamente nas eleições e
2) governos eleitos formem maioria estável no Congresso Nacional. O resultado: processos eleitorais que convidam à demagogia e governos que só sobrevivem se praticarem altas doses de bonapartismo. Para o que é indispensável manter todo o tempo alta aprovação popular. Até para não cair.
Mas o bonapartismo tem um custo. Em democracias como a nossa, a eleição e a apuração consomem um dia, mas a governabilidade precisa sustentar-se ao longo de quatro anos. Quem elege um governo é o eleitorado, mas quem permite a ele governar é um complexo institucional enredado com a dita sociedade civil. A falta de tecnologia para a disputa da urna leva a derrotas eleitorais. A falta de expertise para operar o “sistema governo” produz crises políticas. Detalhe: a taxa de insucesso de presidentes eleitos no Brasil pós-1988 é de impressionantes 50%.
De volta à economia. As ideias podem ser boas mas os resultados por enquanto não têm sido brilhantes. Faça-se justiça, o ministro que cuida dela nunca prometeu brilho no curto prazo. Mas na política fazer justiça não é habitual, vale mesmo é a relação de forças. Para o governo, a correlação de forças vai bem no eleitorado. Já no pessoal que pode permitir ao presidente chegar a 2022, “a política”, ela não vai tão bem assim. Energizar a base pode ser estimulante, mas tampouco aqui existe almoço grátis.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político - Análise Política
Publicado originalmente em Veja nº 2.675, de 26 de fevereiro de 2020
Qual é a solução? Na teoria, uma reforma administrativa que ajeite com racionalidade as despesas, para caberem nas receitas sem sobrecarregar ainda mais a sociedade. Aí surge outro problema habitual: o poder de pressão da elite do serviço público, inclusive e principalmente os segmentos que operam o monopólio da violência legítima. Com um detalhe: o presidente da República provém da Forças Armadas, tem três décadas no Parlamento em defesa da corporação, e não seria politicamente inteligente se caminhasse para um estelionato eleitoral.
Debater a tensão entre democracia e demagogia é antigo. O Brasil talvez seja um case internacional. O sistema político-eleitoral está organizado quase perfeitamente para impedir que
1) os impasses nacionais sejam discutidos objetivamente nas eleições e
2) governos eleitos formem maioria estável no Congresso Nacional. O resultado: processos eleitorais que convidam à demagogia e governos que só sobrevivem se praticarem altas doses de bonapartismo. Para o que é indispensável manter todo o tempo alta aprovação popular. Até para não cair.
Mas o bonapartismo tem um custo. Em democracias como a nossa, a eleição e a apuração consomem um dia, mas a governabilidade precisa sustentar-se ao longo de quatro anos. Quem elege um governo é o eleitorado, mas quem permite a ele governar é um complexo institucional enredado com a dita sociedade civil. A falta de tecnologia para a disputa da urna leva a derrotas eleitorais. A falta de expertise para operar o “sistema governo” produz crises políticas. Detalhe: a taxa de insucesso de presidentes eleitos no Brasil pós-1988 é de impressionantes 50%.
De volta à economia. As ideias podem ser boas mas os resultados por enquanto não têm sido brilhantes. Faça-se justiça, o ministro que cuida dela nunca prometeu brilho no curto prazo. Mas na política fazer justiça não é habitual, vale mesmo é a relação de forças. Para o governo, a correlação de forças vai bem no eleitorado. Já no pessoal que pode permitir ao presidente chegar a 2022, “a política”, ela não vai tão bem assim. Energizar a base pode ser estimulante, mas tampouco aqui existe almoço grátis.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político - Análise Política
Publicado originalmente em Veja nº 2.675, de 26 de fevereiro de 2020
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