O Globo
A estratégia de Bolsonaro, cínica e inteligente, persegue o objetivo de lavar sua própria reputação
Por que Jair Bolsonaro acusou a PM da Bahia de assassinar
deliberadamente o miliciano Adriano da Nóbrega?
Por que 20 governadores
assinaram o manifesto em defesa das PMs — e da PM da Bahia?
Por que,
afinal, a polícia baiana eliminou o foragido cercado?
A análise política
oferece respostas às duas primeiras perguntas.
A terceira, porém, forma
um enigma de elevado interesse público que exige investigação judicial.
A estratégia de Bolsonaro, cínica e inteligente, persegue o objetivo de
lavar sua própria reputação. Os laços entre o clã presidencial e o
miliciano conduzem à conclusão lógica de que o evento policial em
Esplanada (BA) deve ser classificado como uma queima de arquivo cujos
beneficiários são os Bolsonaro. A acusação à PM da Bahia, “do PT”, turva
as águas, desviando a agulha magnética para um ator inesperado.
Na nota do Planalto, incluiu-se o registro de que a culpa de Adriano não
transitou em julgado. Assim, em flagrante contradição com seu supremo
desprezo pela presunção de inocência, o presidente sugere que Adriano
foi um herói da lei e da ordem perseguido pelo “Estado profundo”. Nesse
passo, aproveitando-se da conhecida circunstância de que mortos nunca
mais falam, o presidente desenha uma auréola de santidade em torno da
condecoração ofertada por seu filho 01 ao policial-miliciano.
O manifesto dos governadores é menos um ato de solidariedade com o
governador da Bahia, Rui Costa, e mais um gesto preventivo de proteção
de suas próprias PMs. O bloco carnavalesco da União dos Governadores
invoca o princípio federativo para bloquear o funcionamento do sistema
de justiça. A meta é converter suas polícias em batalhões de intocáveis.
Wilson “mira na cabecinha” Witzel, o inspirador do manifesto, enxerga a
PM fluminense como esquadrão da morte. João “Paraisópolis” Doria celebra
um inquérito policial que, num exercício fanático de corporativismo,
isenta a PM paulista de responsabilidade pelo massacre de nove
adolescentes num baile funk. Se não se puder mais exterminar um
miliciano procurado, e armado, como matar impunemente os suspeitos de
sempre, pretos e pobres, nas favelas ou periferias? [exageraram na proporcionalidade das forças = um único homem, cercado, sem reféns, em área descampada contra 75 policiais,bem armados.
Um cerco seria possível e em questão de horas Adriano seria preso, vivo.]
Resta o fato incontornável que deflagrou a controvérsia. Como explicar
que, numa operação planejada, 40 [sic] agentes policiais da Bahia não
prenderam, mas eliminaram a tiros, um foragido solitário? Há, no caso,
duas hipótese excludentes. A mais benevolente pode ser sintetizada na
palavra incompetência — grifada e grafada em maiúsculas. A outra mora na
boca do povo: queima de arquivo. Diante das alternativas
inconvenientes, Rui Costa cobre-se no manto providencial do manifesto da
União dos Governadores, vestindo a fantasia desbotada da normalidade.
Bolsonaro triunfou. A esquerda, sempre loquaz, recolhe-se ao silêncio,
como se dissesse que a indignação deve tirar férias quando se trata do
cadáver de um miliciano. De fato, diante da hipótese mais provável — que
“faz corar, me salta aos olhos, me aperta o peito a me atraiçoar” — a
esquerda prefere subscrever a carta da impunidade ditada por Witzel.
Afinal, qual é a ligação da polícia baiana, “do PT”, com a queima de
arquivo?
A sugestão de que a PM da Bahia é comandada pelo PT só faz sentido para
militantes bolsonaristas incuráveis. [FATO: A PM baiana, é comandada pelo governador do Estado, que é do PT e já demonstrou seu empenho no uso político da morte do ex-capitão do Bope.] Ninguém, exceto os que acreditam em
bruxas, compartilha a narrativa delirante de uma ordem de Rui Costa
para o cancelamento do miliciano cercado. A pergunta legítima é mais
grave: será que a polícia do B da Bahia executou, às costas de seus
superiores, o serviço sujo encomendado pela polícia do B do Rio? E, por
implicação, duas outras: já existiria uma clandestina polícia do B
interestadual, talvez nacional? Qual é a extensão da influência das
milícias sobre as polícias?
A Colômbia é aqui? A indagação, que emana diretamente da acusação
presidencial contra a PM da Bahia, deveria ser dirigida ao ministro da
Justiça, o santo guerreiro do combate ao crime organizado. O problema é
que Sergio “Excludente de Ilicitude” Moro nunca se interessou por
Adriano da Nóbrega, seu Escritório do Crime e suas condecorações
parlamentares. [qual a razão de tantas críticas ao 'excludente de ilicitude'? recurso válido para evitar que policiais que abatem bandidos no estrito cumprimento do DEVER LEGAL - incluindo também integrantes de tropas federais que, vez ou outra são empregadas para combater bandidos - tenham que responder processos por sendo forçado a optar entre morrer ou matar o bandido, escolheu matar o bandido e teve êxito.]
Demétrio Magnoli, jornalista - O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário